Wolô e Aristeu Pires: louvor e proclamação em ritmo de samba-ucraniano e em ritmo baigoiano
Por Oséas Heckert
A “velha guarda” da MPGB (música pré-gospel brasileira)1 se reencontrou em São Paulo no dia 25 de junho de 2004 para celebrar a Deus ao som da boa música de Wolô2 e Aristeu Pires3, num encontro promovido por Ronaldo Cavalcante4 e Nizan Omar5.
Wolô: louvor e proclamação em ritmo de samba-ucraniano
Wolô
relatou como sua vocação musical teve início enquanto participava das
celebrações natalinas numa igreja batista ucraniana no ABC, como membro
da crescente “escadinha” da família Boruszewski, e comentou como as
raízes da música ucraniana ainda se fazem presentes em suas composições.
Ano após ano, um pouco dessa herança está presente na celebração de
Natal de todos nós (o próprio Aristeu incluiu-se nessa lista), quando
cantamos “Obrigado, Jesus, por nascer";
canção que, segundo Wolô, surgiu de seu desconforto diante do
consumismo e de outros valores deste “mundo cruel” que tentam, mas não
conseguem, ofuscar o verdadeiro sentido do Natal, quando Jesus “nasce na
gente, também”.
Dentre os cânticos e sua história “compartilhados” por Wolô, pudemos saber que o “Pai Nosso”,
foi composto aos seus 13 anos, como uma “oração de criança” que ainda
estava iniciante na sua relação com Deus. Apesar de ter sido criado por
seus pais sob rígida disciplina, Wolô diz ter sido muito questionador
em sua juventude. Suas dúvidas com relação à vida cristã eram
esclarecidas com ajuda do “mestre” Babá, ucraniano, que através de seu
conhecimento bíblico lhe indicava as leituras adequadas. “Algo Mais”, surgiu como uma canção de entrega, depois de muitas “lutas” com Deus.
Ao apresentar “Cara”, Wolô lembrou-se de tê-la cantado nos anos 70, em companhia de Ageu6 e outros ABUenses7,
sentados nas calçadas de Ouro Preto, MG. Com a poesia, em linguagem
simples e contextualizada, recomendava prudência com relação ao uso do
livro arbítrio: a vida (presente e futura) depende mais do que da sorte
(“tomara”) numa moeda lançada (“cara ou coroa”) – “só depende de você”.
Contou, ainda, que alguém fez outra leitura pertinente do verso
“escolher coroa ou cara”: a opção entre a coroa da vida e a si mesmo, a
escolha de Adão em todos nós. Esse direito humano de escolha, foi
reforçado por Wolô em “o tempo e O TEMPO”, cuja “sacada” ao usar minúsculas e maiúsculas no título destaca a diferença entre o chronos e o kairos.8
Passado o tempo (chronos), mudam os personagens, mas o enredo continua o mesmo: “Guerra e paz”;
desde o título, herdado do romance de Tolstoi, passando pelas
permanentes retaliações entre judeus e palestinos, até as recentes
provocações entre os “mocinhos” e “vilões” da política internacional.
Wolô, com sua voz suave, cantou como as aves que, num gorjeio bom, dizem
que somente no amor do Senhor “existe paz que não se desfaz”.
Wolô
apresentou uma inspiração mais recente - “Eras” -, que recebeu a mesma
melodia de “Heroínas”. Saudoso do tempo em que ainda se declamavam
poesias nas igrejas, preferiu apenas ler a linda poesia, cujos versos
finais relembram o “ladrão da outra cruz” (já cantado em “O olhar sorrir”), que “percebe quem era Jesus”.
A
cruz de Jesus tem um lugar especial nas poesias de Wolô. Emocionado
com a poesia de Gióia Jr, que alertava que a cruz que Cristo carregou
não era dEle, mas nossa, Wolô compôs “Minha cruz”,
onde música e letra se unem para, de modo mais pungente que o filme de
Mel Gibson, nos fazer lembrar que Ele tomou sobre Si as nossas dores.
Em “Livro”,
Wolô declara sua ligação com as sagradas letras que, desde criança,
aprendeu a ler (em ucraniano, claro). Valendo-se de um jogo de palavras
(recurso marcante, tanto em sua poesia, quanto em sua prosa cotidiana),
Wolô demonstra que o Autor do Livro livra aquele que, de peito aberto,
ler Seu Livro aberto, conduzindo-o em meio à lida, a encontrar a Vida.
A imagem da criança também está presente em “Dos pequeninos”,
cuja poesia foi inspirada quando Wolô, certa vez, ao ver uma criança
saltar dos degraus de um ônibus, pôs-se em seu lugar, a olhar um mundo
de coisas e pessoas gigantes. Lembrando-se da exortação de Cristo de que
precisamos nos tornar crianças, projetou-se diminuindo para que Ele
cresça: primeiro, louvando-O pelo que fez; segundo, louvando-O pelo que
Ele é; terceiro, esvaziando-se para que Ele assuma o controle; quarto,
proclamando a loucura do Evangelho (assumindo a loucura como a condição
menos humana). “Jesus será mais meu Senhor, quanto mais pequenino eu
for”.
O compromisso com o Reino é a tônica de “Sol e Sal”,
onde Wolô nos desafia a cantar-orar num mundo errado, com o poder do
sal salgado. Segundo Wolô, essa é sua música com ritmo mais brasileiro:
seria um ucramba, ou sambaniano? (Uma outra tentativa de samba, na
música de “23h59”, acabou saindo uma salsa caribenha...).
