Nunca usei toga. Minha
posse, em 1995, foi sem. Nunca recebi e não me fez falta. Lembro que há alguns
anos um grupo de juízes pediu que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lhes
fornecesse toga, e o presidente de então resolveu emitir um ofício circular,
oferecendo a veste a quem desejasse. Pouquíssimos pediram. Penso mesmo ser uma
peça em desuso em praticamente todas as salas de audiência do Brasil.
E com razão. Trata-se
de paramento destinado a conferir uma sacralidade medieval ao lugar do
magistrado e transformar a audiência em rito conduzido por um iniciado, em que
se marca todo o poder daquela figura imponente, sentada um degrau acima, diante
da qual partes e até mesmo advogados ficam reduzidos à condição de súditos.
Evidentemente, o
Judiciário que integra o moderno Estado democrático não tem essa conformação,
tendo se erigido em um dos Poderes que o compõem justamente na condição de
integrante de um sistema de freios e contrapesos sobre o qual se sustenta a
democracia.
Sob esse aspecto, o
remanescer da toga representa a persistência de um signo que já não corresponde
à realidade, algo que reveste o juiz um poder extraterreno que não se legitima
em tempos de horizontalidade, em que todos são iguais perante a lei.
Há alguém de dizer que
ela é mero adereço, não mais que uma vestimenta que identifica o magistrado, e
que o hábito não faz o monge. Não é esse o ponto: embora existam estudos
segundo os quais o significado social das nossas vestimentas interfere no modo
como pensamos e agimos, de modo que podemos concluir que o hábito faz, sim, o
monge, a questão é que, independentemente disso, e por mais democrático e
respeitoso que seja o juiz, a toga impregna o ambiente desse peso solene de uma
antiga assimetria.
Iniciei dizendo que
não tenho e nunca usei toga. E aí chego ao ponto: estou materialmente
impossibilitado de participar da Semana da Toga, em que juízes tiram fotografia
paramentados, para enaltecer o importante papel do Judiciário e demonstrar seu
apoio à Operação Lava Jato e ao trabalho do juiz Sérgio Moro.
A escolha desse modo
de manifestar publicamente a posição, que cria dificuldades aos tantos que,
como eu, não possuem a vestimenta, tem por base o fato evidente de que
publicamente a figura do juiz ainda é vista associada à toga. Sem qualquer
legenda, a fotografia em si já mostra que se trata de um magistrado.
Assim, ajuda na
identificação visual, nessa caracterização de um movimento de juízes; mas nem
por isso deixa de reforçar a antiga marca, insustentável como símbolo de um
Judiciário integrante de uma sociedade democrática, que deixou para trás os
rituais arcaicos.
No presente caso, a
toga parece significar até mais que isso. Por ser um traje ritual, identifica
também uma corporação, com todos os seus significados, inclusive o indefectível
espírito de corpo.
Evidentemente, o
espírito de corpo não se manifesta sempre com a plena consciência de seu
estrito significado; geralmente, vem acompanhado de uma leitura mais ampla do
mundo, porque sua legitimidade é subordinada à chancela como um bem comum da
sociedade, que transcende ao interesse particular daquele grupo.
No caso específico, de
fato está em jogo algo muito maior, visto que se está diante de uma disputa
social, cujo mote é o combate à corrupção, bandeira que consegue mobilizar a
quase totalidade da população. Defender o juiz porque combate a corrupção tem,
portanto, um significado que transcende o mero corporativismo.
Saber se esse combate
é instrumentalizado na arena política é irrelevante; aliás, não se reconhece
instrumentalização, porque as investigações apontam para a confirmação do
julgamento moral prévio que é feito dos acusados, a partir do lugar social que
ocupamos.
Nesse contexto,
usar-se o simbolismo da toga tem sua razão de ser, porque esse antigo adorno
reveste a magistratura de uma mística e pode ser usado como couraça na luta
contra o mal.
De minha parte,
preferiria ser retratado segurando a Constituição. Mas aí já entramos em outra
seara.
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