Florescer e frutificar – É tempo de colher!
A cada dia podemos escolher viver. Devemos escolher viver!
Por Ágatha Cristian Heap
Eu sou muito igrejeira. Amo ser igreja, amo fazer parte da
comunidade de fé e congregar. Uma das coisas que aprecio na igreja é que ouso
dizer ser ela o único lugar na sociedade humana onde todas as gerações se
encontram e convivem com tanta frequência. Desde o bebê recém-nascido, passando
pelas crianças na primeira infância, os juniores, pré-adolescentes,
adolescentes, jovens, adultos e a melhor idade, no geral, uma vez por semana,
se esbarram, se escutam, se veem e adoram o Senhor em conjunto!
Ainda adolescente eu conheci uma poesia atribuída a uma
senhora que estava internada no hospital, conversando com uma enfermeira... e
ela falava: “Enfermeira, quando você olha para mim, o que você vê? E ela
descreve a sua condição naquele momento, já debilitada, e necessitando de
ajuda, mas de repente ela diz: abra seus olhos, enfermeira, e olhe para mim!
Veja a menina de 10 anos em família, a adolescente de 16 querendo viver um
amor, a noiva de 20 empolgada com seus votos, a jovem mãe aos 25 e aos 30
cuidando dos seus, a mulher de 40 vendo seus filhos partir, a avó de 50 com a
casa cheia de crianças novamente. Essa poesia sempre me tocou e me identifico
com essa lembrança de cada fase que vivi e cada pessoa que fui e continuo sendo
– está tudo dentro de mim. Nossa história continua em nós e ainda somos a
criança, a jovem, o adulto... e tudo que vivemos, fizemos, trabalhamos por e
contruímos nos acompanha e é muito valioso.
E por falar em trabalho...
Servimos um Deus que trabalha e que tem escrito uma linda
história de amor.
Do caos, da escuridão, do nada, Ele criou.
Bradou e houve luz! Energia, calor, matéria!
A cada dia Ele trabalhou, embelezou, desenvolveu organismos,
ciclos, sistemas... pessoas! Então, descansou! Descansou pois concluiu sua obra
e testemunhou sua funcionabilidade. Os rios corriam, os animais nadavam,
voavam, se moviam sobre a terra. O ser humano recebeu o dom da fala, do
raciocínio, da inteligência e da criatividade. Além de autoridade – nomeie,
cultive, desfrute!
Deus trabalhou e descansou. Contemplou. Se alegrou. Era tudo
muito bom!
Com o pecado humano, o trabalho já não era mais um deleite e
se tornou um fardo.
A imagem de Deus é manchada e a identidade humana – que
deveria ser relacionada com a filiação ao Criador, se tornou uma busca de reconhecimento,
produtividade, recursos que se pode acumular. O ser humano tentando provar seu
valor. Que pena!
O ser humano já não sabia quem era, pois se afastou do Seu
Criador.
Quem sou eu? Meu trabalho?
Quem sou eu? Meus papeis, minhas funções?
Quem sou eu? Minha produtividade?
Quem sou eu? O que tenho?
Um dos meus avós foi um pernambucano que migrou de Tacaratu
até o Rio de Janeiro a pé. Alguns meses de viagem. Quando criança, foi coroinha
da paróquia católica de sua cidade, sempre interessado na Bíblia, certa vez foi
advertido pelo seu padre que se continuasse lendo as Escrituras, viraria
crente!
Ao chegar no Rio de Janeiro, foi trabalhar como pedreiro na
construção da 1ª Igreja Batista de Nilópolis, onde se converteu, conheceu minha
avó, casou-se, dedicou os primeiros 5 filhos (de 14) a Deus e mais tarde
celebrou bodas de 50 anos de casado no mesmo lugar. Nessa ocasião, o casal que
havia chegado ali jovem e sem filhos diante do altar, retornava com toda a
família posicionada na área do coral da igreja, mais parecendo uma pequena
tribo, um clã com dezenas de pessoas. Frutos dessa união.
Entretanto, na década de 1960, participaram de um movimento
de avivamento, deixaram a igreja Batista e migraram para a Obra em Restauração.
Tenho lindas lembranças dos cultos domésticos diários. Das
orações solenes do meu avô e da sua voz forte entoando hinos em tempo e fora de
tempo. Lembro-me da ação social constante da minha avó sendo diretora de uma
creche comunitária num bairro carente por anos, e sendo informalmente, uma
“agência de empregos” para as diversas mães que levavam seus filhos à creche.
Deus promete abençoar até mil gerações daqueles que o servem
(Dt 7.9). Sou a segunda geração desse casal abençoado e me sinto honrada pela
herança espiritual que me deixaram.
