"Minha vida foi
roubada": O forte desabafo de uma patriota presa...
30/05/2023 às 06:
Foto: Agência Brasil
Fiquei 52
dias presa em Brasília por manifestar o meu patriotismo. Agora estou com
tornozeleira. Meu nome é Thereza Helena Oliveira Souza Sena e moro na Suíça, em
Zurique, há 10 anos, onde sou capelã e pastora da igreja evangélica Nova
Aliança. Tenho um filho de 17 anos e marido que não vejo desde o ano passado.
Eles ficaram na Suíça e eu não posso voltar para lá até que o Superior Tribunal
Federal autorize.
Tenho 51 anos e há 25 moro no exterior. Antes de ir para Suíça, morei em Portugal. Desde o dia 9 de janeiro sinto que a minha vida foi roubada: primeiro fomos levados para o Ginásio de Esportes, depois para o Presídio Colmeia. Desde que sai em liberdade provisória, concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, estou em minha cidade natal, na casa de uma amiga, com tornozeleira eletrônica.
Não saio de
casa depois das 18 horas e fico 24 horas dentro de casa nos finais de semana e
feriados. Nem ao menos estive na Praça dos Três Poderes. Fiquei no QG de
Brasília o tempo todo no dia 8 de janeiro, porque tenho esclerose múltipla,
fibromialgia e utilizo equipamento para respirar.
Eu estou no
Brasil para resolver alguns assuntos da minha filha, que se arrastaram ao longo
do segundo trimestre de 2022. Na minha estada, vi um vídeo com um senhor daqui
da minha cidade natal, Teófilo Otoni, MG. Ele estava na chuva, aos prantos,
pedindo para o Brasil não se tornar comunista. Ver aquele senhorzinho me tocou
tanto que comecei a ir para o acampamento da minha cidade. Passei quase dois
meses indo ao TG e recebi convite para ir a Brasília, para uma manifestação no
dia 9 de janeiro, uma segunda-feira. Me diziam que precisavam de uma pastora,
alguém da parte espiritual e eu fui. O acampamento de Teófilo estava acabando e
eu tinha um desejo particular de conhecer a Igreja das Nações, que fica em
nossa capital federal. Pensei em aproveitar o movimento que só aconteceria na
segunda-feira e, sendo possível, iria ainda no domingo visitar a igreja.
TUDO
ACONTECEU MUITO RÁPIDO E SEM SENTIDO
Nós chegamos
de ônibus em Brasília no sábado à noite, dia 7 de janeiro, quando a armadilha
já estava sendo montada e nós não percebemos. Nós caímos feito patinhos. No
sábado, não fomos para a porta do quartel com ônibus, pois a orientação era
para ficarmos na Granja do Torto e só na manhã de domingo ir para o QG. Nos
disseram que teria uma reunião na madrugada, quando seria definido como seria a
marcha para a Praça dos Três Poderes e, só depois, iriam nos explicar como
seria.
Ficamos meio
incomodados com isso, até porque no nosso meio existiam militares da reserva, e
um deles inclusive atuou no passado na guarda nacional de Lula. Ou seja, tinha
uma visão de estratégia e ele falou que aquilo não estava cheirando bem. De
qualquer forma, estávamos em Brasília e, de sábado para domingo, dormimos no
ônibus.
No domingo
de manhã, fomos ao QG e lá procuramos uma tenda e ficamos dentro de uma do
estado do Pará. Devia ser em torno das 10 horas da manhã quando conseguimos nos
ajeitar e já tinha um bom movimento de pessoas, com cozinheira providenciando
alimentação, gente conhecida. Não demorou muito e o nosso motorista nos ligou
comunicando que a Polícia Federal prendera todos os ônibus. Nos disse para
darmos um jeito de buscar as coisas que estavam dentro do ônibus.
Na mesma
hora, começou a chegar muita gente chamando para descer para a Praça dos Três
Poderes, antecipando o ato de segunda-feira. Eu falei que não estava
certo, até porque muita gente ainda estava na estrada. De Teófilo Otoni, por
exemplo, tinha ônibus que rodaria a noite inteira para chegar na manhã de
segunda-feira.
