terça-feira, 1 de julho de 2025

REFLEXÃO...01

 

Partituras raras ajudam a contar a história da música no Brasil

 

Eduardo Magossi

Documentos encontrados em acervos revelam obras de compositores como Presciliano Silva, um dos primeiros professores negros de São Paulo

 

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Partituras raras ajudam a contar a história da música no Brasil

 

O Rio de Janeiro foi uma das primeiras cidades fora da Europa a registrar a execução do Requiem, de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Em 1819, a cidade sediou uma apresentação da missa fúnebre escrita em 1791 pelo compositor austríaco, segundo estudo do musicólogo Ayres de Andrade Júnior (1903-1974) publicado nos anos 1960. Entretanto, a obra circulou também por São Paulo na primeira metade do século XIX, como indica pesquisa recente coordenada pelo musicólogo Paulo Castagna, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de São Paulo.

 

 

Durante os últimos três anos, dois deles com financiamento da FAPESP, o pesquisador e sua equipe catalogaram e organizaram todo o acervo musicográfico (ou seja, constituído por partituras) da antiga Biblioteca do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. O espaço funcionou entre 1906 e 2006 no centro da capital, onde hoje é a praça das Artes.

 

 

Entre as descobertas feitas na pesquisa, estava a cópia manuscrita da partitura do Requiem. Embora sem data, o documento foi copiado pelo mestre de capela da Catedral de São Paulo, Antônio José de Almeida (1816-1876), que assumiu suas funções na década de 1840. “Estima-se que a cópia tenha sido feita em torno do ano de 1850”, diz Castagna. “Trata-se de um trabalho caro e que consumia muito tempo naquela época. Fazer a cópia e não executá-la seria um desperdício. Portanto, é muito provável que ela tenha sido cantada.”

 

 

Ao todo, Castagna e a equipe catalogaram cerca de 17 mil itens do acervo musicográfico do antigo conservatório, hoje pertencente à Fundação Theatro Municipal de São Paulo. Trata-se do terceiro maior acervo do gênero no Brasil, atrás apenas daqueles depositados na Biblioteca Nacional (RJ) e na biblioteca Alberto Nepomuceno da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “É um acervo importante pela sua diversidade cronológica e estilística, que reúne peças compostas no Brasil e no exterior entre os séculos XVIII e XX, indo de ópera e música sacra a composições para banda e música popular”, enumera o pesquisador.

 

 

De acordo com Castagna, embora a coleção tenha sido constituída por material comprado pelo próprio conservatório, a instituição recebeu também muitas doações. É o caso dos acervos pessoais de quatro compositores, que foram professores da instituição: João Pedro Gomes Cardim (1832-1918), Carlos de Campos (1866-1927), João Gomes de Araújo (1846-1943) e João Gomes Junior (1868-1963). “São autores pouco conhecidos, sem edições e gravações recentes”, comenta Castagna. “Cardim, por exemplo, compôs o Hino da Abolição em 1881 para ser executado e arrecadar fundos para campanhas do abolicionista Luís Gama [1830-1882].”

 

 

O pesquisador e sua equipe encontraram pelo menos 275 obras inéditas dos quatro compositores. Em março, nove peças escritas por Gomes de Araújo para piano solo ou canto e piano foram apresentadas em evento no auditório do Instituto de Artes da Unesp. “A ideia é disponibilizar esse material para que ele seja pesquisado, interpretado e gravado.”

 

 

A pesquisa localizou ainda duas obras do professor de música Presciliano Silva (1847-1897). São elas, Missa a 4 vozes e pequena orquestra, op. 17 e Ganganelli, peça para rabeca e piano. “Ele foi um dos primeiros professores negros do sistema de ensino paulista e começou a trabalhar em 1891, na Escola Normal, atual Escola Estadual Caetano de Campos, no centro da cidade”, comenta Castagna. “Há registros nos jornais da época de que essas duas composições foram executadas com muitos aplausos em várias cidades brasileiras.”

 

 

Outro pesquisador que busca difundir obras depositadas em acervos é o musicólogo Tadeu Moraes Taffarello, do Centro de Documentação de Música Contemporânea da Universidade Estadual de Campinas (CDMC-Unicamp). Desde 2021 ele vem organizando e editando partituras raras, depositadas no CDMC, de compositores como José Antonio Rezende de Almeida Prado (1943-2010) e Dinorá de Carvalho (1895-1980). Com apoio da FAPESP, Taffarello revisa, digitaliza e publica as partituras em e-books com download gratuito. O material traz também informações sobre a obra e o autor, bem como o processo de edição.