Gálatas 6.9-10 nos ensina: ‘Portanto, não nos cansemos de
fazer o bem. No momento certo, teremos uma colheita de bênçãos, se não
desistirmos. Por isso, sempre que tivermos oportunidade, façamos o bem a todos,
especialmente aos da família da fé”.
Jesus falou para olharmos os campos prontos para a colheita.
Falou para observarmos as aves dos céus. Falou para contemplarmos os lírios dos
campos. Contemplar! Admirar, apreciar, aplaudir, atentar, notar, ver, mirar,
fitar.
Envelhecer é um presente. A outra opção é ter uma vida
reduzida, interrompida precocemente.
“A vida é muito curta para ser pequena” é um pensamento
atribuído a Benjamin Disraeli, que foi um político conservador britânico,
escritor, aristocrata e primeiro-ministro do Reino Unido em duas ocasiões
durante o século 19.
Quanto mais os anos passam, mais há para recordar. Mais há
para agradecer. Mais há para testemunhar. Muito já foi feito. Fases variadas já
foram vividas. O mundo é mau, mas Deus é bom. E conscientes de Sua bondade e
soberania, podemos caminhar em paz e desfrutar da beleza de cada dia.
A vida começa numa fase de dependência e como precisamos de
cuidadores nos nossos primeiros anos de vida.
Vamos crescendo e adquirindo autonomia, desenvolvendo
potencialidades e nos dirigindo a alguma linha de profissão e trabalho.
Casamos, geramos filhos, trabalhamos, construímos. Amamos a Deus e por isso
amamos o próximo na mesma medida que aprendemos a amar a nós mesmos e assim,
servimos.
Então, a curva da produtividade alcança seu auge, os
resutados são evidentes, mas começam a retroceder. Entretanto, há uma história
que não se apaga, há um legado. O plantio produz frutos e é tempo de celebrar.
Já não é possível correr na mesma velocidade, trabalhar a
mesma quantidade de horas. Talvez óculos e aparelhos auditivos sejam bem
vindos. Eu já preciso dos dois!
Porém, precisamos ser lembrados constantemente que a nossa
vida não vale o que produzimos, mas o que realmente somos no Senhor. Filhos
amados do Pai – feitos para adorá-Lo.
Podemos escolher apodrecer ou amadurecer. Reclamar ou
agradecer. Ressentir ou perdoar. Desistir ou perseverar. Calar ou orar. Ignorar
ou amar.
Eu gosto de uma tirinha do Snoopy e do Charlie Brown que
eles estão de costas, mirando o horizonte. Charlie Brown parece preocupado e
desabafa: “É Snoopy, um dia nós vamos morrer”. E Snoopy responde com toda a
sabedoria canina: “Sim, mas em todos os outros dias nós vamos viver”.
Será que todos compreendem dessa forma? O descanso é um
sentimento de satisfação ao contemplar a vida como dádiva de Deus.
A cada dia podemos escolher viver. Devemos escolher viver!
Eu lido com a tentação de querer ser sempre útil, produtiva,
mas tenho buscado aprender que não fomos feitos para dar resultado, visando uma
conquista específica. As próprias interrupções da vida são a vida. Processos,
momentos da caminhada. As limitações não deveriam nos apavorar.
Em Deuteronômio 30.19 lemos: "Hoje lhes dei a escolha
entre a vida e a morte, entre bênçãos e maldições. Agora, chamo os céus e a
terra como testemunhas da escolha que fizerem. Escolham a vida, para que vocês
e seus filhos vivam!”.
Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. Que o Senhor nos
ajude a valorizar cada oportunidade de viver nEle, sendo fieis a Ele, exalando
o perfume dEle, sendo a carta que comunica Seu evangelho no nosso caminhar, no
nosso contemplar, no nosso falar e especialmente em como lidamos com o outro,
pois este é o Dia que o Senhor fez – e o deu a mim e a você! Vamos escolher nos
alegrar e celebrar nele. (Sl 118.24) E isso é contagiante. Precisamos seguir
firmes na confiança em Deus para que possamos terminar bem!
Há muitas bençãos para se lembrar. Muitas coisas para
agradecer. Sempre é tempo de contemplar, amar, de orar, de inspirar, de
compartilhar e viver. Deus nos faz nos faz florescer e frutificar – que
tenhamos alegria em recordar, contemplar e assim colher.
Ágatha Cristian Heap é graduada em ciências sociais, em
geografia e em teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil. É mestra em ciências
da religião, com ênfase em teologia. É membro da APEL – Academia Paulista
Evangélica de Letras, professora de ciências humanas e sociais há mais de duas
décadas, Ministra ordenada e pastora auxiliar na Igreja do Nazareno, em
Atibaia, SP. Atua como tradutora e escritora. Casada com Brian, mãe de Lucas,
Victoria e Gabriele.
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