“Vamos,
vamos, vamos!” e o pessoal foi. Eu fiquei porque não tinha como chegar de carro
e eram 8 km de caminhada. Como tenho muitas comorbidades, era impossível fazer
esse percurso a pé. Além disso, as pessoas estavam saindo do QG com a intenção
de passar a noite lá na praça, orando, no meio do nada, e eu não teria
estrutura física para suportar.
INVADIU!
INVADIU!
Por volta
das 13h30, ali no QG ouvimos “Invadiu, invadiu!”. Curiosos, abrimos as nossas
redes sociais e, para o nosso espanto, começaram a aparecer uma sucessão de
postagens de gente dentro dos prédios. Isso causou grande estranheza, porque
não é tão fácil assim invadir prédios públicos, ainda mais que estávamos
rodeados pelo exército e o pessoal desceu escoltado.
Não demorou
e percebemos o movimento do Exército se intensificar e cercar todo o QG. Havia
drone sobre o acampamento, o que aumentava a sensação de que tinha algo errado
acontecendo. A tarde passou e as pessoas começaram a retornar ao QG, algumas
feridas, outras não. As pessoas diziam: “Vamos embora, vamos embora!”, e a gente
sem entender nada. Eu creio que era mais ou menos 19 horas quando o Exército
colocou um tanque de guerra na rua e o helicóptero começou a sobrevoar nos
arredores do QG, piorando a cada minuto a confusão entre nós. Nada daquilo
estava previsto. O barulho era intenso.
Domingo à
noite foi terrível para quem estava no acampamento. A gente não sabia se saia
ou não. Tinha gente que falava que quem tinha saído foi preso no hotel, em
Uber, na rodoviária, em Goiás, que faz divisa. E de fato muita coisa aconteceu,
uma variedade de situações, pelos relatos que ouvimos depois. Nós permanecemos
e o QG amanheceu em alvoroço, com diversos ônibus, diferentes dos nossos,
estacionados junto ao QG e continuávamos a não entender o que se passava.
COMO FOI QUE
VIREI NEGOCIADORA?
Esse foi o
momento em que me aproximei da multidão e vi aquele quadro horroroso de
desespero coletivo. Senti que precisava negociar com o Batalhão de Operações
Especiais (BOPE) e com a Polícia Federal, e tentar fazer alguma coisa em
especial pelos idosos e crianças que estavam no QG. Me ofereci, por ser mulher,
uma pessoa de Deus, e fui com dois advogados e um outro senhor para o outro
lado da rua onde estavam todos alinhados. Fomos porque não existia uma
liderança ali, por ser um movimento orgânico. Antes de negociarmos, eles
falavam com megafone conosco, dizendo que tínhamos apenas uma hora para
esvaziar o acampamento e sair da área militar.
Com a
negociação, numa conversa amigável, queríamos ganhar tempo porque uma hora era
pouco. Tinha gente com muita coisa no QG, inclusive comerciantes estavam ali a
trabalho com seus equipamentos, outros tinham os seus automóveis, sem contar os
cadeirantes, idosos e crianças. Tentamos ganhar um pouco de tempo e na
negociação explicamos que pelo menos as mulheres com filhos e idosos poderiam
ser liberados da triagem. Que deixassem as pessoas saírem em seus carros. Foram
tentativas de sensibilização que fiz por ser mulher, pastora e capelã.
Não houve
maneira de a gente sensibilizar. Subimos ao palco e comunicamos a orientação de
entrar nos ônibus, priorizando os mais frágeis. A oficial Carla estava ao nosso
lado e filmou tudo que falamos. O vídeo que roda na Internet foi editado. Não
tem todo o conteúdo da explicação que demos ao público sobre o recado do BOPE e
da PF.
QUEM É A
MULHER DO CAMINHÃO DE SOM?