 

 

Criado em 1989 pela Unicamp e pelo Centre de Documentation de la Musique Contemporaine, da França, o CDMC brasileiro na época recebeu da matriz francesa partituras e gravações de músicas do século XX de várias partes do mundo. “Nesse intercâmbio vieram muitas partituras e música gravada em fitas que estamos terminando de digitalizar”, conta Taffarello. A parceria acabou 10 anos depois.

 

 

Hoje, o CDMC dispõe também de um acervo de música erudita brasileira dos séculos XX e XXI. “Dentre outros, contamos com acervos pessoais que foram doados, como a coleção de Almeida Prado, constituídos de obras do compositor”, explica. Aluno do compositor e regente Camargo Guarnieri (1907-1993) e da pianista Dinorá de Carvalho, Prado foi professor da Unicamp entre 1975 e 2000 e deixou mais de 570 composições.

 

Já Carvalho, entre outras realizações, fundou a Orquestra Feminina São Paulo, cuja primeira apresentação pública ocorreu em 1940. Seu material também chegou ao CDMC por meio de doação. Taffarello conta que na ocasião do centenário de nascimento da pianista, em 1995, amigos e colegas músicos decidiram homenageá-la. Solicitaram, então, a quem tivesse partituras de composições da musicista que as doasse à Unicamp, para se criar ali uma coleção da autora.

 

 

Até agora, Taffarello publicou 12 e-books. O próximo a ser lançado, ainda neste semestre, será a partitura de Manhã radiosa, de Carvalho. Em artigo preprint (ainda sem revisão por pares) de 2025, Taffarello, o pianista e compositor Vitor Alves de Mello Lopes e a bibliotecária do CDMC Raquel de Souza observam que a peça para piano solo Lá vae a barquinha carregada de?, publicada em 1939 pela Editora Casa Wagner, saiu dois anos depois, em versão simplificada e com o mesmo título, por outra editora, a Ricordi Brasileira. Mesmo após essas duas publicações, a autora continuou trabalhando na peça e criou outras versões até chegar à Manhã radiosa, que estreou em 1946. “A prática composicional de Dinorá é atravessada por uma construção que, muitas vezes, perpassa anos de criação, com versões diferentes da mesma obra”, diz Taffarello.

 

 

Nem sempre é fácil editar as partituras. “Como no caso de Dinorá, muitas vezes existem várias versões da uma peça”, reforça Taffarello. O CDMC tem parceria com a Orquestra Sinfônica da Unicamp, regida por Cinthia Alireti, que costuma executar as obras em suas apresentações. Segundo o pesquisador, isso ajuda a aprimorar o resultado final da edição.

 

 

Outro desafio é encontrar as partituras completas. Foi o que aconteceu durante a produção do e-book, hoje em estágio final de edição, sobre o espetáculo teatral Noite de São Paulo (1936), do dramaturgo Alfredo Mesquita (1907-1986) e trilha sonora de Carvalho. Faltava ao conjunto a partitura orquestral da canção Bamboleia, que se encontrava no fundo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). A coleção é formada por livros, partituras, manuscritos, discos e outros documentos do escritor, crítico e musicólogo paulista. “Dinorá foi contemporânea de Mário de Andrade [1893-1945], a quem dedicou várias de suas composições. É provável que ela própria tenha presenteado o amigo com a partitura”, conta a musicóloga Flávia Toni, do IEB-USP, especialista na obra andradina.

 

 

Um dos trabalhos de Toni foi organizar o acervo discográfico de Andrade em 1985, por meio de projeto coordenado pela pesquisadora Telê Ancona Lopez, da USP, com apoio da FAPESP. Professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, ele costumava anotar suas impressões de audição em capas de cartolina lisas que substituíam as capas originais de fábrica que embalavam os discos. Os registros foram contextualizados por cartas e artigos e geraram o livro A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade, de 2004, que acaba de ser reeditado pelas Edições Sesc em versão ampliada e revista.

