EXPERIMENTAL 50 ANOS DEPOIS
Sob
esse titulo, EXPERIMENTAL 50 ANOS DEPOIS, Ivan Dorea Câncio Soares, criador e
diretor do Centro de Estudos das Ciências Humanas, em boa hora e oportunidade,
busca reviver uma experiência cultural que se fez nesta Cidade de real sensibilidade poética e que reuniu jovens
idealistas.
Ví
EXPERIMENTAL nascer. Em 1968, as idéias fervilhavam. Estávamos sob regime
militar. A esquerda sofria reveses e procurava passar despercebida. Havia
cuidado a fim de evitar mal entendidos. A juventude, por inconsequência e
coragem próprias dos que perscrutam o horizonte, notava obstáculos mas se fazia
presente. Ivan Dórea Soares, Luiz
Fernando P. Husel, Sérgio Mattos e Thadeu J. Cruz, nesse ambiente,
idealizam Experimental e o lançam, sob os auspício da Editora Era Nova e do
Jornal Diocesano “A SEMANA”. Germano Machado, que nessa época havia lançado A
Verdadeira Revolução”, a revolução do pensamento, diretor de ambos os
organismos, apoia a iniciativa dos jovens militantes culturais em “A SEMANA”.
Trabalhara
com Germano na Imprensa Oficial da Bahia, no Governo Lomanto Júnior. Ao
afastar-se da IOB dirigiu-me ao Montepio Municipal, por interferência de Vanda
Fraga de Almeida, sua chefe de Gabinete, sendo presidente da Instituição o
general da reserva José de Figueiredo
Lobo.
Terminava
o curso científico no Colégio Central e preparava-me para o vestibular de
engenharia.
Paulo
César Torres da Silva, hoje empresário de sucesso, deixava a Era Nova. Germano,
em recepção da família, chamou-me à ordem. Precisava de mim para substituir a
Paulo. Buscou colocar-me à sua disposição e para isso foi à residência do
General – assim era chamado - para
liberar-me, sem sucesso.
Germano
usou de seu prestígio político e
conseguiu minha disposição. Dessa forma, passei a trabalhar na Era Nova e no
Jornal A Semana. Lá conheci os quatro autores de Experimental.
Aos
sábados todos se reunião em torno de Germano, incluam-se Normando Brandão, Jorge Lindsay, Edmundo
Lemos, Agnaldo Santana, Neonar Cidade, Dirson Argolo, Heliogábalo Pinto Coelho,
entre outros. Por vezes, Yvete Amaral,
Pe. Pereira de Souza – Pereirinha –
Pe. Mathon, Pe.Heleno, Pe.
Fierens. Plêiade cultural de vários
tons.
Com o
presidente da ALAS, Academia de Letras e Artes do Salvador, José Roberto Guimarães,
– em paráfrase, figura gramatical bem definida por Umberto Eco - ouso dizer que o ambiente desenvolvido por
Germano leva-nos a imaginar Aristóteles e sua escola peripatética.
Mas,
o destaque pertence aos jovens poetas de Experimental, hoje homens de destaque
nas atividades que desenvolvem: Professores, jornalistas, executivos, que
honram e dignificam a Bahia.
Um
título sugestivo, original na Bahia, que os autores de Experimental escolheram,
levando-nos a ilações maiores, tal o título, tal a envergadura do conteúdo
poético que açambarca. E porque o título Experimental nos leva ao pensamento
univérsico, vale a retrospectiva e a dissertação que segue, em transcrições de
doutos críticos:
“A poesia experimental é essencialmente característica da segunda metade
do século XX e segue uma orientação no sentido de experimentar ou construir
objectos poéticos dando importância às intuições e à sua relação dialéctica com
os signos. Esta poesia é caracterizada igualmente pelo automatismo surrealista
e por uma análise aplicada às estruturas morfológicas e sintácticas, à rima, às
analogias verbais, à distribuição visual dos espaços e dos caracteres gráficos.
A principal tendência da poesia experimental é para explorar ao máximo as
possibilidades estruturais de um dado material artístico independentemente de
qualquer intenção significativa.
