terça-feira, 22 de novembro de 2022

O JORNALISTA CRISTÃO...

                                               



 O jornalista cristão: realidade e esperança
Por Lissânder Dias
 
“Devemos nos reeducar sobre o jornalismo como um sacramento de tudo o que valorizamos, se quisermos aproveitar esta oportunidade para resgatá-lo, e para a formação do mundo.”
– Jenny Taylor, no artigo “A Sagrada Responsabilidade do jornalismo”
 
Da relevância ao escárnio; do lugar de destaque nas prateleiras das bancas à material para embrulhar peixe; da manchete viral ao ostracismo dos algoritmos. O jornalismo tem suas faces e suas (in)utilidades cotidianas. Numa era da hipercomunicação, ele gravita entre “essencial” e “descartável”, entre “porta-voz” e “mentiroso”, entre “neutro” e “partidário”.
A despeito das palavras escolhidas para tal ofício milenar, sua força não está apenas no que é publicado, mas também em quem escreve. Não se faz jornalismo sem jornalistas. A frase é óbvia, mas precisa ser dita e lembrada para que possamos refletir sobre a construção da Esperança por meio de profissionais de comunicação que transmitem não apenas dados, mas também valores e percepções da vida. Em um mundo fluido e em constante mutação, a partir de um jornalismo igualmente em metamorfose, parece difícil dedicar tempo, emoções e convicções a um tipo de expectativa fiel no futuro. Na maioria das vezes, parece que o peso do presente conspira contra o porvir.
 
Quando o foco é direcionado para os jornalistas cristãos, é ainda mais válido refletir sobre o poder da Esperança na tarefa diária de relatar fatos e questionar realidades. A fé seria uma fuga de tão necessário realismo? A esperança cristã é uma aliada do engajamento responsável diante do mundo ou seria tão somente uma abstração terapêutica para a dureza da vida?
 
No dia 06 de setembro tive o privilégio de participar de um bate-papo sobre o assunto com a jornalista Susana Berbert, moderado por Claudia Moreira, diretora nacional da Tearfund Brasil. A live, promovida pelo projeto “Diálogos de Esperança”, trouxe ainda a participação (em vídeo) de nove jornalistas: Cézar Feitoza, Erica Neves, André Ricardo, Ana Braun, Maurício Zágari, Ana Staut, Carlos Fernandes, Cássia de Oliveira e do renomado Laurentino Gomes. Ao longo da conversa e dos depoimentos, traçamos alguns princípios interessantes que relacionam jornalismo, espiritualidade e esperança. Vou pontuá-los a seguir.


- A prática da espiritualidade é a sustentação.  Susana destacou que, diante de dias tão tensos, a prática da espiritualidade não é uma, mas a única coisa que a mantém em pé para trabalhar todos os dias. “Se não fosse essa convicção, essa fé, essa certeza racional da existência de Jesus Cristo de Nazaré, eu não conseguiria fazer jornalismo”. Ela pontuou três pilares para a prática da espiritualidade: 1) Oração 2) Leitura da Palavra de Deus 3) Vivência comunitária no Corpo de Cristo. Susana tem razão, e eu acrescentei: a espiritualidade perpassa toda a existência humana, porque ela é a gente sendo gente, de acordo com o que Deus deseja, em plenitude de vida. Ela tem o poder de nos preencher com afeto e confiança num Deus que nunca abandonou sua criação.  Cremos que o Cristo encarnado, com os pés no chão, é a “esperança da glória” (Cl 1.27). E a partir dele, somos conduzidos a percepções da vida que não seria possível tê-las por outro caminho.
 
