O
movimento missionário brasileiro: de receptores a enviadores, e agora,
interlocutores globais.
O mundo
deseja ouvir o timbre da voz brasileira: compassiva, criativa, relacional.
Por
Mila Kobi
10º
Congresso Brasileiro de Missões
Há
pouco mais de meio século, o Brasil era campo missionário. Hoje, é também campo
de envio. Esse talvez seja o maior motivo de celebração do movimento
missionário brasileiro: ver que Deus nos transformou de receptores em
enviadores.
Lembro-me
de quase vinte anos atrás, em Vila Velha, ES, quando decidi obedecer ao chamado
missionário. Eu não conhecia agências, nem outros missionários capixabas que
pudessem caminhar comigo. Hoje, em quase todos os lugares do país, encontro
vocacionados e igrejas desejosas de se envolver mais em missões. Isso é graça.
É sinal de um movimento amadurecido, e de um Espírito que continua a soprar.
O sopro
do Espírito nas entrelinhas da história
Vi o
poder e a direção do Espírito Santo quando, há 18 anos, cheguei à Ásia Oriental
e encontrei um cenário quase desértico de presença brasileira. Não havia
treinamentos contextualizados, nem materiais em português sobre o budismo. Foi
nesse contexto que o Espírito me direcionou ao Martureo, e nos conduziu a
formar os primeiros grupos de estudo e tradução, dando origem a cursos e, anos
depois, à tradução do livro Budismo: Uma Abordagem Cristã sobre o Pensamento
Budista (Ultimato, 2018).
Nesta
última década, recebemos a chegada da OMF no Brasil, agência fundada por Hudson
Taylor, que também representou um sopro de aprendizado e parceria. Sob a
influência do budismo, a Ásia continua sendo uma das regiões que menos recebe
missionários brasileiros. Ver o lançamento da Rede Lótus no 10º Congresso
Brasileiro de Missões, uma iniciativa voltada para treinamento e mobilização de
brasileiros para o mundo budista, é uma confirmação de que o Espírito tem
preparado o nosso movimento para novos desafios.
Os
pontos cegos do nosso caminho
Mas nem
tudo deve ser celebrado.
Deus
nos fez brasileiros e nos enviou com a Bíblia, mas também com nossa bagagem
cultural. O movimento missionário brasileiro ainda precisa reconhecer como o
Senhor deseja redimir a nossa identidade cultural enquanto servimos em outros
contextos.
Muitas
vezes afirmamos ser naturalmente “pontes culturais” por causa da nossa
miscigenação, dizemos que somos bem-vindos em todos os lugares, mas os dados
mostram outra realidade: 60% dos brasileiros no campo enfrentam conflitos
culturais, e mais da metade não fala a língua local (COMIBAM). A mistura que é
nossa beleza e bênção também pode ser nossa dor, se não for discipulada,
reconciliada e redimida.
Precisamos
amadurecer missiologicamente e em teologia intercultural, para que sejamos
pontes que sustentam, e não que desabam.
Os
próximos 25 anos: de uma igreja missionária para uma igreja em missão
Internamente,
um dos maiores desafios é tirar missões do departamento e devolvê-la à vida da
Igreja. Como disse Christopher Wright: “Deus não tem uma missão para a sua
Igreja, mas uma Igreja para a sua missão”. O que Deus tem ensinado aos
missionários sobre como sermos discípulos em meio à uma pluralidade religiosa,
filosófica e cultural precisa ser compartilhado com toda a igreja, para o seu
discipulado e amadurecimento da fé.
Também
precisamos ouvir mais vozes. Quando olhamos o Censo, vemos que 30% dos
indígenas e 30% dos negros brasileiros se declaram cristãos, mas onde estão
esses irmãos na formação missionária e nas mesas de decisão? E as mulheres que
são a maioria da força missionária? O futuro do movimento passa pela inclusão
dessas vozes na missão.
Globalmente,
vivemos uma era policêntrica, onde o envio é de todos os lugares para todos os
lugares, e de um forte Cristianismo Global. 70% da presença da Igreja de Cristo
está hoje no mundo majoritário – África, Ásia e América Latina. Contudo, o
modelo teológico e missiológico ainda é predominantemente ocidental. O desafio
dos próximos anos será desenvolver teologias e práticas missionárias que partam
das nossas realidades, com vozes latino-americanas mais ativas no diálogo
global.
Como
brasileira, vejo que nossa voz é bem-vinda, mas ainda pouco conhecida.
Segundo
estimativas, apenas 5% dos brasileiros falam inglês – um dado que, à primeira
vista, poderia justificar nossa ausência nos fóruns missionários globais. No
entanto, o idioma não é o único fator. A Coreia do Sul, por exemplo, também tem
um percentual semelhante de falantes de inglês, mas é altamente presente e
influente nas conversas missiológicas e teológicas internacionais. Isso revela
algo maior: não se trata apenas de domínio linguístico, mas de intencionalidade
e preparo para participar ativamente do diálogo global da Igreja.
Para
que o movimento missionário brasileiro cumpra seu papel nessa nova era
policêntrica, precisamos nos preparar linguisticamente, teologicamente e
interculturalmente. O mundo está ouvindo, e deseja ouvir o timbre da voz
brasileira: compassiva, criativa, relacional, nascida do encontro entre dor e
esperança.
O mesmo
Espírito que falou em múltiplas línguas em Atos 2 continua a inspirar uma
Igreja que envia de todos os lugares, para todos os lugares, e agora, também,
com todas as vozes. Que a nossa seja uma delas, afinada à voz do próprio Cristo
entre as nações.
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