O Brasil
é um país de gênios. Aqui não há burros. Na cara dura, um estudante diz para o
professor que Hitler era um homem de esquerda, uma vez que o partido dele se
chamava “Nacional-Socialista”. O professor explica para ele que o partido do
Maluf se chama “Partido Progressista”, mas se há um adjetivo que não cabe para
Maluf é o de “progressista”. Maluf é nitidamente um conservador. O aluno não
consegue entender a explicação do professor. Ele não entende de modo algum que
“direita” e “esquerda” fazem parte de uma
Futura
Press
"Chamamos
alguém de burro exatamente quando empaca, quando não move sua posição mesmo
após várias explicações"
É
estranho que um país como o nosso, lotado de gênios em todos os cantos, sem
nenhum burro, esteja sempre nos últimos lugares dos rankings internacionais de
educação. Penso que deve ser falta de sorte. Talvez, nos dias de exames, os
brasileiros escolhidos para tal estejam sempre ficando um pouco nervosos. Só
pode ser isso.
No mundo
todo há burros. No Brasil, não há. O estudante que afirma que Hitler não era de
direita pode chegar a se formar em qualquer escola brasileira, talvez até mesmo
possa terminar uma faculdade! Ele almoça e janta espigas de milho e ele
nitidamente zurra. Mas burro, ele não é. Ninguém é burro, no máximo trata-se de
alguém que “não teve chance”.
Mas,
afinal, o que é ser burro?
O burro é
um animal nada burro. Mas ele empaca, e quando empaca é famosa a sua teimosia
de não ir adiante por nada. Essa sua característica foi colhida de modo a
chamar de burro o ser humano que empaca no pensamento.
Chamamos
alguém de burro exatamente quando empaca, quando não move sua posição mesmo
após várias explicações. Ele não acompanha as explicações. Em geral, não as
acompanha porque odeia mudar de opinião se tiver que adotar algo que não gosta.
Sua tendência para acompanhar um guru, que vomita frases dogmáticas em sua
cabeça, é enorme. Todavia, se ao menos acompanhasse alguém inteligente, isso
não seria tão ruim para ele próprio e os outros. Mas o guru de um burro é
sempre também burro. O guru é tão teimoso quanto o seu seguidor.
O
filósofo alemão Theodor Adorno dizia que a burrice é uma cicatriz. Exato: não
se move uma cicatriz. Trata-se de uma marca na carne que não sai do lugar e que
se torna rapidamente uma característica pessoal.
Em geral
a burrice é alimentada pela falta de socialização. Por isso o chamado
autodidatismo gera muitos burros. O autodidata se orgulha de aprender por si
mesmo. Ele escuta um guru ou lê um livro - solitariamente. Ele não percebe que
esse aprendizado não é efetivamente aprendizado, e que isso é o que faz dele um
burro. Quem não conversa não é contrariado e, portanto, tende a ter menos
dúvidas, e não exercita a capacidade de formular novas hipóteses para um mesmo
problema. A escola e o professor são os elementos de contrariedade. Fazem-nos
errar. Criam obstáculos que nos obrigam a pensar de modo diferente. Movemo-nos
no pensamento quando estamos nesse ambiente adrede preparado para nos
contrariar. Não podemos empacar diante das objeções que colocam. Tudo isso
corresponde à situação de aprendizado, completamente longe do autodidatismo. O
autodidata lê e pensa que aprendeu. Não muda mais. Fica empacado se, um dia,
for contrariado. Torna-se burro, em boa medida, por falta de socialização.
Os burros
autodidatas gostam de apontar para gênios que foram autodidatas. Mas, quando
examinamos a vida desses gênios, descobrimos logo que eles procuraram outras
pessoas para colocar suas ideias no banco de provas. Não foram autodidatas. Não
passaram por escola, mas montaram círculos pessoais que fizeram o papel de
escola. O burro não entende isso porque o mecanismo pelo qual ele se tornou o
que é, ou seja, burro, é exatamente o oposto disso. Ele ficou isolado e gostou
de dar ordens para o mundo, como uma criança mimadinha.
O burro é
engraçado. Porque essa solidão o transforma de burro em paranoico. Ele não
aprende o modo que a sociedade se desenvolve e sempre acha que há grandes
conspirações para tomar o poder de estado. Ele se torna, também, megalomaníaco.
Imagina-se um predestinado que irá salvar o mundo desses mecanismos
conspiratórios. O burro às vezes posa facilmente de louco.
Quanto
mais burro e mais louco, mais atrai burro e louco. Em todas as sociedades há
esse tipo de gente. Felizmente, no Brasil não temos burros.
*Paulo
Ghiraldelli, 56, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Sem comentários:
Enviar um comentário