terça-feira, 16 de julho de 2019

CASA DE MAMÃE...!



 Casa de mãe depois que os filhos se vão.

Miryan Lucy Rezende


Casa de mãe depois que os filhos se vão é um oratório. Amanhece e anoitece prece.
Já não temos acesso àquelas coisinhas básicas do dia a dia, as recomendações e perguntas que tanto a eles desagradavam e enfureciam:
com quem vai, onde é, a que horas começa, a que horas termina, a que horas você chega, vem cá menina, pega a blusa de frio, cadê os documentos, filho.
Impossibilitados os avisos e recomendações, só nos resta a oração, daí tropeçamos todos os dias em nossos santos e santas de preferência,
e nossa devoção levanta as mãos já no café da manhã e se deita conosco.
Casa de mãe depois que os filhos se vão é lugar de silêncio, falta nela a conversa, a risada, a implicância, a displicência, a desorganização.
Falta panela suja, copos nos quartos, luzes acesas sem necessidade…aliás, casa de mãe depois que os filhos se vão vive acesa.
É um iluminado protesto a tanta ausência.
Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre o mesmo cheiro.
Falta-lhe o perfume que eles passam e deixam antes da balada, falta cheiro de shampoo derramado no banheiro,
falta a embriaguez de alho fritando para refogar arroz, falta aroma da cebola que a gente pica escondido porque um deles não gosta
(mas como fazer aquele prato sem colocá-la?), falta a cara boa raspando o prato, o “isso tá bão, mãe”.
O melhor agradecimento é um prato vazio, quando os filhos ainda estão. Agora falta cozinha cheia de desejos atendidos.
Casa de mãe depois que os filhos se vão é um recorte no tempo, é um rasgo na alma. É quarto demais, e gente de menos.
É retrato de um tempo em que a gente vivia distraída da alegria abundante deles. Um tempo de maturar frutos, para dá-los a colher ao mundo.
Até que esse dia chega, e lá se vai seu fruto ganhar estrada, descobrir seus rumos,
navegar por conta própria com as mãos no leme que você, um dia, lhe mostrou como manejar.
Aí fica a casa, e nela, as coisas que eles não levam de jeito nenhum para a nova vida, mas também não as dispensam:
o caminhão da infância, a boneca na porta do quarto, os livros, discos, papéis, desenhos e fotografias – todas te olhando em estranha provocação.
Casa de mãe depois que os filhos se vão não é mais casa de mãe. É a casa da mãe. Para onde eles voltam num feriado, em um final de semana, num pedaço de férias.
Casa de mãe depois que os filhos se vão é um grande portão esperando ser aberto. É corredor solitário aguardando que eles o atravessem rumo aos quartos.
É área de serviço sem serviço.
Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre alguém rezando, um cachorrinho esperando, e muitos dias, todos enfileirados,
obedientes e esperançosos da certeza de qualquer dia eles chegam e você vai agradecer por todas as suas preces terem sido atendidas.
Porque, vamos combinar, não é que você fez direitinho seu trabalho, e estava certo quem disse que quem sai aos seus não degenera e aqueles frutos não caíram longe do pé?
E saudade, afinal, não é mesmo uma casa que se chama mãe?

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