11/08/2018
Artigo: “Bem-vindos à Era
da Confusão”
Por: Oliver Stuenkel
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Na semana
passada, uma eleição presidencial que deveria ter como marca a volta da
democracia ao Zimbábue terminou em confusão quando contas falsas no Twitter,
no Facebook e no WhatsApp disseminaram resultados contraditórios. O país
inteiro chegou a presenciar comemorações espontâneas pela vitória dos dois
candidatos, o que resultou em confrontos violentos. Em um clima geral de
desconfiança, até observadores internacionais não sabiam onde obter
informações confiáveis. Toda essa situação permite prever que o próximo
governo enfrentará uma crise de legitimidade desde seu primeiro dia.
Na Índia, o governo empreende verdadeira batalha contra uma onda de
linchamentos depois que rumores falsos viralizaram no WhatsApp sobre supostos
sequestradores de crianças. Nacionalistas interessados em atiçar o ódio
religioso usam a plataforma para aprofundar a polarização, que também tem
resultado em linchamentos. Em resposta, o WhatsApp limitou a 20 pessoas por
vez, o número de contatos para os quais cada usuário pode encaminhar
mensagens, buscando, assim, atrasar a viralização das notícias. A medida é
mero paliativo, uma vez que as pessoas tenderão a buscar outros aplicativos
sem essa limitação.
Nos Estados Unidos, em vista das eleições legislativas de novembro, o
Facebook tem se esforçado para reagir a um amplo ataque de fake news.
Estima-se que 40% dos eleitores dos EUA foram expostos a notícias falsas
durante a eleição presidencial de 2016. Em uma reviravolta inesperada, agora
elas se voltam contra o presidente Donald Trump. O objetivo dos propagadores
de fake news, muitos dos quais vivem na Rússia, não é apoiar um candidato ou
outro, mas gerar confusão generalizada, polarização e desconfiança na própria
democracia. Assim como muitos democratas questionam a legitimidade do
presidente, muitos republicanos poderão vir a questionar a legitimidade do
Congresso dos EUA - que, agravando ainda a mais a situação, poderia dar
início a um processo de impeachment contra Trump. Nunca antes a democracia
dos EUA enfrentou ameaça tão séria.
Na Grã-Bretanha, 52% dos eleitores votaram por deixar a União Europeia
em 2016, atraídos por uma enxurrada de informações falsas disseminadas por
nacionalistas oportunistas. Em uma pesquisa recente, uma porcentagem
semelhante dos britânicos disse acreditar que os desembarques na Lua de 1969
a 1972 eram falsos. A triste ironia é que, pela primeira vez na história, a
maioria dos cidadãos pode carregar no bolso todo o conhecimento do mundo,
mas, ao mesmo tempo, nunca esteve tão vulnerável a informações falsas.
Engana-se quem pensa que algumas mudanças nas leis e ajustes técnicos
podem resolver a situação e permitir que tudo volte a ser como antes. A
humanidade testemunha os primeiros momentos de uma nova era em que todo o
relacionamento com a informação - e a realidade como um todo - mudará de
maneira hoje inimaginável. A democracia, tal como se concebe hoje,
dificilmente sobreviverá a essa transformação.
Basta considerar duas grandes tendências. A primeira: apenas cerca de
50% da população mundial tem acesso à internet hoje. Nos próximos anos, a
outra metade, potencialmente ainda mais vulnerável a notícias falsas, também
poderá participar do debate online. Por exemplo, muitos aplicativos populares
no mundo em desenvolvimento concentram-se apenas em mensagens de voz, já que
parcela considerável de seus usuários não sabe ler nem escrever, dificultando
ainda mais a identificação de informações falsas.
A segunda: o desenvolvimento de ferramentas baseadas em inteligência
artificial, capazes de manipular ou fabricar vídeos, arquivos de áudio e
fotos falsas - as chamadas deep fakes - ampliará consideravelmente a
dificuldade de separar fato de ficção, o que fará as fake news de hoje
parecerem brincadeira de criança.
Daqui a alguns anos, um smartphone será suficiente para simular uma
sequência de notícias, como as da CNN, por exemplo, na qual a perfeita
imitação da voz de um apresentador famoso reportaria um golpe militar em
Washington ou um anúncio da Casa Branca sobre uma guerra iminente, sem meio
técnico para confirmar ou negar sua veracidade. Em uma futura eleição
presidencial no Brasil, não será mais necessário atacar os concorrentes -
pode-se simplesmente produzir um vídeo em que o rival promete que, se eleito,
encerrar o programa Bolsa Família, eliminar a propriedade privada ou qualquer
absurdo que o faça perder apoio. Confusos e desconfiados, os cidadãos se
refugiarão ainda mais em suas bolhas aparentemente seguras, isolados em
relação a qualquer tipo de debate público.
Heather Bryant, jornalista afiliada à Universidade Stanford, escreveu
recentemente que jornalistas, mesmo nos melhores jornais do mundo, estão
totalmente despreparados para distinguir fato de ficção ao analisar deep
fakes. Para complicar ainda mais a situação, há evidências crescentes de que
internautas parecem realmente preferir notícias falsas: em um estudo recente
de Soroush Vosoughi, um pesquisador do MIT, conclui que as informações falsas
têm 70% mais chances de serem retuitadas do que notícias verdadeiras.
O impacto na política externa será igualmente expressivo. O
interminável ciclo de notícias falsas e a rápida disseminação de opiniões
extremas (ou, por exemplo, falsos vídeos de atrocidades cometidas por outro
país) reduzirão o espaço de negociações tranquilas para se chegar a
compromissos aceitáveis para todos os envolvidos. Em 1945, delegados de 50
países se reuniram em São Francisco para desenhar a ordem global pós-Guerra.
Foram oito semanas de negociação, com poucas interrupções. Hoje, o mesmo
seria praticamente impossível. A necessidade de adotar posições em minutos,
instantaneamente acessíveis em todo o mundo, afeta a capacidade da diplomacia
de reduzir o risco de conflitos.
O debate sobre como salvar a democracia acabou de começar. Não existem
soluções fáceis, e há anos de tentativas e erros dolorosos adiante - como
testemunhado hoje no Zimbábue, na Índia, nos Estados Unidos, no Reino Unido e
em tantos outros países. O único erro que não se pode cometer é fingir ser
possível, de alguma forma, voltar aos velhos tempos.
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segunda-feira, 13 de agosto de 2018
"BEM-VINDOS À ERA DA CONFUSÃO"
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