 

 

O Colégio do Caraça, que funcionou entre 1820 e 1842, em Minas Gerais, e o Conservatório Imperial de Música, fundado em 1848, no Rio de Janeiro, figuram entre os primeiros repositórios de acervos musicais no Brasil. Segundo Castagna, atualmente os estados de São Paulo e Minas Gerais abrigam o maior número dessas coleções – respectivamente, 63 e 57 delas, com predomínio de música sacra e de bandas.

 

 

O musicólogo Fernando Lacerda Duarte, da Universidade Federal do Pará (UFPA), já visitou 225 cidades por todo o país em busca desses acervos, sobretudo de música sacra. “Em geral, eles precisam de tratamento. Já encontrei uma coleção que continha, entre outros itens, partituras no forro da Catedral de Belém, por exemplo. Por vezes, mudanças de gestão em uma determinada paróquia implicam o descarte do acervo, inclusive o musical”, lamenta.

 

 

Graças às suas pesquisas de campo, Lacerda comprovou, por exemplo, que o uso da língua local em cantos católicos já ocorria no Brasil desde o século XIX. Oficialmente, o Vaticano permitia apenas missas e hinos cantados em latim. O uso da língua local só foi oficialmente permitido a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965). “No Brasil, a língua local, ou vernácula, era utilizada de maneira contínua pelo menos desde a década de 1860”, afirma o pesquisador. “Como a Igreja proibia o canto em vernáculo, esses hinos apareciam como melodia popular ou tradicional, uma forma mais eficiente para divulgar a mensagem do evangelho.”

 

 

As partituras não são a única fonte de pesquisa musicológica. No acervo do musicólogo teuto-uruguaio Curt Lange (1903-1997), o destaque são as cartas, como explica a musicóloga Edite Rocha. Ela é coordenadora do espaço, que existe desde 1995 e pertence à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ali, ao lado de itens como discos e fotografias, estão mais de 100 mil correspondências trocadas por Lange com pesquisadores, intelectuais, políticos e instituições entre as décadas de 1920 e 1990.

 

 

A partir de sua estada entre 1944 e 1945 em Minas Gerais, o musicólogo realizou um vasto levantamento de partituras e manuscritos que se tornaram uma das principais fontes de música brasileira no mundo. “Lange organizou todas as cartas que recebia e também manteve uma cópia das que enviava”, explica Rocha, que é professora da Escola de Música da UFMG. “Sua correspondência, com muitas histórias de bastidores, faz dele uma figura incontornável para pesquisadores que se interessam pela música e musicologia do século XX do Brasil e da América Latina.”

 

 

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

NOTAS...02

 

NOTAS

https://www.instagram.com/reel/DLXGax7Oevz/

 

 

https://youtu.be/rfhtvnvCe6c?si=27P6AxS3ePXe1OKE

 

 

https://youtube.com/shorts/U3gU3VKgrfY?si=BFGrZirVlV6H4XuB

 

 

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segunda-feira, 30 de junho de 2025

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História da música brasileira: dos ritmos tradicionais aos sons contemporâneos

Picture of Redação FAVENI

A história da música brasileira é um reflexo profundo da diversidade cultural do país. Com raízes indígenas, africanas e europeias, ela se consolidou como uma das expressões artísticas mais ricas do mundo, acompanhando a trajetória social, política e cultural do Brasil. Ao longo dos séculos, a música brasileira atravessou períodos coloniais, movimentos de resistência, revoluções sociais e momentos de grande efervescência criativa. Conhecer sua evolução é entender melhor a identidade nacional, os processos de transformação e as vozes que ecoam de norte a sul do país.

 

Índice

As raízes da música brasileira

A influência africana e europeia nos ritmos nacionais

O surgimento dos gêneros populares urbanos

A era de ouro da música brasileira

A música brasileira no cenário internacional

As novas sonoridades e a cena contemporânea

Cursos da FAVENI para quem quer seguir carreira na área

As raízes da música brasileira

Muito antes da chegada dos colonizadores, os povos indígenas já usavam a música como forma de expressão espiritual, social e cultural. Seus cantos, danças e instrumentos como maracás, flautas e tambores compunham rituais que marcavam o cotidiano. Com a colonização portuguesa e o tráfico de africanos escravizados, houve um encontro forçado entre três culturas que moldaram os primeiros contornos da música brasileira.

