Rosa nem sempre foi "cor de menina" - nem o azul, "de menino"
Pesquisadora americana explica que a divisão de gênero das cores é uma construção social. 'Assim, também é errada a ideia de que se você não tratar as crianças segundo um estereótipo de gênero elas vão crescer confusas, serão pervertidas, vão se tornar homossexuais, transgênero. Não há nenhuma evidência disso'.
Por BBC Brasil
"A regra geralmente aceita é que rosa é
para os meninos, e azul para as meninas. O motivo é que o rosa, sendo
uma cor mais decidida e forte, é mais apropriado para meninos. Enquanto o
azul, que é mais delicado e gracioso, é mais bonito para a menina."
O parágrafo acima foi publicado há cem anos, em 1918, por uma revista de moda infantil
americana, a Earnshaw, voltada para profissionais da área. Foi
encontrado por Jo Paoletti, professora emérita de Estudos Americanos na
Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e autora do livro Pink and Blue: Telling the Boys from the Girls in America (Rosa e Azul: Distinguindo Meninos de Meninas nos Estados Unidos).
"(Encontrar essa frase) virou minhas
suposições de cabeça para baixo", lembra a pesquisadora, em conversa com
a BBC News Brasil. Afinal, o rosa nem sempre havia sido uma cor de
menina, nem o azul cor de menino.
"A ideia de que há algo natural e
permanente sobre o uso de rosa para as meninas e azul para garotos é
historicamente errada", diz Paoletti. "Assim, também é errada a ideia de
que se você não tratar as crianças segundo um estereótipo de gênero
elas vão crescer confusas, serão pervertidas, vão se tornar
homossexuais, transgênero. Não há nenhuma evidência disso. Não é dos
estereótipos de gênero que nasce a identidade homossexual ou trans."
O uso de rosa ou azul mobilizou as redes
sociais brasileiras nesta quinta-feira, chegando ao topo de assuntos
mais comentados no Twitter. O motivo foi a divulgação de um vídeo de
Damares Alves, a primeira ministra a ocupar a pasta de Mulher, Família e
Direitos Humanos – criada por Jair Bolsonaro, em substituição ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos do governo de Dilma Rousseff.
"Atenção, atenção! É uma nova era no
Brasil. Menino veste azul e menina veste rosa!", fala Damares Alves no
vídeo. A frase foi acompanhada em coro por apoiadores. Em seguida, todos
pularam em comemoração – inclusive a ministra, nitidamente empolgada.
O contexto da frase é a intenção do novo
governo de combater a chamada "ideologia de gênero". O termo, que não é
reconhecido por estudiosos, foi popularizado por segmentos contrários à
ideia de que gênero é uma construção social e, portanto, não está
restrito ao sexo biológico de uma pessoa.
"Fiz uma metáfora contra a ideologia de
gênero, mas meninos e meninas podem vestir azul, rosa, colorido, enfim,
da forma que se sentirem melhores", disse a ministra, após a reação das
redes sociais, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Vestidos brancos para bebês e azul feminino em alusão à Virgem Maria
A divisão de cores de meninos e de meninas
é uma construção social recente, explica Paoletti. "Cem anos atrás, os
bebês usavam vestidos brancos, independentemente do sexo da criança.
Essas roupas brancas eram mais fáceis de serem mantidas limpas, porque
podiam ser fervidas", diz ela. Além disso, era mais fácil trocar a
fralda de um bebê de vestido do que com calças.
"Quando as cores foram introduzidas no
vestuário infantil, tinham tons pasteis, mas não importava se era rosa
ou azul. Geralmente, eram escolhidas de acordo com o tipo físico da
criança. Era muito comum ver bebês de olhos azuis vestindo azul. E bebês
de olhos castanhos vestindo rosa. As pessoas achavam que combinava
mais", continua Paoletti.
O uso das cores também variava de acordo
com a região, explica a pesquisadora. "Em alguns países católicos, era
comum encontrar o uso de azul para meninas, porque o azul era associado à
Virgem Maria. Em outros locais católicos, como França e Bélgica, o
primeiro filho costumava ser dedicado à Virgem Maria e vestido de azul,
fosse menino ou menina."
Mais recentemente, o uso de rosa para
meninas e azul para meninos se tornou padronizado em todo o Ocidente.
Como isso ocorreu? Uma das explicações é que o padrão teria sido criado
pela indústria da moda americana e se espalhado para outros países.
O professor de psicologia da Universidade
do Novo México, Marco Del Giudice, analisou as ocorrências de rosa e
azul para meninos e meninas em uma base de dados de milhões de livros,
publicados a partir de 1880. Segundo ele, as referências a "rosa para
meninas" começaram a ser mais abundantes a partir do final da Segunda
Guerra Mundial, na década de 1940.
Além disso, outros simbolismos de gênero
entraram na moda infantil, como laços e corações para meninas, aviões e
bolas para meninos. "Antes, o que definia a moda infantil era a
praticidade, a conveniência. Agora, as pessoas estão mais interessadas
em garantir que seu filho pareça com o estereótipo de um menino", diz
Paoletti.
Meninas preferem rosa? Ciência diz que não
Um estudo de 2011 publicado pela Sociedade
de Psicologia Britânica analisou a preferência de cor de bebês e
crianças com idades entre 7 meses e 5 anos. Cada criança recebeu um par
de objetos, um com a cor rosa e o outro com uma segunda cor. Os
pesquisadores, então, observaram qual era a preferência ou rejeição
pelos objetos rosas.
O resultado foi que, com até um ano de
idade, meninas e meninos escolheram objetos cor-de-rosa de forma
semelhante. Ou seja, não havia uma preferência de gênero pela cor.
Já aos dois anos, as meninas passaram a
preferir o rosa um pouco mais frequentemente que os meninos. E, a partir
de dois anos e meio, a preferência por rosa despontou nas meninas, ao
mesmo tempo que a rejeição ao rosa prevaleceu entre meninos.
Segundo as pesquisadoras, a preferência
pelo rosa nessa idade pode ser explicada pela identificação de gênero
que é dada pelos adultos e acaba absorvida pelas crianças.
"As descobertas vão na contramão da
sugestão de que as preferências de cor podem ter uma base biológica.
Alguns pesquisadores propuseram que há mais vantagem evolutiva para
mulheres que são atraídas por cores de frutas, como o rosa. Mas, se as
mulheres tivessem uma predisposição biológica ao rosa, então isso seria
evidente independentemente da aquisição de conceitos de gênero".
Em outras palavras, seria perceptível em qualquer estágio de vida.
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