Sua Excelência, o corrupto
21/06/2017
Entre os
objetivos da Lava-Jato, um dos mais relevantes é modificar a percepção de risco
por parte dos corruptos
Neste
momento, o personagem central da realidade política brasileira é o corrupto.
Para alcançar poder, prestígio e dinheiro, age em favor dos seus interesses,
transgredindo leis e regras sociais sem demonstrar qualquer arrependimento.
Como a corrupção é uma doença social, o corrupto é um sociopata. Na psiquiatria
esse tipo de comportamento é classificado como transtorno de personalidade, com
características aparentes desde cedo, que devem ser controladas com medidas
educacionais e limites. Há aspectos genéticos envolvidos, mas as vivências do
indivíduo também são relevantes para essas condutas. A tolerância e a falta de
punição contribuem para agravar o quadro. Os transtornos de personalidade são
intratáveis, incuráveis e irreversíveis. Essas são algumas das opiniões do
médico e psicoterapeuta João Augusto Figueiró, um dos maiores especialistas
brasileiros no tema, com quem tive o prazer de conversar há vários anos, muito
antes dos escândalos recentes.
Dentre os
tipos de comportamento antissocial, uns são narcisistas e ostentam os bens
adquiridos ilegalmente, enquanto outros são discretos e ocultam o patrimônio.
Todos, porém, são calculistas e administram os riscos. Se a Suíça aderiu à
cooperação internacional contra a lavagem de dinheiro, mudam a grana para Cingapura,
como teria sugerido a ex-presidente Dilma Rousseff em 2015 a Mônica Moura,
mulher do marqueteiro João Santana. Se não convém serem vistos em público,
encontram-se fora da agenda nos porões do palácio. Transformam propina em
joias, lanchas, prédios, apartamentos, reformas, sítios…
Dentre os
objetivos da Operação Lava-Jato, um dos mais relevantes é o de modificar a
percepção de risco por parte dos corruptos. Até pouco tempo, o ganho era enorme
e o risco, mínimo. De alguns anos para cá, na equação da corrupção a variável
“risco” passou a ter um peso maior. Afinal, já são 141 condenações que
resultaram em 1.428 anos de pena!
Mesmo
após corruptos ilustres terem ido para a cadeia, ainda há encontros em
pizzarias, de onde o “homem de confiança” de Temer saiu correndo com uma mala
de dinheiro. Para Joesley Batista — o corrupto esperto e impune — até
recentemente os políticos não estavam entendendo as consequências da Lava-Jato
e a falência do sistema político. “Com a recuperação econômica, o brasileiro não
iria mais para a rua, e eles poderiam abafar a Lava-Jato”, declarou Joesley.
Não convém duvidar…
Quando a
selva pega fogo, os bichos se unem. O petisco da moda em Brasília, saboreado
por todos os líderes políticos, é a coxinha de mortadela. Em se tratando do
combate à corrupção, há pelo menos três riscos iminentes: a eventual
substituição do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello; a sucessão
do procurador-geral da República, Rodrigo Janot; e a reversão do entendimento
do Supremo Tribunal Federal de decretar a prisão logo após decisão de segundo
grau.
Em
relação à Polícia Federal, no diálogo do senador afastado Aécio Neves com
Joesley Batista, o tucano critica duramente o então ministro da Justiça, Osmar
Serraglio, por não ter o controle da Polícia Federal. Aécio sugere uma seleção
de delegados para receber inquéritos sobre determinados políticos. Na mesma
linha, há vários governos, políticos e autoridades que tentam “adestrar” a
Polícia Federal aos seus interesses, felizmente sem sucesso. No caso do
sucessor de Janot, o sonho dos investigados é a designação de um novo
“engavetador-geral da República”, para amansar os meninos da força-tarefa. A
estratégia, ao que parece, é plantar na mídia informações de que haveria
insatisfação dentro dos órgãos com os atuais dirigentes, os quais estariam
“prejudicando” a operação. Assim, a sociedade, equivocadamente, apoiaria as
mudanças de comando, e o palácio passaria, enfim, a controlar a PF e o MPF,
como desejam todos os corruptos envolvidos.
Quanto à
prisão após condenação em segunda instância, o ministro Gilmar Mendes já se
manifestou dizendo que o cumprimento da medida é possível, mas não obrigatório
e defendeu que a corte reveja a decisão. Com a lerdeza da Justiça e sem a
perspectiva de prisão, voltaremos à estaca zero.
Enfim,
essas canetadas, se conjugadas, poderão afetar a Lava-Jato, reduzir o risco dos
corruptos e favorecer a impunidade de Suas Excelências. No Brasil,
lamentavelmente, os investigados podem designar os seus investigadores e
aprovar leis que os protegem. O momento faz lembrar uma frase do poeta Jonathan
Swift, que viveu na Irlanda no século XVII: “Como as coisas andam, a política
nada mais é que corrupção”.
Fonte: “O
Globo”, 20/06/2017
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