quinta-feira, 26 de setembro de 2019

AMIGA DO MEU IRMÃO!


À Cledenira Pimentel Lira, colega e amiga da juventude, em Belém do Pará, que se fez sempre presente embora distante e em silêncio por mais de 50 anos.
SAUDADE - PASSADO QUE SE FAZ PRESENTE - Não sei se com o passar do tempo acrescentamos novas roupagens ou se as retiramos, o fato é que passei a ter saudade de pessoas que jamais conheci ou de algumas com as quais tive breve experiência social.
Parece-me que o espírito gera vínculos em silêncio, que não se desfazem e que aparecem e reaparecem sob condições favoráveis. Ingressam essas pessoas no rol dos amigos e vão-se firmando, dia a dia, pelas ideias, pelos sentires, pelos valores, pela afinidade e empatia Tornamo-nos, assim, nós e eles, “imortais” de outra dimensão.
A experiência de conhecer e ser amigo sem nunca ter visto retornou com Charles Aznavour, morto aos 94 anos, em 2018, na homenagem que se lhe fez a França e o mundo, nos seus 80 anos - 4 x 20 como grafam os franceses -, com “Ainda Ontem” (Hier Encore), recepcionado, no Palais de Congrès, em Paris, por sua contemporânea Line Renaud, em apresentação admirável.
...E o contexto da música e a letra e o cantar do maravilhoso francês, fixados num ponto convergente:
“Ainda ontem eu tinha vinte anos, acariciava o tempo e brincava com a vida, como se brinca com o amor...”
A emoção, com humildade e acanhamento, me faz dizer, extrapolar, em desejada superação. Permitam-me:
Também nos meus vinte anos me debrucei em emoção, em vivência intensa, não me perdi, mas vi a vida passar, sem que pudesse contê-la onde mais o desejei.
Daí, demorar-me...pe
rmanecer um pouco num passado, que teimava em não ir embora, diria, conforme disse, o poeta Ivan Dorea Soares, que agora cria a Humanitatis Literatura, com convite, aceito, para honrosa participação.
...Hoje, as pessoas, vejo-as, com outra configuração. Meus amigos permanecem, alguns especiais. Neles não vejo apenas suas virtudes, passei a conhecer seus defeitos, até suas amizades incompletas, mas relevo. Sei de suas andanças e necessidades, sei do esforço que fazem para serem completos. Não sou diferente. Seguimos até sem nos voltarmos, embora nossos braços continuem a chamar em voz para alguns inaudível.
Os detalhes nunca os notei, o passo veloz acompanhado pelo tempo impedia-me. Preocupava-me, no entanto, com as pessoas que deixei e as que me deixaram, aquelas que a vida me impôs deixar - mas permaneceram. Guardo com carinho, delas, cada pedaço de atenção ou de presença. Pensei ter-me doado por inteiro, não sei se o fiz. Tão assim que hoje não as tenho próximas.
E a saudade vai ditando coisas e nomes, que ouço e recordo, esforçando-me por afastar as nuvens acinzentadas do tempo, que descoloriram os meus cabelos e enrugaram a minha face. Meus vinte anos, se ainda eu os tivesse, abraçaria com mais ternura e força, buscando acentuadamente grafar o que sentia. Desculpem-me.
Passados tantos anos, sinto com se fosse “ainda ontem”, debruçando-me na pequena janela que a vida me oferecera e colocava, conforme sentia, o mundo à minha frente, vendo-lhe – parecia-me - todos os caminhos. Um presente que se foi arrastado pelo passado. E agora, nesse futuro que o passado e o presente me deram, de janelas maiores, noto que os caminhos foram poucos, o olhar pequeno, o caminhar intenso. Na verdade, as glórias que guardo pouco dizem ou representam sem cada nome ditado pela saudade. A madureza trouxe-me um recado que fala de fraternidade.
PS - CHARLES AZNAVOUR, esse, sim, honra a França e diz de suas tradições de coragem e grandeza moral .
SSA, 24.09.2019
Geraldo Leony Machado
23 h
Público

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