- A prática da espiritualidade é confrontação. A espiritualidade tem o papel de nos confrontar diante do que deveria ser, mas não é. Como jornalistas, temos acesso a espaços de poder (e também de não poder), a pessoas e discursos manipulatórios, e então a espiritualidade nos ajuda a ter menos ingenuidade com a vida. Ao nos enviar “como ovelhas entre os lobos”, Jesus falou que deveríamos ser “prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10.16). A espiritualidade tem esse papel de nos trazer prudência para entendermos o coração humano como ele é. No jornalismo, essa qualidade é fundamental, porque o nosso ofício tem a ver não somente com registros, mas também com compreensão de fatos. Para isso, a prudência é essencial. Nesse sentido, o Espírito Santo trabalha junto com o jornalismo. O jornalismo ajuda a desvendar a camada ilusória da realidade, enquanto o Espírito Santo age confirmando para nós muito dessa realidade e nos sensibilizando para ela. Portanto, a espiritualidade tem o papel tanto de dar sentido quanto de nos confrontar sobre a falta de sentido.
 
- Para cada desesperança nesse mundo, Cristo aponta uma esperança. Susana lembra que o Sermão do Monte é uma âncora da esperança. “Diante de um mundo bélico e agressivo, Cristo diz que bem-aventurados são os mansos porque herdarão a terra, bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia, bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus. Diante de um mundo tão cheio de desigualdades e injustiças, esse Cristo também diz que bem-aventurados são os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados. E é nessa certeza que devemos seguir os nossos dias, sabendo que o reino de Deus virá e será instaurado. Enquanto isso, devemos ser “flechas” em nossas funções, desempenhando o que somos chamados para desempenhar. Não existe uma função mais importante que a outra, desde que façamos o nosso papel, onde estamos, com excelência, servindo a Deus e sendo testemunha dele no dia a dia.
 
- O jornalista cristão tem um mandato cultural. Para Cézar Feitoza, “um dos principais papéis do jornalista cristão é continuar o mandato cultural que Deus deu ainda no Jardim do Éden para Adão e Eva: de nomear a vida. Isso, em síntese, significa colocar ordem no caos. Lançar luz sobre assuntos delicados, como casos de corrupção e o trabalho dos governos em causas sociais, acho que é uma forma de ajudar a colocar ordem no caos. Por outro lado, as fakenews são a instalação do caos”.
 
- Ao exercer o jornalismo, nos encontramos com a esperança nos lugares mais inesperados. O jornalismo nos leva para fora da igreja, e então nos encontramos com a esperança no encontro com pessoas que, mesmo diante da escassez, sorriem; em crianças que descobrem o poder da educação; em comunidades que perseveram em contextos de injustiça. Quando estamos dentro da igreja,  recebemos mensagens bem-preparadas para cultivar a nossa esperança. O desafio, no entanto, é encontrar essas palavras nos guetos, nas palafitas e nas ruas empoeiradas. O jornalismo nos proporciona essa oportunidade e fortalece então a nossa esperança em Jesus. Como disse Susana, “eu encontro Jesus várias vezes ao dia”.
 
>> Surpreendido pela Esperança, de N. T. Wright <<
 
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Jornalistas com esperança: depoimentos
 
 
A práxis de Jesus de Nazaré é algo maravilhoso, assombroso. Capaz de encantar almas desiludidas. Cabe-nos trazê-la para nosso contexto. Não é fácil. Sou um homem de muitas perguntas. A Galiléia, que Jesus priorizou, onde ela está no Brasil? Como seria a postura de Jesus diante de Herodes e autoridades religiosas de hoje? Nosso Senhor acolhia a ralé da sociedade, não bajulava poderosos, por que temos tanta dificuldade de imitá-lo? Por que muitas vezes ignoramos esses aspectos de seu ministério, preferindo batalhar por uma Igreja triunfalista, de bom trânsito junto às elites? Confesso: preciso de ajuda celestial e da comunidade para respondê-las. Eis o desafio: enquanto aguardamos novos céus e nova terra, que nos entreguemos em amor, com nossas falhas e percalços. Como Jesus a si mesmo se entregou.
André Ricardo, jornalista, escritor, repórter e apresentador da TV Senado
 
 
 
