sábado, 1 de outubro de 2022

A FOME...

                                            


 

O problema da fome é quem não tem fome

Por Lissânder Dias

 

“O Escândalo da Fome e os Desafios da Igreja” foi o tema da live quinzenal do projeto “Diálogos de Esperança” realizada nessa terça-feira (26). A pastora e educadora Fabiana Bastos e o economista e teólogo Eduardo Nunes falaram sobre os motivos pelos quais o Brasil voltou ao “mapa da fome” da ONU e que respostas os cristãos devem dar. Claudia Moreira (Tearfund) e Valdir Steuernagel (Visão Mundial) foram os mediadores da conversa.

 

33,1 milhões de pessoas não tem o que comer diariamente no Brasil, quase o dobro do contingente no país em 2020 (em números absolutos, são 14 milhões de pessoas a mais passando fome). Diante desse cenário, cerca de 10 mil brasileiros podem morrer de fome ainda neste ano. Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede PENSSAN e divulgado no início de junho.

 

Para Fabiana, que lidera uma plataforma social de socorro aos mais vulneráveis em Uberlândia (MG), não podemos dar uma resposta reducionista para explicar o aumento da fome, já que ela é multifatorial. Mas também não podemos ignorar o que a Palavra de Deus fala sobre a ganância e a insensibilidade que teríamos nos últimos tempos. Fabiana destacou áreas da economia que promovem mais desigualdade. “O nosso agronegócio, por um lado, é o segundo maior produtor de alimentos do mundo, mas por outro, causa uma desigualdade sem tamanho. Infelizmente, em nossa plataforma social, algumas famílias que até pouco tempo contribuíam com doações de alimentos, agora são elas que pedem nossa ajuda para se alimentarem”.

 

Para Eduardo Nunes, que trabalha há décadas na ONG Visão Mundial, a fome deu uma “goleada” em nós, e isso bem antes da pandemia. Segundo ele, desde 2017, vem aumentando os preços do petróleo e dos alimentos (que são tratados como commodities). Também vem diminuindo o valor das moedas de alguns países, como o Brasil, bem como a redução da renda dos trabalhadores e o aumento do desemprego e da informalidade. Mas Eduardo ressalta: há muitos números sobre a fome; no entanto, o principal é: cada pessoa que tem fome, ela é 100%; uma só pessoa já o número suficiente para nos preocuparmos. 

 

E a igreja?

“Temos que tomar consciência da realidade, o problema tem que mexer com a gente. A fome é macro, mas também é micro”, ressaltou um dos mediadores da live Valdir Steuernagel. 

 

Fabiana entende que não podemos simplesmente transferir a responsabilidade para outros, como o Estado ou o governo. “O reino de Deus é um Reino de paz, justiça e alegria no Espírito. Somos chamados para exercer essa diferença no meio da sociedade. Nossa plataforma social apoia escolas públicas, mesmo que saibamos que seja responsabilidade do governo. Se podemos ajudar, então ajudamos. É com a justiça do Reino que vamos fazer a diferença. Não de forma humana, que é muito limitada”, diz ela.

 

“O problema da fome é quem não tem fome”, afirmou Eduardo Nunes. Ou seja, nós somos os responsáveis pela situação. Para ele, um ‘sinal de benção divina’ não deveria ser um carro ou uma casa nova, mas sim uma sociedade sem famintos. “Apocalipse 7 descreve, em uma das suas visões do paraíso, um lugar em que as pessoas nunca mais terão fome, nem sede. Se falarmos da igreja como o grupo que tem que apontar o reino hoje, o problema é nosso. Não temos que aceitar o sofrimento do outro como natural. A fome de hoje das pessoas é resultado da falta de fome por justiça da igreja”, enfatiza, lembrando as bem-aventuranças do Sermão do Monte. 

 

Fabiana lembrou ainda de outros textos bíblicos que ensinam sobre como a igreja deve lidar com o escândalo da fome.  “Atos 4 mostra que não havia necessidade entre o povo de Deus. Não temos uma ONG, mas sim uma plataforma social, porque acreditamos que a ação social está ligada à igreja. Nosso lugar é ser resposta da oração feita pelo vulnerável. Deus nos deu dignidade quando nos chamou para fazer parte da mesa dele, como seus filhos. Sabemos de onde saímos e precisamos trazer os outros irmãos para a mesa da dignidade. A realidade de Atos é para hoje também, podemos dividir o que temos. Outra passagem bíblica é Deuteronômio 15.7 que diz: ‘não endureçam o coração, nem fechem a mão para com o seu irmão pobre’. Estamos errados quando passamos ao largo como o religioso na parábola do Bom Samaritano, quando não nos emocionamos com a mãe e o filho no sinaleiro”.

As três fomes

Respondendo ao comentário do público, Eduardo afirmou que a igreja evangélica está “atada” diante da imensidão do problema da fome. “Vemos um problema muito grande e ficamos paralisados. Como vou ajudar 33 milhões de pessoas que passam fome? Mas podemos começar nos preocupando com uma pessoa”. 

 

Para Eduardo, no entanto, há três tipos de fome que precisamos entender para que possamos, de fato, lutar da forma correta:

 

1) A fome de ontem: É a fome do noticiário. Essa fome precisa de “homilia”, de nossa fala, de nossa discussão. Não podemos nos esquecer dela, achando que é um problema secundário. Alguém disse que a “barriga vazia deveria nos escandalizar muito mais que um corpo nu”.

 

2) A fome de hoje: Essa é a fome do nosso próximo e ela precisa de “diaconia”, de ação imediata, não só de mim, mas do grupo do qual eu faço parte. Ela não espera que tudo mude e seja consertado antes. Como disse o Betinho, “quem tem fome tem pressa”.

 

3) A fome de amanhã: essa é estrutural. Não é uma questão de “homilia” e de “diaconia”, mas sim de “profecia”, ou seja, de denúncia. Não há razão alguma para que não haja alimentos suficientes para todos, porque produzimos muito mais do que precisamos. Deus criou o mundo com capacidade de gerar alimentos para todos e todas. Estamos devastando o meio ambiente para produzir; então, para quem? A igreja não pode se calar diante do absurdo que é a fome estrutural. 

 

Diante dessa ênfase na denúncia como enfrentamento da fome estrutural, um dos que estavam assistindo à live, Renato DellaCosta, fez a seguinte sugestão:

 

“A Igreja precisa participar dos Conselhos Municipais e fazer diferença neles. Há muito dinheiro público para alimentação de crianças e a corrupção desvia os recursos. Precisamos impedir, denunciando”

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