Babel: confusão na cidade e no coração
Por Larissa Moreira

O progresso do pecado
Após
a queda do homem no jardim do Éden, a narrativa de Gênesis assume uma
característica peculiar. Do capítulo 3 ao 10, encontramos de forma
progressiva os efeitos desastrosos do pecado na humanidade. “Antes que a
obra de redenção avançasse, a tendência do pecado é claramente
ilustrada”[1] nesse período. “A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência”[2].
Por isso ele resolveu acabar com os seres humanos através do dilúvio.
Nas marcas da corrupção humana pós-queda “o pecado se mostra poderoso o
suficiente para adulterar os dons da graça comum de Deus na esfera da
natureza, para fins malignos”[3].
Após
o dilúvio, em Gênesis 10 encontramos a descrição de novas gerações que
descenderam de Sem, Cam e Jafé, os filhos de Noé. A partir deles
surgiram novos povos e nações, cumprindo assim a ordem de Deus a Noé: “…
Sejam fecundos, multipliquem-se e encham a terra”[4]. “No
entanto, nesse estágio da história não ficamos surpresos em descobrir
que esse desenvolvimento positivo – uma grande expansão populacional e
progresso cultural – também tem seu lado negativo. O capítulo seguinte
de Gênesis narra a história da torre de Babel”[5].
Mas
qual seria o problema de se construir uma torre? A história de Babel é
um exemplo de que até mesmo um bom projeto – como o de erguer uma cidade
– pode se tornar pecaminoso se for feito por motivações erradas. Era
necessário desfazer a construção egoísta e idólatra que foi erguida no
coração. “Babel representa um monumento ao desejo humano perene de
construir o nosso próprio reino à parte de Deus”[6].
Uma torre diferente
Caminhando
na direção contrária à vontade de Deus (espalhar e encher a terra), a
Mesopotâmia é o destino para onde os descendentes de Noé decidem ir. “A
construção de uma cidade e de uma torre foi inspirada, primeiramente,
pelo desejo de obter um centro de unidade, de tal modo que isso manteria
a raça humana unida”[7].
Diferente dos
projetos arquitetônicos modernos, a torre de Babel carregava uma
conotação religiosa. Considerando que a torre foi construída, no sul da
antiga Mesopotâmia (região da suméria), no livro O Drama das Escrituras[8] os autores Craig Bartholomew e Michael Goheen argumentam que provavelmente os homens estavam construindo um zigurate[9], que era “a parte mais proeminente de um templo dedicado à adoração ‘dos deuses’ na antiga Mesopotâmia”[10].
Apesar disso, ao contrário do que se poderia esperar de um templo
religioso, os homens desejavam que o nome deles ficasse famoso, e não o
de Deus, ou de “outros deuses”. Assim, fica claro que “o verdadeiro
propósito era o de promover a possibilidade para a fundação de um
império gigantesco, glorificando o homem em sua independência de Deus”[11]. O plano era permanecer unidos em desobediência.
A
confusão das línguas é o instrumento divino para interferir na
edificação dos homens. Como diz a canção, “que sorte a nossa, Deus
atrapalhou”[12]. Babel significa “desordenado”, “confuso”.
Ela é o símbolo do coração humano afetado pelo pecado e sua busca
incansável de fazer oposição à vontade de Deus. Geerhardus Vos diz que a
interferência de Deus era uma manifestação da sua graça e “fidelidade à
sua promessa de que o desenvolvimento pecaminoso da humanidade não vai
resultar, mais uma vez, numa catástrofe da mesma escala de proporção do
dilúvio”[13]. Logo, era necessário desfazer a unidade dos
povos (e os propósitos perversos dos homens) mantendo-se os desígnios
redentivos do Criador.
Bagunça no coração
A. W. Tozer[14]
diz que no fundo do nosso coração, havia um santuário onde somente Deus
era digno de entrar. Em nosso interior Deus; fora dele, os presentes
que Deus nos agraciou generosamente. Mas o pecado nos trouxe
complicações e desordem. Expulsamos Deus do santuário e as outras coisas
receberam permissão para ocupar seu sublime lugar. Egoísmo, orgulho,
idolatria… Substituímos a glória de Deus pela glória dos homens. E o
resultado? Pura confusão. Ah, Babel!
Em um dos seus livros, C.S. Lewis diz que
“em Deus defrontamos com algo que é, em todos os aspectos infinitamente
superior a nós. Se você não sabe que Deus é assim – e que, portanto,
você não é nada comparado a ele – não sabe absolutamente nada sobre
Deus”[15].
Deus nos formou para Ele.
Onde mais poderíamos encontrar descanso para nossas almas cansadas das
guerras interiores pela primazia sobre o trono? O pecado escraviza. Em
Cristo encontramos liberdade. A Ele pertence todo o nosso ser.
A
torre de Babel é um reflexo do orgulho construído pelo pecado humano.
Um monumento que revelou o desejo por reconhecimento e glória para si,
longe de Deus e dos seus bons conselhos. A linguagem deles foi
confundida pelo próprio Deus. “A unidade deles quebrou e eles se
espalharam”[16].
O salmista diz: Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome seja toda a glória, por teu amor e por tua fidelidade[17].
Essa deve ser a satisfação de todo Cristão. Nossos projetos e ações
devem refletir o desejo intenso de engrandecer o nome do SENHOR.
Em
meio a bagunça provocada pelo pecado em nossos corações, que o Espírito
Santo transforme nosso orgulho em contentamento. E que o nome de Deus
seja louvado, porque grande é o seu amor e a sua fidelidade.
“Em
Gênesis, Deus desceu e dispersou idiomas para impedir a unidade; em
Atos, o Espírito desce e dispersa idiomas para criar uma unidade
multicultural”[18]. Mas isso já é assunto para o próximo artigo.
Por fim, Soli Deo Gloria[19].
Texto originalmente publicado em Invisible College. Reproduzido com permissão da autora.
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