domingo, 16 de novembro de 2025

REFLEXÃO...02

 

O movimento missionário brasileiro: de receptores a enviadores, e agora, interlocutores globais.

O mundo deseja ouvir o timbre da voz brasileira: compassiva, criativa, relacional.

 

Por Mila Kobi

 

10º Congresso Brasileiro de Missões

 

Há pouco mais de meio século, o Brasil era campo missionário. Hoje, é também campo de envio. Esse talvez seja o maior motivo de celebração do movimento missionário brasileiro: ver que Deus nos transformou de receptores em enviadores.

 

Lembro-me de quase vinte anos atrás, em Vila Velha, ES, quando decidi obedecer ao chamado missionário. Eu não conhecia agências, nem outros missionários capixabas que pudessem caminhar comigo. Hoje, em quase todos os lugares do país, encontro vocacionados e igrejas desejosas de se envolver mais em missões. Isso é graça. É sinal de um movimento amadurecido, e de um Espírito que continua a soprar.

 

O sopro do Espírito nas entrelinhas da história

Vi o poder e a direção do Espírito Santo quando, há 18 anos, cheguei à Ásia Oriental e encontrei um cenário quase desértico de presença brasileira. Não havia treinamentos contextualizados, nem materiais em português sobre o budismo. Foi nesse contexto que o Espírito me direcionou ao Martureo, e nos conduziu a formar os primeiros grupos de estudo e tradução, dando origem a cursos e, anos depois, à tradução do livro Budismo: Uma Abordagem Cristã sobre o Pensamento Budista (Ultimato, 2018).

 

Nesta última década, recebemos a chegada da OMF no Brasil, agência fundada por Hudson Taylor, que também representou um sopro de aprendizado e parceria. Sob a influência do budismo, a Ásia continua sendo uma das regiões que menos recebe missionários brasileiros. Ver o lançamento da Rede Lótus no 10º Congresso Brasileiro de Missões, uma iniciativa voltada para treinamento e mobilização de brasileiros para o mundo budista, é uma confirmação de que o Espírito tem preparado o nosso movimento para novos desafios.

 

Os pontos cegos do nosso caminho

Mas nem tudo deve ser celebrado.

 

Deus nos fez brasileiros e nos enviou com a Bíblia, mas também com nossa bagagem cultural. O movimento missionário brasileiro ainda precisa reconhecer como o Senhor deseja redimir a nossa identidade cultural enquanto servimos em outros contextos.

 

Muitas vezes afirmamos ser naturalmente “pontes culturais” por causa da nossa miscigenação, dizemos que somos bem-vindos em todos os lugares, mas os dados mostram outra realidade: 60% dos brasileiros no campo enfrentam conflitos culturais, e mais da metade não fala a língua local (COMIBAM). A mistura que é nossa beleza e bênção também pode ser nossa dor, se não for discipulada, reconciliada e redimida.

 

Precisamos amadurecer missiologicamente e em teologia intercultural, para que sejamos pontes que sustentam, e não que desabam.

 

 

 

Os próximos 25 anos: de uma igreja missionária para uma igreja em missão

Internamente, um dos maiores desafios é tirar missões do departamento e devolvê-la à vida da Igreja. Como disse Christopher Wright: “Deus não tem uma missão para a sua Igreja, mas uma Igreja para a sua missão”. O que Deus tem ensinado aos missionários sobre como sermos discípulos em meio à uma pluralidade religiosa, filosófica e cultural precisa ser compartilhado com toda a igreja, para o seu discipulado e amadurecimento da fé.

 

Também precisamos ouvir mais vozes. Quando olhamos o Censo, vemos que 30% dos indígenas e 30% dos negros brasileiros se declaram cristãos, mas onde estão esses irmãos na formação missionária e nas mesas de decisão? E as mulheres que são a maioria da força missionária? O futuro do movimento passa pela inclusão dessas vozes na missão.

 

Globalmente, vivemos uma era policêntrica, onde o envio é de todos os lugares para todos os lugares, e de um forte Cristianismo Global. 70% da presença da Igreja de Cristo está hoje no mundo majoritário – África, Ásia e América Latina. Contudo, o modelo teológico e missiológico ainda é predominantemente ocidental. O desafio dos próximos anos será desenvolver teologias e práticas missionárias que partam das nossas realidades, com vozes latino-americanas mais ativas no diálogo global.

 

Como brasileira, vejo que nossa voz é bem-vinda, mas ainda pouco conhecida.

 

Segundo estimativas, apenas 5% dos brasileiros falam inglês – um dado que, à primeira vista, poderia justificar nossa ausência nos fóruns missionários globais. No entanto, o idioma não é o único fator. A Coreia do Sul, por exemplo, também tem um percentual semelhante de falantes de inglês, mas é altamente presente e influente nas conversas missiológicas e teológicas internacionais. Isso revela algo maior: não se trata apenas de domínio linguístico, mas de intencionalidade e preparo para participar ativamente do diálogo global da Igreja.

 

Para que o movimento missionário brasileiro cumpra seu papel nessa nova era policêntrica, precisamos nos preparar linguisticamente, teologicamente e interculturalmente. O mundo está ouvindo, e deseja ouvir o timbre da voz brasileira: compassiva, criativa, relacional, nascida do encontro entre dor e esperança.

 

O mesmo Espírito que falou em múltiplas línguas em Atos 2 continua a inspirar uma Igreja que envia de todos os lugares, para todos os lugares, e agora, também, com todas as vozes. Que a nossa seja uma delas, afinada à voz do próprio Cristo entre as nações.

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