As principais influências da poesia experimental portuguesa encontram-se
nas experiências matemático-combinatórias de Max Bense, nas reflexões de
Mallarmé, nas tentativas de Ezra Pound no sentido de assimilar os recursos da
escrita e na teoria de W. Empson sobre a ambiguidade poética, sendo que estas
influências convergem nos actuais teorizadores e críticos portugueses da poesia
experimental, tais como: Melo e Castro, Ana Hatherly, M. S. Lourenço, Gastão
Cruz, António Ramos Rosa e o próprio Herberto Helder. As principais
manifestações colectivas da poesia experimental foram: Cadernos de Hoje,
Poesia Experimental (1955-1956), Poesia 61, Pedras Brancas
(iniciada em 1961), Poesia e Tempo (1962), Hidra (1966 e 1969),Operação-1(
1967), Grifo (1970), Antologia de Poesia Concreta em Portugal
(1973), Literatura Cibernética I e II (1977 e 1980), Textos e
documentos de Poesia Experimental Portuguesa (1981), Poemografias
(1985) e Máquinas Pensantes (1987).
“A definição de poesia experimental remete-nos
para a A Proposição 2.01 Poesia Experimental de E. M. de Melo e Castro,
publicada em Lisboa, em 1965, enquanto verdadeiro manifesto da poesia experimental
enunciando as proposições básicas da poesia experimental, além de textos
teóricos complementares e de uma pequena compilação de poemas experimentais.
Entre essas proposições, saliente-se algumas especificamente definidoras da
poética experimental: a Proposição 2.01 , que define a poesia experimental como
uma "forma específica da atividade do Homem com o objetivo de fazer
experiências sobre esse fenómeno ou ato estudando o resultado dessas
experiências." ( id. ibi. , p. 44); ou a Proposição 13 , que explica o
"Poema Experimental" como um "Objeto criado para através dele se
estudarem e se surpreenderem as fases do processo criador e a sua evolução e
projeção no futuro tanto da poesia como do Homem" ( id. ibi. , p. 51); ou
ainda a Proposição 14 , que especifica o estatuto do poeta relativamente à
criação: "Um poema-experiência é um ato criador porque com ele não se
pretende reproduzir nem exemplificar nada. O criador tem apenas como
pre-munição uma atitude de investigação e pesquisa do seu próprio ato livre de
criar. A criação é feita livremente estando o seu processo desde o início sob a
autovigilância do poeta que assim tem de proceder a um desdobramento criador
crítico." ( id. ibi. , p. 50).”
“Em sua Introdução aos Estudos Literários, Carlos Reis aponta
para a questão do ritmo na poesia ter sido “libertado” com a instituição dos
versos livres, o que começou a acontecer na segunda metade do século XIX, com a
revolução na linguagem poética. O ritmo passou a ser mais adequado à fluidez
dos sentidos representados, fugindo não apenas aos métodos convencionais de
metrificação, mas também aderindo ao propósito de motivar “o discurso poético
de forma imprevisível e inteiramente livre” (REIS, 1999, p.331). Motivação esta
que também pode acontecer por meio da elaboração da imagem gráfica do texto.”
Experimental
tinha ambição, com projeção que viria
50 anos após a edição de sua primeira
publicação. Um titulo que aponta para um estilo, uma técnica, uma revolução de
expressar o sentir. Há nele uma libertação rítmica, liberdade dos versos, fuga dos
métodos usados de metrificação para um falar, um poetizar livre e espontâneo. O
uso de linguagem gráfica também estava inserta no contexto da poesia
experimental. Carlos Reis, in Introdução aos Estudos Literários, dá-nos essa
visão de forma substancial.
A
poesia experimental, no sentido que expressa, também evoca a liberdade criadora
de um Manoel Bandeira.
