O homem é o lobo do homem
Gilberto Dupas alerta para a desumanização da tecnologia
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Para definir a pequenez de Richard Wagner, Nietzsche usou a imagem do “humano, demasiado humano”. Hoje é preciso repensar a diatribe como uma nova virtude: o humano nunca é demasiado e os tempos modernos, de conquistas e progresso científico e tecnológico, embotaram a sensibilidade do homem, a ponto de ele deixar para trás a priorização do que é sua melhor (e pior) característica: justamente a sua humanidade. “Apesar de todo o encantamento das conquistas que se nos apresentam como possíveis para o novo século, as preocupações com as graves eventuais conseqüências das direções em marcha ainda estão em fase de gestão dialética”, escreve Gilberto Dupas em seu mais novo livro, O mito do progresso, um erudito e fascinante percurso de alerta sobre o entusiasmo acrítico que ainda mantemos sobre a visão baconiana da conquista da natureza. “Saber é poder”, dizia Bacon, indicando que a ciência tinha condições ilimitadas de gerar alternativas positivas para que os homens pudessem melhorar seu universo pessoal e sua condição social.
Mas será que estamos pensando certo? “Caso contrário, parece claro que podemos dar um passo largo em direção a um quadro civilizatório que pode significar uma ruptura de humanidade com suas responsabilidades de auto-sobrevivência enquanto cultura e espécie”, observa Dupas. Para ele, o progresso do discurso das elites, do neoliberalismo, não passaria de um mito renovado por um aparelho ideológico que nos quer convencer de que a história tem um destino certo e sempre para melhor. Engana-se quem pensa ser o autor um retrógrado contrário à ciência. O dilema do progresso não pede uma paralisação da ciência e da tecnologia, apenas um novo modelo de lidar com essas conquistas, de forma que elas sirvam ao bem comum, e não a poucos, ao mercado. Para tanto, Dupas pede “apenas” cidadãos vigilantes e críticos, não consumidores fascinados. Tarefa que parece árdua, mas passa pelo mais objetivo dos crivos: a escola e seus professores, que teriam de educar, e não só informar. Sem isso, estamos condenados a um vazio ético, uma sociedade nas mãos das regras de mercado, em que os valores são econômicos.
Nesse mundo, humano é demasiado humano e o valor da vida geral e o bem-estar de todos são secundários diante do prazer do consumo, da absorção direta de todas as conquistas científicas, seja o novo tênis, seja os transgênicos. Tudo é válido se for economicamente viável. Dupas deseja o retorno de uma macroética, de uma ética da responsabilidade, nos moldes do pensador alemão Hans Jonas, em que é preciso pensar o presente ao mesmo tempo em que se olha para o futuro para construir um universo saudável para todos. “Aja de modo que os efeitos de sua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a Terra; de modo que sua ação não comprometa a possibilidade futura de tal vida”, observa Jonas, fazendo eco no belo estudo de Dupas, um libelo denso e bem-escrito sobre o que nos espera se não formos capazes de exercer a nossa crítica.
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