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Todo
pastor é [ou deveria ser] teólogo?
Por
Phelipe Reis
Os
evangélicos e as igrejas evangélicas nunca tiveram tanta notoriedade como nos
últimos anos. Não é coisa rara você se deparar com pastores e cantores
evangélicos em programas de grande audiência em canais de destaque na TV
aberta. Sem contar a visibilidade que muitos construíram de forma independente
na internet, como canais do YouTube e em outras redes sociais.
Cada
entrevista dada por um pastor e cada música cantada comunicam uma mensagem
teológica. Milhares de pessoas, cristãs e não cristãs, estão consumindo, ou
pelo menos ouvindo, mensagens que falam sobre a Bíblia, Jesus e o evangelho. A
pergunta que se coloca é qual a teologia que está sendo comunicada e assimilada
por quem recebe essas mensagens?
Neste
cenário de inúmeras vozes comunicando aos quatro ventos se faz imprescindível a
figura e o papel do pastor. Mas nesta disputa de narrativas, como o pastor de
uma igreja local pode atuar como teólogo para instruir sua comunidade de fé?
Afinal, todo pastor é ou deveria ser um teólogo? Todo teólogo é um pastor? O
que há em comum entre um e outro?
Jorge
Henrique Barro afirma que pastores precisam de uma revisão ministerial para
discernir o lugar e o papel da teologia em seus ministérios pastorais. “É
preciso entender e reconhecer que a teologia não está confinada nos três ou
quatro anos dos seus estudos teológicos (e isso para quem fez) seja qual for a
escola que estudou”, argumenta Barro. Ele acrescenta:
“A
teologia jamais deveria ocupar um lugar secundário na vida dos pastores. É
lindo e emocionante ver um pastor sintonizado com seu tempo, trazendo para o
púlpito alimento sólido, histórias redentivas do amor de Deus, sinalizando
caminhos para o povo de Deus possa seguir em esperança. Ser um pastor-teólogo é
viver na encruzilhada do texto com o nosso contexto. Um pastor que pouco lê,
pouco tem a dizer.”
Para
que serve o pastor e porque existe a igreja?
Na
introdução do livro Tornando-se um Pastor-Teólogo, Todd Wilson e Gerald
Hiestand afirmam que os pastores estão passando por uma crise de identidade –
eles não sabem quem são nem o que deveriam fazer. Eles escrevem: “Por trás dos
sorrisos generosos, dos sermões inspiradores, das campanhas multimilionárias de
construção e de expansões ministeriais cada vez maiores, está escondida no
coração e na mente de muitos pastores a confusão quanto ao que o pastor deve
ser e o que deve fazer.”
É
provável que não exista outra profissão que sofra com tanta falta de clareza
quanto ao significado do trabalho. Talvez esse seja o motivo pelo qual tantos
pastores renunciam ao cargo todos os anos, abandonam o ministério sem nunca
desejarem voltar ou fazem tentativas quase sempre insanas de ocultar a confusão
e o desgaste que sentem com diferentes formas de automedicação, que vão de
bebida, pornografia, casos extraconjugais, comida em excesso, obsessão por
dinheiro ou poder ao completo desapego emocional da vida das pessoas que eles
pastoreiam – ou do próprio Deus.
Kevin
Vanhoozer, também no livro Tornando-se um Pastor-Teólogo, fala sobre a crise de
identidade dos pastores. Para ele, os pastores precisam recuperar sua vocação e
identidade como teólogos públicos locais, pois disso depende o bem-estar da
igreja e sua missão. Para Vanhoozer, na verdade, essa questão trata-se de
pensar não muito nos pastores e sim nas igrejas e se perguntar: para que servem
os pastores e porque existe a igreja em vez de nada?
A falsa
dicotomia entre conteúdo e prática
Jorge
Henrique Barro comenta que um problema muito frequente é a falsa dicotomia
entre conteúdo e prática. Muitos pastores dizem que seu ministério é prático e
não acadêmico, quando, na verdade, toda prática está fundamentada em conceitos.
Resta saber se com conceitos bons ou ruins.
No capítulo
três do livro Tornando-se um Pastor-Teólogo, Kevin Vanhoozer também aborda a
dicotomia “pastor versus teólogo” e explica: “Confinamos a teologia em uma
ciência teórica, uma especialização, e o pastorado, em uma esfera prática, uma
profissionalização. O resultado é que já não encorajamos os alunos mais
inteligentes no seminário a obterem seus PhDs para que possam servir à igreja,
e, ao mesmo tempo, obter um PhD para servir na academia não é visto como algo
tão útil assim. Por um lado, temos teólogos que não praticam a teologia. Por
outro, temos pastores que podem interpretar o estudo, mas eles mesmos não
conseguem fazê-lo.”
Comentando
sua outra obra, O Pastor Como Teólogo Público, Kevin Vanhoozer afirma que o
pastor deve ser um teólogo e que ser um pastor-teólogo é mais desafiador do que
ser um professor ou acadêmico, já que, segundo ele, o professor só precisa
saber as coisas, enquanto o pastor precisa ser sábio. Vanhoozer defende ainda
que pastores precisam ser teólogos porque a Igreja existe para servir o mundo.
Ele argumenta:
“Os
pastores não são teólogos apenas para suas congregações locais. A Igreja existe
para servir o mundo. A Igreja é a força motriz de uma nova criação. Renovar a
criação é o projeto teológico final. E o pastor supervisiona produções locais
que nos proporcionam um antegozo desse reino de Deus.”