 

A miscigenação sonora foi inevitável: os instrumentos africanos como o atabaque, a cuíca e o berimbau se fundiram com violas, cavaquinhos e práticas litúrgicas europeias, dando origem a uma musicalidade única. A partir disso, começaram a surgir manifestações como o lundu, a modinha e o jongo, considerados os primeiros estilos populares do país.

 

A influência africana e europeia nos ritmos nacionais

A marca da África é incontestável na construção da identidade musical do Brasil. O samba, por exemplo, é herdeiro direto dessas heranças africanas, inicialmente marginalizadas, mas hoje símbolo nacional. Com forte presença rítmica e percussiva, ele nasceu nos terreiros e ganhou espaço nas festas populares do Rio de Janeiro no início do século XX.

 

Do lado europeu, a influência das danças e formas musicais como a valsa, o fado e o chorinho trouxe sofisticação harmônica e melódica aos gêneros brasileiros. Essa combinação gerou músicas carregadas de emoção, lirismo e riqueza técnica. É essa fusão que deu origem ao chorinho, à seresta e, posteriormente, à bossa nova.

 

O surgimento dos gêneros populares urbanos

A urbanização do Brasil foi essencial para o surgimento de novos estilos musicais. O rádio e a televisão ajudaram a espalhar a música popular pelos lares brasileiros. Nomes como Carmen Miranda, Ary Barroso, Dorival Caymmi e Luiz Gonzaga marcaram uma geração que traduziu o Brasil em som.

 

Nos anos 1950 e 60, surgiram a bossa nova e o movimento da Jovem Guarda, que misturava o rock com a tradição nacional. A bossa nova, em especial, elevou a música brasileira a um patamar internacional, com artistas como João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes sendo reverenciados em países como Estados Unidos, França e Japão.

 

A era de ouro da música brasileira

Entre as décadas de 1960 e 1980, a música brasileira viveu seu auge criativo e político. Os festivais revelaram grandes nomes como Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento. A música se tornou resistência contra a ditadura militar, veículo de crítica social e também de identidade coletiva.

 

Surgem nessa época o tropicalismo, o samba-rock, o MPB (Música Popular Brasileira), além da consolidação do forró, do baião e da música sertaneja. Foi um momento de efervescência cultural que estabeleceu o Brasil como potência musical.

 

A música brasileira no cenário internacional

A internacionalização da música brasileira começou com Carmen Miranda, mas foi com a bossa nova e o MPB que o Brasil conquistou respeito no exterior. Artistas brasileiros passaram a se apresentar em festivais internacionais e a gravar com músicos estrangeiros.

 

Atualmente, nomes como Anitta, Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Alok e Liniker levam a brasilidade para o mundo com gêneros que vão do funk ao eletrônico, do axé ao indie pop. A presença do português, misturado ao inglês e a ritmos globais, mostra como o Brasil soube se adaptar e se reinventar sem perder sua essência.

 

As novas sonoridades e a cena contemporânea

Nos últimos anos, a tecnologia, as plataformas de streaming e as redes sociais abriram espaço para novas formas de produção musical. Estilos como o funk, o trap, o piseiro e o sertanejo universitário dominaram o mercado, enquanto movimentos como o afro pop, o rap de periferia e a MPB alternativa consolidaram um novo tipo de protagonismo, mais diverso e inclusivo.

 

A nova geração de artistas é marcada pelo ativismo, pelas letras que tratam de questões raciais, de gênero e de classe, e pela ousadia estética. A música brasileira de hoje é plural, digital e politizada — uma expressão autêntica do Brasil do século XXI.

 

Cursos da FAVENI para quem quer seguir carreira na área

Para quem deseja transformar a paixão pela música em profissão, a FAVENI oferece cursos de graduação e pós-graduação na área musical, com foco tanto na formação técnica quanto na abordagem pedagógica. Os cursos contemplam desde história da música até prática instrumental, composição e ensino de música, preparando profissionais completos para atuarem em escolas, projetos sociais, bandas, igrejas, empresas e produções culturais.

 

Com metodologia atualizada, ensino a distância de qualidade e reconhecimento do MEC, a FAVENI é a escolha certa para quem quer construir uma carreira sólida e impactar positivamente o cenário musical brasileiro.

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