Por
fim, Wolô apresentou “Sonho de um sonho”, que ele sonha ver divulgada
nas rádios seculares, aproveitando a sutileza da bela poesia para
desafiar o ouvinte a não ficar sem Graça: “Pra que fugir de onde o Amor
germina, e sufocar a planta pequenina, e a oração jamais desabrochar?”.
Aristeu: louvor e proclamação em ritmo baigoiano
A
partir de suas raízes baianas e sua vivência goiana, Aristeu mostrou
sua música brasileira de primeira qualidade misturada com poesia que
mexe com a alma da gente.
Contextualizado em ritmo e versos, Aristeu apresentou a “República do amor”,
e contou que sua origem se deu na época em que os evangélicos voltaram a
se interessar pela política (ou politicagem), durante o governo
Figueiredo, e se mobilizaram para conquistar a uma pasta ministerial em
Brasília. Após ter dirigido o louvor numa igreja que, em vigília de
oração buscava mover o coração de Deus em favor de seus “propósitos
políticos”, Aristeu voltava para casa com o coração amargurado, até que a
resposta lhe veio na inspiração dos versos “Feliz a nação cujo Deus é o
Senhor... Brasil, tua esperança está em Jesus... Muda, Brasil, tua hora
já chegou, de receber a verdadeira vida, nu’a nova República de Amor”.
Em “Meus pequeninos”,
Aristeu denuncia a situação dos meninos, que “perambulam soltos pelas
ruas, nas esquinas e becos da cidade; corações tão rotos, emoções e
almas nuas, sem nem ter do que sentir saudade; filhos esquecidos pela
Mãe Gentil...”; conclama o “povo heróico” a “estender os braços para os
céus e abraçar um Cristo mais que Redentor”, e desafia a todos nós a uma
ação concreta, como fruto de nossa fé, para ouvir de Cristo, que “vai
voltar em breve para nos dizer: - Tive fome: me deste de comer; tive
sede: me deste de beber; senti frio: trouxeste um cobertor; quando
enfermo: vieste pra me ver”.
Em “Visão, compromisso e sacrifício”,
Aristeu consolida a solução numa visão profética que vislumbra uma
terra onde “ninguém precisa mendigar o pão”, utopia ainda-não-possível,
mas já-conquistada a partir do compromisso que Deus firmou na cruz,
dando-nos um modelo de sacrifício: “amar do jeito que Ele amou. Como nos
amou!”
Aristeu, o engenheiro que virou carpinteiro, sente-se à vontade para lembrar em “Valeu ter vivido?”que
“madeira se deixa moldar pelas mãos e a vontade de um carpinteiro, mas
houve um que escolheu e, numa cruz, se entregou pelo mundo inteiro”.
Aristeu
relatou como seu processo de conversão teve início quando estudante de
engenharia se preparava para uma prova de cálculo numérico. Avançada a
hora, encontrava-se esgotado e sentia-se antecipadamente derrotado,
quando se lembrou de sua Bíblia. Fora criado em um lar evangélico, mas
distanciara-se do Caminho. Quando saíra de casa para estudar, levara
consigo uma Bíblia entregue por seu pai, para não fazer desfeita. Tendo
vindo a morar numa república em companhia de Ricardo Barbosa9 e Robson Rodovalho10,
voltou-se naquela noite para sua Bíblia, até então, esquecida. Segundo
Aristeu, ele leu o que não estava escrito para o Espírito falar o que
queria ao seu coração, e descobriu a verdade que canta em “O vento”:
o vento sopra onde quer, “assim também viverá aquele que Deus se
entregar e, nunca, jamais vai andar tão sozinho”. Daquele dia em
diante, tem na Bíblia sua constante companheira, preferencialmente “Logo de manhã” – melodia que presente em momentos devocionais de muitas igrejas, desde sua publicação no disco de Vencedores Por Cristo11.
O vento da inspiração também sopra onde quer. Assim como no caso de “O Barquinho”,
de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, que não deveu sua inspiração a
um dia de luz e de festa do sol, Aristeu confessou que não foi o mar,
mas uma lagoa que o inspirou para compor “De vento em popa”.
Aristeu lembrou que esta música que deu nome ao disco de Vencedores,
foi recebida com restrições por alguns pastores por seu ritmo isento do
ranço anglo-saxão. Hoje, Aristeu se diverte ao lembrar que alguns LPs
teriam sido quebrados nos púlpitos das igrejas, ao estilo de Flávio
Cavalcanti.12
Com a melodia suave de “Deixa de brincadeira”,
Aristeu convida o interlocutor a deixar a brincadeira ou a fossa, para
levar a sério a oferta do “amor verdadeiro que Deus quer dar”.
Da sua leitura de “Jesus, o Filho do Homem”, de Khalil Gibran13,
Aristeu sentiu-se motivado a escrever “depoimentos” de pessoas
contemporâneas a Cristo. Em linguagem poética, tornou-se porta-voz de
Maria Madalena, em “Madalena”,
onde relata seu encontro com o Cristo ressurreto, “então ali meus olhos
se abriram, pude ver... era o filho de Deus, eu cri... juro que eu
vi!”; e da mulher adúltera, em “Última pedra”: “minha noite troquei pela luz e, em meu peito, seu nome inda ecoa: Jesus!”
Enfim, foi uma noite memorável.
A ambos os compositores, honra pela qualidade de suas músicas e poesias.
A Deus toda a glória.
Sem comentários:
Enviar um comentário