Sérgio
Buarque de Holanda, em Poesia Completa e Prosa, do universal, embora
pernambucano, vivido em Petropólis, Manuel Bandeira, pág. 13, diz na Introdução
Geral: “...O lirismo de Manuel Bandeira não é produto de laboratório, mas vem, como toda verdadeira poesia, de fontes
íntimas, exigindo, para realizar-se, condições que não se podem forjar
arbitrariamente.” Mais, adiante, pág. 14: “Em Manuel Bandeira a mesma ambição
libertadora não conhece as fronteiras do “bom gosto...”. Quer-se dizer, não há
fronteiras, medidas ou rimas obrigatórias. O espírito criativo sopra quando se
lhe acontece a sintonia, sem preocupações outras a não ser exprimir o que sente com força e realidade.
Não é
diferente o vate português, Fernando Pessoa, vivendo a efervescência cultral de
sua época: Referindo-se ao poeta Ângelo de Lima, autor na Revista Orpheu,
criticada a sua obra, esquizofrênico de várias internações. Diz Pessoa: “A ignorância e incompetência dos nossos
criticos, a incultura e estupidez do nosso público, a indisciplina mental e o
charlatanismo scientifico dos nossos pretensos homens de sciencia – n’este meio
caiu Orpheu”. Via nele associados gênio e loucura, de forma que Ângelo de Lima
passa a ser um caso emblemático entre os poetas órficos.
A
distânca existe, contudo tem-se o direcionamento para um livre pensar e
construir.
Experimental 50 Anos
Depois, ao homenagear quatro humanistas de escol: Eduardo Xavier, Euclides
Batista, Germano Machado e Hermano Gouveia neto
é receptáculo de vivências amadurecidas. Nele se vê espécie de catarse,
uma re-visão do vivido, uma reflexão que se “alteia” porque busca humanizar-se
em amplitude e, ao ilnvés de dizer, desnuda de forma corajosa, gritante, e remodela sentimentos e pensares. É
libertária. Busca firmar-se. Quer iniciar-se, ainda que o faça de modo a se
completar cinquenta anos depois.
Desnecessário
discorrer sobre os três números de Experimental, porque seus autores, cinquenta
anos após, o fazem com mestria e,agora, em reminiscências dizem com propriedade
amadurecida, o que outrora cantaram em belo canto. Veja-se:
“Apesar de tudo, no ano de 1968 a Bahia vivia
um movimento cultural intenso. Nesse ano, surgiram: o Momento Poesia, uma
iniciativa do Departamento Superior da Educação e Cultura (DESC), então
dirigido pelo professor e escritor Luís Henrique Dias Tavares, e várias
revistas literárias independentes de instituições oficiais, aglutinadoras de
poetas e escritores que as utilizavam como porta-voz de suas aspirações. Foi
nesse contexto que surgiu a Revista EXPERIMENTAL, cujo primeiro número foi
publicado sob os auspícios da Editora Era Nova, da Arquidiocese de São
Salvador, em edição comemorativa do primeiro ano da nova fase do jornal A
Semana, e lançado no dia 26 de setembro de 1968. O primeiro número teve
prefácio de Germano Dias Machado que apresentou os quatro integrantes daquela
edição: Ivan Dorea Soares, Luiz Fernando D. Hupsel, Sérgio Mattos e Thadeu J.
Cruz.
Assim sendo, nos iniciamos oficialmente na
poesia num momento de intensa efervescência política e cultural, marcado também
pelo patrulhamento político-ideológico e intelectual. Numa época
de sonhos, conseguimos concretizar o
nosso: a Revista EXPERIMENTAL,
que foi uma revista de poesia, simples
no formato, com tiragem de mil exemplares, de alcance restrito por
vocação, mas idealizada por poetas para os poetas e para quem gostava de
poesia.
Agora, estamos comemorando os 50 anos da
realização daquele sonho, efêmero, mas que contribuiu para descobrir, legitimar
e lançar 16 poetas reunidos em seus três números que circularam entre 1968 e
1969. Vale destacar a belíssima capa do terceiro número, produzida pelo
gravador Calasans Neto, o mestre Calá...”. Sérgio
Mattos.
