NZINGA 01
como a farinha de mandioca. Como moeda usam-se os panos fabricados no Congo que recebiam um carimbo com o emblema real e eram usados para a aquisição de escravos. Conforme relata Costa e Silva, esses tecidos, em geral, não eram usados como roupas; passavam de mão em mão até se desgastarem e puírem, perdendo progressivamente parte de seu valor. O comércio de escravos Os portugueses tinham pouco controle sobre a captura de escravos. A apreensão e o comércio em território de Angola eram fortemente centralizados pelo ngola Mbandi, o rei ambundo, irmão de Nzinga. Ele cobrava dos portugueses tributos e taxas e proibia-lhes o acesso ao interior do reino e a compra direta de escravos. As vendas de escravos eram fiscalizadas e só podiam ser feitas por lote, não permitindo ao traficante escolher as “peças” que lhe interessavam. O ngola mandava incluir, no lote, negros idosos, doentes ou com defeitos físicos de difícil colocação no mercado escravo de Luanda. Os que desrespeitavam as regras e os costumes locais eram punidos com o confisco da mercadoria, prisão, expulsão, açoites e até morte. As restrições ao livre trânsito dos mercadores e as sanções aplicadas pelo ngola aos infratores causaram indignação entre os portugueses de Luanda. Afinal, para eles, aquelas terras eram de Portugal. As tensões levaram a uma nova guerra contra o ngola Mbandi que, como ocorrera outras vezes, ficou inconclusa. Entra em cena a princesa Nzinga Em 1621, chegou a Luanda o novo governador português que se apressou a buscar a paz com o ngola Mbandi. Para negociá-la, o rei ambundo enviou a Luanda uma embaixadora – sua irmã Nzinga, então com 39 anos de idade. Neste encontro, ocorreu um episódio curioso que revela a altivez da princesa ambundu. Como o governador a recebeu sentado e não lhe ofereceu cadeira, Nzinga fez um sinal para uma de suas acompanhantes que se colocou de quatro no chão para a princesa sentar-se sobre ela. Ao sair, deixou a moça na sala, na mesma posição, como se fosse um banco. O governador avisou-a para levar a moça e Nzinga respondeu-lhe que não sentaria novamente naquele banco pois tinha muitos outros e não o queria mais. Rainha Nzinga Nzinga sentou-se sobre sua acompanhante colocando-se em posição de igualdade com o governador português. Manuscrito de Cavazzi, missionário capuchinho, 1687 A princesa, inteligente e decidida, deixou claro que o rei ambundo não era e nem seria vassalo do rei ibérico. Estava ali como representante de um estado soberano e exigia tratamento de igual para igual. Para surpresa de todos, Nzinga falou em português fluente. Possivelmente aprendera a língua com alguns dos mercadores e missionários portugueses que haviam frequentado a corte de seu pai. Nzinga exigiu que os portugueses abandonassem suas instalações no continente, que entregassem os chefes africanos prisioneiros e ainda um lote de armas de fogo. Em sinal de sua intenção de celebra
um lote de armas de fogo. Em sinal de sua intenção de celebrar o acordo de paz, Nzinga aceitou o batismo católico sob o nome português Ana de Souza. A conversão foi um jogo político do qual ela vai se valer em outros momentos para ganhar confiança e confundir os portugueses. A rainha Nzinga Vários meses se passaram desde o encontro em Luanda sem que os portugueses cumprissem sua parte no acordo. Não estavam dispostos a ceder em nada. Nzinga vai cobrar, pelas armas, o que fora prometido mas, dessa vez, como ngola, rainha de Ndongo. A ascensão de Nzinga ao trono, em 1623, é rodeada de mistérios. Alguns estudiosos afirmam que ela envenenou o irmão, outros dizem que o rei se suicidou por decisão dos grandes chefes. Há ainda a versão de que Nzinga, com a morte do irmão tornou-se regente do garoto escolhido como novo ngola, mas a criança pouco depois, morreu afogada no rio Cuanza. Começava a nascer uma “mitologia Nzinga”. Rainha enigmática, cujo nome causava terror entre os portugueses, ela deu origem a lendas e relatos contraditórios a seu respeito. Nzinga Nzinga e seu séquito. Manuscrito de Cavazzi, missionário capuchinho, 1687. Desconhece-se sua imagem, não existem retratos da rainha elaborados no seu período de vida. Uma imagem de 1769, para a obra Zingha, reine d’Angola, de Jean-Louis Castilhon, mostra a rainha de perfil com um olhar recatado que nada corresponde ao perfil guerreiro dessa líder política africana. Usa coroa, colar, bracelete, broche e manta típicos da cultura