Por que me ufano de meu
país
Vibro com nossos sons, sotaques e
sabores, que me fazem sempre querer voltar
Zeca Camargo
25.jul.2019 à 1h00
De Cafundó
na Paraíba a Ametista do Sul no Rio Grande do Sul. De Camela em Pernambuco a
Ponta Porã no Mato Grosso do Sul. De Mossoró no Rio Grande do Norte a Bastos em
São Paulo. Da Ilha do Bananal no Tocantins a Burarama no Espírito Santo.
De Ibitipoca em Minas Gerais a Soure no
Pará.
Estes são
apenas alguns lugares que já visitei neste Brasil imenso e lindo. Mas de
qualquer canto que você quiser sair a qualquer outro canto que você quiser
chegar neste nosso país a fascinação é a mesma. E é por isso que me ufano de
meu país.
A frase não
é minha, claro. Pego-a emprestada do famoso historiador Afonso Celso, que na
virada para o século 20 arriscou esse elogio à beleza da nossa força natural e
também àquela nossa qualidade maior: a mistura da nossa gente.
Somos uma
nação de retirantes, transeuntes, deslocados, passageiros —migrantes. Vamos
do norte ao sul, do centro
para o oeste, do litoral para o interior porque é isso que está na nossa alma.
Viajamos com o conforto de quem leva a mesma língua na bagagem e a certeza de
que, por conta dela, seremos bem recebidos.
Por onde
passo, ganho e distribuo carinho num ritmo tão intenso que não tenho chance de
lembrar que o adjetivo “bem-vindo” tem também seu antônimo. Levo no peito o
passe livre da minha brasilidade, do meu orgulho de ser daqui —o mesmo que noto
em cada aperto de mão que troco, em cada bochecha que se toca num beijo oco,
mas não menos afável.
Também me
ufano dos sabores que experimento aqui, do pastel aqui da feira à tapioca de
Trancoso; do amargo tentador da macaxeira de dona Jerônima no Marajó ao
saudoso frango com quiabo da Nilda, que cozinhava maravilhas no fogão de lenha
da minha avó em Uberaba; do arroz de porco da cozinha afetiva de Rodrigo Aragão
em Maceió ao brodo quentinho da dona Luizinha de Curitibanos; do aipim supremo
da chef Magda em Bonito à Denominação de Origem Cearense criada pelo Léo Gonçalves em
Fortaleza; dos yakisobas de Campo Grande à formiga amazônica de Alex Atala.
Nossos
sotaques cantam nos meus ouvidos: o “r” duro de Chapecó, o “s” meio “x” do
“visse” de Recife, aquele “ô” fechado da zona leste paulistana, a doçura das
sílabas de um potiguar, o “t” seco dos paranaenses, o “nh” que vira “m” nos
diminuitivos mineiros e “i” nos paraenses, o “l” que passeia no céu da boca do
paraibano, o “mérmão” do carioca, o oculto acento agudo que os baianos têm a
gentil teimosia de “intróduzir” em vogais inesperadas, a saudade açoriana do
manezinho de Floripa.
Danço e
vibro com nossos sons. Com o bumbo
que faz o boi-bumbá e com o triângulo que adoça o forró. Com o cavaco do samba
de roda e com a viola que define o sertão. Com o pé que bate na catira e com o
metal que estala na madeira do boleador gaúcho. Com o baixo grave do brega do
norte e com o surdo longo do tambor do Olodum. Com a
batida mínima do funk carioca e com a rima máxima do repentista. Com Anitta, DJ
Dolores, Helena Meirelles, Alok, Xand Avião, Maria Bethânia, Tiago
Iorc, Mart’nália, Pretinho da Serrinha, Lô Borges, Paulinho da Viola, Gaby
Amarantos, Johnny Hooker, Assis Valente, Clara Nunes, Jaloo, Elza Soares. Com
Alcione.
Eu me ufano
de tudo isso porque sou brasileiro. Porque este país me inspira. Porque eu
quero viajar pelo mundo mas sempre voltar para cá. Eu me ufano de cada pedaço
deste chão, de cada pé que toca cada pedaço. De quem circula por esse
território e quer vê-lo melhor e mais unido.
Só não me ufano de quem, no lugar de abraçar nosso
país, quer fragmentá-lo com seu preconceito e transformá-lo em uma terra não
dessa gente maravilhosa e diversa, mas privilégio de quem só sabe admirar um
espelho. E nem merece a honra e a nobreza de ter a palavra “brasileiro” no
passaporte, abaixo de onde se lê “nacionalidade”.
Por sorte sei que
quem cabe nessa definição nem me leu até aqui. Desistiu da coluna já no título,
ao se deparar com o próprio verbo lá conjugado. Menos por não se identificar
com seu significado do que pelo simples fato de desconhecê-lo. A esses, desejo
só que se ufanem da sua ignorância.
Zeca Camargo
Jornalista
e apresentador da TV Globo, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.
A
TV GLOBO NÃO SE UFANA, TANTO QUANTO VOCÊ! D.M.
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