O dia que me tornei INVISÍVEL
Autor Silvia Castillejon Peral
Já
não sei em que data está. Nesta casa não há folhinhas e, em minha memória tudo
está revolto. As coisas antigas foram desaparecendo. E eu também fui apagando
sem que ninguém se dessa conta. Quando a família cresceu, me trocaram de
quarto. Depois, me passaram a outro menor ainda acompanhada de minhas netas.
Agora ocupo a edícula, no quintal de trás. Prometeram-me trocar o vidro
quebrado da janela, mas se esqueceram. E nas noites, por ali sopra um ventinho
gelado que aumenta minhas dores reumáticas. Um dia a tarde me dei conta que
minha voz desapareceu. Quando falo, meus filhos e meus netos não me respondem.
Conversam sem olhar para mim, como se eu não estivesse com eles. Às vezes, digo
algo, acreditando que apreciarão meus conselhos. Mas não me olham, não me
respondem. Então, me retiro para o meu canto antes de terminar a caneca de
café. O faço para que compreendam que estou enojada, para que venham
procurar-me e me peçam perdão… Mas ninguém vem. No dia seguinte lhes disse: -
Quando eu morrer, então sim vai sentir minha falta. E meu neto perguntou:- Está
viva, vovó? (rindo-se) Estive três dias chorando em meu quarto, até que numa
certa manhã, um dos meninos entrou a jogar umas rodas velhas… Nem o bom dia me
deu. Foi então quando me convenci de que sou invisível. Uma vez, os meninos
vieram dizer-me que no dia seguinte iríamos todos ao campo. Fiquei muito feliz.
Fazia tanto tempo que não saía! Fui a primeira a levantar. Quis arrumar as
coisas com calma. Nós, os velhos tardamos muito, assim, me ajeitei a tempo para
não atrasá-los. Em pouco tempo, todos entravam e saíam da casa correndo,
jogando
bolsas e brinquedos no carro. Eu já estava pronta e
muito alegre. Parei na porta e fiquei esperando. Quando se foram, compreendi
que eu não estava convidada. Talvez porque não cabia no carro. Senti como meu
coração se encolhia, o queixo me tremia como alguém que tinha vontade de
chorar. Eu os entendo. São jovens. Riem, sonham se abraçam, se beijam. E eu...
Antes beijava os meninos, me agradava tê-los nos braços, como se fossem meus.
E, até cantava canções de berço que havia esquecido. Mas um dia… Minha neta
acabava de ter um bebê. Disse-me que não era bom que os velhos beijassem aos
meninos por questões de saúde. Desde então, não me aproximei mais deles. Tenho
tanto medo de contagiá-los! Eu os bendigo a todos e os perdoo, por que... Que
culpa eles têm, de que eu tenha me tornado invisível?
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