europeia. O toque exótico e sensual fica por conta do seio à mostra, como era comum nas representações de africanas pelo traço europeu cristão. A imagem aproxima-se da descrição de Glasgow: Nzinga Nzinga usando elementos da cultura europeia e africana em uma gravura do século XVIII. Vaidosa quanto às roupas e aparência, trazia na cabeça a coroa real, com joias de prata, pérolas e cobre a lhe adornarem os braços e as pernas. Lindos tecidos e roupas eram sua paixão especial e não perdia nenhuma oportunidade de adquirir novas roupas em estilo europeu dos mercadores portugueses. Às vezes ela trocava de traje várias vezes por dia, variando das modas africanas para as portuguesas e vice-versa, até no estilo do penteado. (…) Quando Nzinga recebia hóspedes estrangeiros, tanto ela quanto sua corte se adornavam com dispendiosos trajes e joias europeias e havia farto uso de baixelas de prata, cadeiras e tapetes. Saudava os hóspedes com o selo real de prata na mão e a coroa na cabeça, ocasionalmente até três vezes por semana. (Glasgow, p. 95-96) Costa e Silva apresenta outra descrição de Nzinga: “Ela recusava o título de rainha e fazia questão de ser chamada rei. Por isso que decidiu tornar-se socialmente homem e ter um harém, com os concubinos vestidos de mulher. Por isso que lutava como um soldado, à frente do exército. Na realidade, Jinga estava a criar a sua tradição, a sua legitimidade, os precedentes que permitiriam a suas
tradição, a sua legitimidade, os precedentes que permitiriam a suas netas e bisnetas ascenderem, sem contestação do sexo, ao poder.” (Costa e Silva, p.438) Nzinga ilustração Nzinga com uma fisionomia bantu juvenil, segundo representação feita por Tim O’Brien, em 2000 Em obra recente, Nzingha: warrior queen of Matamba, de Patricia McKissack, publicado em 2000, o conceituado ilustrador Tim O’Brien, criou uma nova imagem da rainha ambundo dando-lhe uma fisionomia bantu juvenil. Ela usa bracelete e colar típicos da realeza bantu, um cordão de zimbos ou búzios, uma concha utilizada como moeda nos reinos do Congo, Ndongo e em sociedades tradicionais de Angola. O vestido colante com grafismos em zig-zag, motivo recorrente na cultura material da África subsaariana, e o arco e flechas compõem o retrato guerreiro e africano de Nzinga. O filme Njinga, rainha de Angola, de 2012 (mostrado no Brasil em 2014) construiu outra imagem da rainha. Para representa-la, foi escolhida Lesliana Pereira, miss Angola 2008. A beleza da atriz reforçada por trajes sensuais em cenas de combate aproxima a rainha à imagem de uma super-heroína africana. Nzinga reinou absoluta durante quarenta anos sobre Ndongo (1623 a 1663) e, a partir de 1630, também sobre Matamba. Para enfrentar os portugueses, aliou-se aos ferozes jagas e desposou um chefe deles. Veja o trailer do filme Njinga, rainha de Angola, direção de Sérgio Graciano, 2012 Continua na parte 2: Nzinga abre guerra contra os portugueses. Vocabulário Ambundo ou Mbundu: maior grupo étnico de Angola, falante do quimbundo, língua que muito contribuiu na formação do léxico do português falado no Brasil. Ndongo ou Dongo: reino ambundo da Angola pré-colonial, limitado ao norte pelo Reino do Congo, a leste por Matamba, a oeste pelo Oceano Atlântico e ao sul pelos Estados ovimbundos. Ngola ou angola: importante título nobiliárquico e guerreiro dos ambundos na Angola pré-colonial, equivalente a rei. O termo acabou batizando o nome atual do país. Fonte COSTA E SILVA, Alberto. A manilha e o libambo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. GLASGOW, Roy. Nzinga. São Paulo: Perspectiva, 1982. PACAVIRA, Manuel Pedro. Nzinga Mbandi. Cuba: União dos Escritores Angolanos, 1985. Print Friendly Classifique Você pode se interessar por estes também Quem eram os antigos egípcios? DNA de múmias antigas revela novas pistas 31 de maio de 2017 Máscaras africanas: beleza, magia e importância. (Para recortar e colorir) 18 de abril de 2017 Francisco Félix de Souza: brasileiro, mestiço e traficante de escravos na África 29 de janeiro de 2017 Joelza Ester Domingues Mestre em História Social pela PUC-SP. Lecionou nos colégios Marista Arquidiocesano e Santa Cruz, ambos em São Paulo, capital, e também nos cursinhos pré-vestibulares Objetivo e Intergraus. Autora das coleções didáticas “História em Documento” e “Projeto Athos-História”, ambas pela editora FTD, Continua....
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