“...Hoje, passados 50 anos, comemoramos os
sonhos que sonhamos com esta edição comemorativa. Nela não participam Euclides
Batista, publicado na EXPERIMENTAL – 3, falecido em 2015; Amarílio Mattos,
publicado na EXPERIMENTAL – 2, que agradeceu o convite e disse não escrever
poesias há mais de 40 anos; Emerson
Palmeira, publicado também na EXPERIMENTAL – 2, que não foi encontrado em lugar
nenhum, assim como Maria Bethania Knoedt e Ronaldo
Cairo, ambos de EXPERIMENTAL – 3; Gilza
Borges (do número 2) declinou do convite porque está preparando um livro solo.
Ana Maria Castro, Luiz Sérgio Rocha, Eduardo Gordilho Fraga e Dircêo
Villas-Bôas (todos de EXPERIMENTAL – 3) agradeceram, mas não quiseram
participar. Muitos de nós ainda sonham, ainda se emocionam por coisas
“pequenas” como um beijo, um abraço, um afago. Muitos de nós ainda crêem que a
vida vale a pena até o último minuto!...”
Thadeu J. Cruz
“...As conversas de todos os sábados eram
extremamente agradáveis e, invariavelmente, Sérgio Mattos e eu estávamos
presentes. Em uma delas, surgiu uma idéia: “Vamos criar uma Revista de Poesia?”.
Quem falou primeiro? Por mais incrível que pareça, os dois falaram juntos.
Outro colega d’A Semana – Thadeu J. Cruz – igualmente amigo-irmão querido,
também se interessou pelo projeto e passamos a pensar o mesmo.
“...Começamos a preparar o primeiro número.
Como seria o mesmo, quem participaria, onde imprimiríamos, qual o tipo de papel
iríamos escolher? E a capa? Dúvidas sobre dúvidas. Ah, e o nome?... Sérgio ficou calado
um tempo grande; de repente falou: “Experimental”? Respondi de imediato: Ótimo!...”
“...éramos muito jovens e não tínhamos
condições financeiras para arcar com as despesas de uma publicação...” ...”o
saudoso Professor Germano garantiu publicar a Revista, sem ônus para a nascente
“EXPERIMENTAL”.
“E a divulgação? Seria somente pel’A Semana?
Claro que não. Passamos a datilografar convites em papel de ofício e o
Professor Germano mandou imprimir um pequeno panfleto. Com os
convites datilografados e
alguns panfletos impressos, fomos em todas as Faculdades, em quase todos
os Colégios, nos Jornais, nas emissoras de Rádio, na TV (só havia a Itapoan)
e nas Instituições culturais da velha
Salvador.
“...Em tempos de “regime de exceção”, as
nossas poesias tinham que ser submetidas à Censura Federal. Mesmo assim,
publicávamos as mensagens que queríamos, principalmente nas entrelinhas...
Apenas um poema de Thadeu quase era censurado por causa do verso “a desgraça do
altruísmo”, mas expliquei pessoalmente ao censor e este compreendeu o sentido.
Thadeu substituiu o verso e ficou tudo acertado...”.
Ivan Dorea Cancio Soares.
Meio século após sua
primeira edição, EXPERIMENTAL traz a
lume retrospectiva que mais se insere no mundo cultural baiano. Diz de uma
trajetória de jovens idealistas, presentes na realidade de sonhar com pés
fincados a este solo primacial, agora
com visão alongada e burilada pela
experiência dos anos vividos. A madureza que os anos lhes trouxeram, deram
brilho à obra, transformando ostras em diamantes. Tal crisálidas (lembremos do
1º livro de Machado de Assis/1864, aos 25 anos) alcearam-se em voos plenos de
realização e se fizeram marcantes.
Experimental vale e
vale muito. A idéia de Ivan Dorea, com seus pares, não deixou a criança ou o
jovem que neles habita embriagar-se com
o álcool das conquistas. Sonham a esse tempo. Não perderam a visão do
horizonte. Não se afastaram dos valores que proclamaram nas três edições do
livro de suas juventudes.
O prefaciador de
Experimental, o professor Germano Machado, demonstraria orgulho e satisfação
por tê-los iniciado.
De idêntica maneira,
os cumprimento. A Bahia recebe de seus filhos mais uma dádiva.
PARABÉNS
Geraldo Leony Machado
Jornalista, escritor,
advogado
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