Três maridos, 11 filhos,
mil intrigas: conheça Maria da Glória, a brasileira que reinou em Portugal.
Ofuscada
pelo irmão Pedro II, Maria enfrentou traições e rebeliões durante seu governo
em Portugal, e morreu aos 34 anos ao dar à luz seu 11º filho
Marcelo
Remigio
04/04/2019
- 17:02 / Atualizado em 05/04/2019 - 11:37
RIO — Há
exatos dois séculos, percorria os corredores do Palácio da Quinta da Boa Vista
— consumido no ano passado por um incêndio —, no bairro de São Cristóvão, a
informação do nascimento da primeira filha do imperador Dom Pedro I com a
imperatriz Leopoldina.
A pequena
monarca de olhos claros e cabelos loiros tinha nome de princesa: Maria da
Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora
Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga, princesa da Beira e do Grão-Pará. E, em
poucos anos, se tornaria rainha de Portugal.
Brasil e
Portugal comemoram hoje os 200 anos do nascimento de Maria da Glória,
brasileira que, aos 7 anos de idade (em 1826), foi proclamada rainha portuguesa,
como Maria II.
Irmã do
futuro imperador Pedro II, o caçula da família — e o monarca que por mais tempo
governou o Brasil —, Maria da Glória ainda é pouco conhecida dos brasileiros.
Se aqui
ela assumiu papel coadjuvante, ofuscada pelo irmão mais popular, em Portugal a
princesa é celebrada como protagonista não de um conto de fadas, mas de uma
narrativa de traições e ação para se manter no poder.
Para
garantir seu reinado, resgatam os historiadores, Maria da Glória precisou
recuperar o trono usurpado pelo marido, seu próprio tio, fruto de um casamento
acertado pelo pai.
Ao
governar Portugal, a princesa-rainha enfrentou rebeliões; foi chamada de
tirana; teve três casamentos em que não escolheu marido; falava aos
amigos que "sua função era de parir herdeiros"; ficou viúva e morreu
no 11º parto com apenas 34 anos. Mesmo assim, conseguiu deixar a casa em ordem
aos filhos que viraram reis.
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Diretor
do Museu Imperial de Petrópolis — que guarda objetos pessoais, pinturas, cartas
e documentos de Maria II —, Mauricio Vicente Ferreira Júnior conta que ela se tornou
rainha ainda criança, quando seu pai, Pedro I, abdicou do trono de Portugal em
seu favor, após a morte de Dom João VI (pai de Pedro), para permanecer no
Brasil e manter a família no reino português.
— Para
isso, foi acertado o casamento da princesa com seu tio, o Infante Dom Miguel.
Mas, durante a regência, ele se autoproclamou o rei absoluto de Portugal, com
apoio da mãe, Carlota Joaquina, dando início a uma guerra com o irmão — conta
Vicente Ferreira.
A
princesa brasileira, com a ajuda do pai, conseguiu derrubar o marido aos 15
anos. O casamento, até então reconhecido pelo Vaticano, não chegou a se
consumar fisicamente e acabou anulado.
Maria da
Glória assumiu o trono de Portugal em 1834, e seu pai, então Duque de Bragança,
foi o regente. No ano seguinte, já órfã de pai, a princesa se casou pela
segunda vez, em um novo acerto em família. O noivo, Dom Augusto de Beauharnais,
era irmão da madrasta de Maria da Glória, Dona Amélia, e neto de Napoleão
Bonaparte.
— A
rainha não teve nem tempo de ser feliz, pois seu novo marido morreu dois meses
depois do casamento — conta o diretor do Museu Imperial.
Dom
Augusto enfrentava uma grave inflamação que se espalhou pela garganta, esôfago
e estômago. À época, foi levantada a hipótese de envenenamento, descartada com
uma necrópsia feita por uma junta médica de brasileiros e estrangeiros,
convocada por Maria da Glória e sua madrasta. Há registro de que o monarca
teria sido vítima de uma angina (dor no peito causada pela redução do fluxo
sanguíneo para o coração).
A rainha
Maria II se casou, então, pela terceira e última vez, com Fernando Augusto de
Saxe-Coburgo-Gotha, que passou a príncipe consorte em mais uma união por
acerto.
O casal teve
11 filhos, sendo dois reis de Portugal. Todas as gravidezes foram de alto
risco, por ter a rainha portuguesa a saúde frágil. A fama de mulher com vida
sexual ativa percorreu o reino e ganhou força ao longo dos anos entre os
pesquisadores.
No livro
"Maria da Glória – A princesa brasileira que se tornou rainha de
Portugal", a historiadora Isabel Stilwell faz referência à vida íntima da
rainha, que não queria dar margem, nem tempo, para o marido pensar em outra
mulher.
De acordo
com historiadores, a preocupação amorosa de Maria da Glória em relação ao
marido remontava à sua infância. Quando criança, a então princesa presenciou
por inúmeras vezes as brigas entre seu pai e sua mãe. O motivo: as traições de
Pedro I.
Entre as
amantes do pai, Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, com quem conviveu.
Maria da Glória perdeu a mãe ainda criança, aos 7 anos. Sua relação com o pai,
apesar das brigas e agressões à Imperatriz Leopoldina, foi fortalecida. Era
considerada a preferida de Pedro I.
Educadora e ciumenta
Relatos
históricos encontrados em cartas dão conta de que Maria da Glória, mesmo quando
criança, desafiava o pai e ameaçava fugir de casa para morar na Europa com os
avós por parte de mãe, caso suas vontades não fossem feitas.
— Já
adulta, em Portugal, ela dizia aos amigos que sua função era parir filhos para
Portugal e garantir a sucessão do trono. Maria da Glória abriu mão de sua
juventude e assumiu o papel de rainha, viveu para manter o trono na
família — afirma Vicente Ferreira.
A
história conta que Maria da Glória teve um casamento feliz, apesar de fruto de
um acordo. Ela tinha hábitos simples e andava a pé ou em carruagens com os
filhos por Lisboa, onde mantinha contatos com outras mães e suas crianças.
Em
Portugal, a princesa brasileira é lembrada como "A Educadora", por
estimular a educação e as artes no país.
Ao longo
do anos, engordou muito. Ciumenta, passou a demonstrar ainda mais o sentimento
em relação ao marido ao se tornar obesa. Artigo escrito pela pesquisadora Maria
Luísa Paiva Boléo afirma que a rainha portuguesa chegou a afastar Dom Fernando
dos embaixadores casados com belas mulheres.
Cartas ao mano
A
princesa-rainha deixou muitas cartas, parte delas guardada na reserva técnica
do Museu Imperial.
Com o
irmão Pedro II, que Maria chamava carinhosamente de "mano" nas
correspondências, tratava de assuntos familiares. Nas cartas oficiais que
enviava ao Brasil, chamava o caçula de imperador, com toda a formalidade exigida.
Há ainda
no museu objetos da princesa, como leques e tabaqueiras, parte ornamentada com
imagens de Maria da Glória com seu pai. O material vai abastecer junto com
outras peças vindas de Portugal a exposição "Dona Maria da Glória:
princesa nos trópicos, rainha na Europa", prevista para ser
inaugurada em 7 de dezembro no Museu Imperial.
As
comemorações ao longo do ano também incluem visitas de pesquisadores
portugueses ao Brasil e a participação em seminários. Também estão previstos
eventos em Portugal.
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