Eu penso que nosso trabalho como comunicador tem muito disso – de agir contra a falta de esperança - que para mim significa contar sobre as boas novas em um cenário muitas vezes desolador, crendo que o Senhor pode mudar todas as situações. De minha parte, isto significa realizar trabalhos que levem as pessoas a uma maior consciência da realidade social a partir da visão de Reino. Penso que, como cristãos, temos a responsabilidade e a missão de informar corretamente e formar pessoas, ajudando-as a “esperançar”. Minha palavra de esperança para o dia de hoje é que você encontre uma forma concreta e atuante para esperançar a partir da sua realidade.
Ana Claudia Braun Endo, jornalista e diretora editorial da W4 Editora
 
 
 
Precisamos nos lembrar de quem somos em Cristo. Eu encontro na oração do “Pai Nosso” o consolo e a esperança ao pensar que a vontade do Senhor será feita. E eu oro para que nos arrependamos de nossas idolatrias políticas e voltemos os olhos para o autor e consumador da fé.
Erica Neves, jornalista e assessora de comunicação da Tearfund
 
 
Atualmente, a sociedade brasileira ama odiar. E temos nos afastado um do outro. Mas eu vejo uma luz no fim do túnel. Acredito na oração de Jesus em João 17. Ele pede ao Pai que aqueles que viessem a crer nele vivessem em unidade perfeita. No dia em que entendermos que a unidade não é um assunto menor, vem a esperança de que o corpo de Cristo, na glória, será uma grande multidão de muitos povos, tribos, línguas e nações reunidos numa só mentalidade. Tenho a esperança de que, ao nos aproximarmos do Evangelho, vivamos ainda nessa terra um pouco da “unidade perfeita”.
Maurício Zágari, jornalista, escritor, editor e publisher da Editora GodBooks
 
 
Não queremos ouvir o outro, e isso torna o Brasil um país menos compassivo. Efésios 1.18 diz: “oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos”. A nossa esperança não está na política ou em uma narrativa ideológica, mas sim em Deus. E a partir disso podemos construir juntos um país melhor.
Ana Staut, jornalista e assessora da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência – ABC²
 
 
 
Eu percebo que nos últimos anos os relacionamentos estão se deteriorado. Eu atribuo isso a uma intolerância para com a diversidade (de opinião, religiosa, social, étnica e política). Nós, cristãos, podemos transformar o mundo, melhorando os relacionamentos. A Bíblia enfatiza bastante isso nas palavras de Cristo, de acolhimento, de amor ao próximo.
Carlos Fernandes, jornalista e editor de livros
 
 
 
Como jornalistas cristãos, temos o dever de levar ao público a maior notícia de todos os tempos: o Evangelho. O Evangelho de paz, de reconciliação, que anuncia Jesus como redentor de um mundo caído, como a nossa viva esperança, o único que pode curar e restaurar uma nação.
Cássia de Oliveira, jornalista do portal Guiame
 
 
 
Nossa responsabilidade é trazer racionalidade para um país dilacerado, mas também trazer esperança, uma mensagem de amor, de perseverança. Sim, o Brasil tem grandes dificuldades, mas não podemos deixar de sonhar. Eu sempre me apego muito a Lucas 5.11 (A pesca milagrosa), em que Jesus disse: “vão para águas mais profundas”. Ou seja, ele está dizendo: “vão para a zona do desconhecido, para a nuvem do não-saber, e lá se deixar guiar. Lancem as redes e colham abundantemente a pesca que eu sei que haverá”. É disso que precisamos: nos deixar orientar por Jesus, que é o Senhor da História, que nos leva para águas mais profundas e nos ensina exatamente o que temos que fazer.
Laurentino Gomes, jornalista e escritor premiado na área de história
 
 
Não há dúvida de que o jornalismo, às vezes tão duramente criticado, ao transitar entre obstáculos, injustiças e surpresas de superação, pode ser um instrumento de Deus para o cultivo da esperança cristã. Tudo isso começa com a nossa percepção do papel que ele tem no mundo, “como parte da defesa da verdade de Cristo em nossas culturas das mídias” (Compromisso da Cidade do Cabo – II-A-4).

Versão ampliada da reportagem O jornalista cristão: realidade e esperança publicada na edição 398 de Ultimato.
 

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