>>
Demita os pastores que não são teólogos, por Pedro Dulci <<
Para
Vanhoozer, teologia é o projeto de buscar falar e mostrar entendimento daquilo
que o Deus trino está fazendo em Jesus Cristo e por meio dele pelo bem de todo
o mundo, e isso é muito importante para ser deixado para os acadêmicos.
Vanhoozer compreende a teologia pública como a teologia que se refere a
pessoas. “Igreja é um público, igreja se reúne num local. Por isso ser pastor é
mais desafiador que ser teólogo, porque você precisa lidar com as pessoas. Não
só trabalhar com as pessoas, mas ao lado delas. Se você é pastor, as pessoas
são o meio de sua teologia. Está tentando moldar essas pessoas para serem uma
nação santa, o povo de Deus em determinado local”, argumenta o autor. Ele
lamenta que muitos alunos de teologia preferem seguir a carreira acadêmica
teológica porque não têm bons referenciais de pastores teólogos.
Oito
marcas de um pastor-teólogo
1. “O
pastor-teólogo entende os tempos e épocas. A teologia não acontece no vácuo, do
nada. Um púlpito e educação cristã sem realismo e realidade conjuntural é
desprovido de sentido para as pessoas. Pastores precisam levar a sério o hoje,
os fatos, os acontecimentos, os noticiários. A palavra do Senhor precisa vir
para esses contextos. Deus nos chama para termos palavra para o nosso tempo.
Pastores que não sabem fazer pontes entre os tempos bíblicos e os tempos
presentes precisam prestar atenção à hermenêutica!”
2. “O
pastor-teólogo entende o plano de Deus para o mundo. ‘A reflexão teológica que
não está a serviço da missão de Deus é um despropósito. A missiologia é a mãe
da teologia. Não estudamos teologia por causa da teologia. Estudamos para
entender e para desenvolver a missão de Deus no mundo. Sem missão, a teologia
se trunca, disse Orlando Costas. Por isso, todo pastor deve ser um teólogo da
missão. O ministério pastoral não é um fim em si mesmo; é um meio para equipar
o povo de Deus para cumprir a missão de Deus!’”
3. “O
pastor é um geógrafo social, alguém que deseja ‘escrever’ o evangelho na mente
e no coração de um povo reunido em um determinado lugar. ‘O pastor de uma
igreja local é um construtor de lugares cuja missão é transformar uma
congregação em um lugar adequado para o Espírito de Cristo, um lugar no qual
certas atividades promoverão a cidadania celestial coletiva sob condições
terrenas históricas. O pastor deseja ajudar cada membro do rebanho a encontrar
seu lugar no mundo, a saber seguir a Cristo aqui e agora como discípulo dele.’”
4. “Os
pastores devem conduzir seus rebanhos a águas mais profundas do batismo, mais
profundas naquilo que o Deus trino está fazendo na – e por meio da – morte e
ressurreição de Jesus. É assim que eles cumprem a Grande Comissão: ‘Vão e façam
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei’ (Mt
28.19-20). Pastores fazem discípulos ao conduzirem as pessoas ao que o Deus
trino está fazendo em Cristo.”
5.
“Pastores são teólogos públicos porque trabalham com pessoas para pôr a
teologia em prática. Esse é um trabalho árduo; é mais difícil trabalhar com
pessoas do que com ideias. Se você quiser um desafi¬o real, não vá estudar
teologia acadêmica; vá para o pastorado. Mas o povo de Deus – as igrejas locais
– são os locais públicos onde a vida de Cristo é lembrada, celebrada, examinada
e exibida.”
6.
“Existem intelectuais tanto na academia como na sociedade, mas são poucos e
raros. Muitos estudiosos são especialistas que sabem muito sobre poucos
assuntos, mas não sabem o que falar em se tratando das grandes questões. Os
pastores discutem as grandes questões – da vida e da morte, do sentido e da
falta de sentido, do físico e do espiritual – com frequência e precisam fazer
isso de uma maneira que eles consigam comunicar com os não acadêmicos.”
7. “O
que ameaça o rebanho de Jesus Cristo não são leões ou ursos (1Sm 17.34-35), mas
a falsa religião, a doutrina incorreta e as práticas ímpias. Os que lideram
precisam, em certos aspectos, estar à frente de sua congregação. Os pastores
não precisam ser acadêmicos, mas precisam estar fundamentados na teologia bíblica,
o quadro histórico–redentor completo que une o Antigo e o Novo Testamento e se
concentra em Cristo.”
8. “Os
pastores não são chamados a praticar a teologia acadêmica, mas a ministrar
compreensão teológica, ajudando as pessoas a interpretarem as Escrituras, sua
cultura e sua própria vida em relação à grande obra de redenção de Deus
resumida em Cristo. Mais uma vez, o teólogo é um generalista que fala sobre
coisas em geral (a renovada ordem criada) em relação a uma coisa em
especí¬fico: o evangelho de Jesus Cristo.”
Notas
1. Os
pontos 1 e 2 foram retirados do artigo O pastor como teólogo, de Jorge Henrique
Barro.
2. Os
pontos de 3 a 8 foram extraídos do capítulo três do livro Tornando-se um
Pastor-Teólogo.
Artigo
publicado orginalmente no site Sepal.org.br.
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