O que disse
no palco foi o que nos disseram: o presidente Lula decretou a evacuação da área
militar e vocês terão que sair nesses ônibus, para depois serem liberados e
terão que procurar outro meio de transporte para voltar para as suas casas.
Falava para todos, mas isso também valia para mim. Eles nos enganaram. Eles
mentiram. Hoje eu estou diferente, cortei os cabelos. As pessoas me perguntam
por que usava casaco de inverno no dia 9 de janeiro, em cima do caminhão do
som. O fato é que sinto muita dor e aquele dia estava frio em Brasília.
Falei
também, ao microfone, que era para evitar confusão, desordens e que se alguém
começasse a fazer alguma coisa que se afastassem. Nós queríamos a liberdade e
não confusão. Quanto mais organizados fôssemos ao entrar nos ônibus e passar
pela triagem, mais rápido seríamos liberados. Sei de gente que resistiu e ficou
no QG e foi transportado em camburão. Estávamos sem escolha e com uma falsa
promessa.
DOENÇA GRAVE
e 52 DIAS DE CÁRCERE
Meus laudos
médicos de Zurique tiveram que ser traduzidos do alemão para o português
rapidamente, até porque dependo de aparelho de oxigênio. Porém, o fato de ter
inúmeras comorbidades não facilitou em nada a minha vida nos 52 dias que fiquei
presa. Meus medicamentos nunca chegaram à cela e as dores que senti foram
enormes. Pelo menos o meu aparelho de oxigênio foi entregue. Lá no presídio
tinha pouco ar. Estávamos em 120 mulheres numa ala com apenas um chuveiro frio,
duas privadas e um tanque. Eu ficava muito nervosa pela falta de condições do
local e a minha pressão disparou para 22. Lembro de uma colega de cela que
passou mal e foi socorrida com a minha máquina de oxigênio. Poderia ter
morrido. Chegamos a fazer uma carta relatando a falta de atendimento à saúde
dentro do Colmeia.
TORNOZELEIRA
E UMA VIDA ROUBADA
Sai depois
de 52 dias presa em Brasília, voltei para minha cidade natal e todos os dias eu
tenho que estar em casa até às 18 horas. Nos finais de semana e feriados não
posso sair. Isso para quem é pastora é complicado porque os cultos em geral
ocorrem à noite e nos finais de semana. Desde que tudo isso aconteceu em
Brasília não consegui pregar. Eu não posso sair para atender. Eu não posso sair
para fazer nada. Eu tenho minha vida roubada.
Eu moro na
Suíça e a minha vida é lá, onde está minha casa e meu filho de 17 anos, com
autismo baixo, que precisa de mim. Meu esposo está cuidando dele, mas ele é a
única fonte de renda para manter lá e aqui. Eu sinto saudade da minha atividade
de pastora na igreja e da capelania. Sou psicóloga também, então faço um
trabalho pastoral. Vim com minha filha para o Brasil no ano passado porque ela
tem precatórios a receber. Isso demorou e a nossa intenção era retornar no
início do ano, deixando procuração para a nossa advogada.
Estou triste
por ver o curso que o Brasil está tomando e perceber que as pessoas são capazes
de tudo e mais um pouco para manter o poder. Lá na Suíça, a gente nem vê a
política acontecer. Os políticos andam de bicicleta e usam transporte público.
Não existem regalias, essas “tretas” todas. É um país governado pela direita,
onde tudo funciona. Você paga bem o imposto, mas tudo retorna para nós em
serviços.
Quando vi o
Bolsonaro resgatar a credibilidade do Brasil lá fora, que a nossa nação voltou
a ser respeitada, eu tive coragem de dizer que eu era brasileira. Meu filho com
17 anos fala cinco idiomas, por que não podemos sonhar com isso para os nossos
jovens aqui? Quando vi a luta por um Brasil diferente, pensei que talvez o meu
filho um dia pudesse vir para cá. Com tudo isso acontecendo, não há a menor
possibilidade..”
BRASILEIROS
PRECISAM SABER DA VERDADE
TODOS FORAM
ENGANADOS.
Ana Maria
Cemin. Jornalista
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