A mulher que descobriu a metamorfose e se embrenhou
de espartilho na Amazônia no século 17
Image caption Merian desenvolveu uma
forma diferente de enxergar a natureza. Ela é considerada a primeira ecologista
do mundo | Imagem: Gravura de Jacobus Houbraken em retrato de Georg Gsell
No século 17, a alemã Maria Merian se
propôs a investigar o mundo dos insetos. Acabou desenvolvendo uma forma
diferente de pensar e enxergar a natureza e, aos 52 anos, partiu para uma
perigosa aventura na América do Sul, para detalhar os ciclos de vida de
borboletas, mariposas e outros insetos.
Os feitos de Merian, numa época em
que pouca gente desbravava o continente americano abaixo da linha do Equador -
em especial as mulheres -, deram a ela a fama de primeira ecologista do mundo.
Ela nasceu na Alemanha em 1647, numa
família de editores, escultores e comerciantes, e logo cedo aprendeu a arte da
ilustração.
O interesse pelos insetos surgiu no
próprio jardim da casa de Merian, ainda na infância.
Aos 13 anos, ela decidiu pintar o
ciclo de vida de um bicho da seda numa época em que o comércio da seda era
muito importante em Frankfurt.
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Para registrar em imagens o bicho da
seda, decidiu fazer uma pesquisa meticulosa, na qual anotava tudo o que
prejudicava e ajudava sua 'criação de lagartas'.
Colocou as lagartas em cones de papel
para que os casulos fossem tecidos neles e as alimentou com alface, porque não
conseguiu folhas de amoreira. Nas anotações, questionava se era melhor oferecer
folhas molhadas ou secas; se tempestades faziam diferença na evolução dos
casulos…
A observação cautelosa resultou em
uma série completa de desenhos de todo o ciclo: ovos, lagartas, pupas, e,
finalmente, borboletas e mariposas.
O interesse da infância acabou se
transformando em paixão de uma vida toda.
Image caption Metamorfose: ovos,
lagartas, casulos e, finalmente, borboletas | Imagem: Science Photo Library
Merian se casou e teve duas filhas,
sem abandonar seu fascínio pelos insetos. Passava horas investigando o próprio jardim
e convencia amigos a lhe darem acesso a parques.
Seus registros simplesmente
descreviam o que observava: "grandes números de ... lagartas douradas,
amarelas e pretas ... na grama do poço ... da Universidade de Nuremberg".
Mas o interesse por ciclos completos
fica claro nas anotações. Numa delas, ela escreveu: "Eu encontrei uma
grande quantidade de limo verde nas folhas verdes dos lírios dourados ... Eu
toquei com a minha vara e parecia que as folhas estavam apodrecendo, e então
encontrei muitas criaturas pequenas, vermelhas, semelhantes ao besouro na
concha. Pequenos ... Levei vários deles para investigar o que eles se
tornarão".
Ainda que na época de Merian fosse
comum pintar flores e insetos para ornar porcelanas e outros objetos, era
atípico o interesse sobre como esses bichos viviam, se reproduziam e se
desenvolviam. Poucos faziam de tudo para observá-los na natureza e analisar
como se desenvolviam.
Image caption Merian desenvolveu um
interesse peculiar que ia além da simples pintura de plantas e insetos |
Imagem: Science Photo Library
A
metamorfose ignorada
Em 1670, Merian publicou o livro A
maravilhosa transformação e peculiar alimentação das lagartas, uma obra ilustrada
com 50 telas de borboletas em todas as fases do ciclo e com as plantas das
quais se alimentavam.
No prefácio do livro, Merian afirmou:
"Todas as lagartas, sempre quando as borboletas se acasalam de antemão,
emergem de seus ovos".
As descobertas de Merian, que
registrou em texto e imagens a metamorfose, passaram quase despercebidas. O
livro estava escrito em alemão e, naquela época, o idioma oficial da ciência
era o latim.
Image caption Cenas do Suriname que
Merian jamais encontraria no próprio jardim | Imagem: Science Photo Library
Ainda assim, a obra de Merian vendeu
razoavelmente bem a ponto de lhe garantir uma renda que a permitiu embarcar
para uma aventura em busca de mais detalhes do mundo insetos.
Destino:
América do Sul
Em 1699, Merian tinha 52 anos e a
filha caçula, Dorotea, 21. As duas embarcaram sozinhas de Amsterdã com destino
ao Suriname, país vizinho da Venezuela e do Brasil.
A alemã tinha visto insetos da
América do Sul em coleções europeias e viajou decidida a observar algo a mais: as
coisas que não existiam em seu jardim europeu e que ainda não haviam sido
catalogadas.
Image caption Três etapas da
metamorfose, na ilustração de Maria Merian | Imagem: Science Photo Library
Mãe e filha ficaram dois anos no
Suriname.
Viajaram pelo interior do país,
explorando e desenhando não apenas insetos como também cenas da vida real.
Apesar do calor tropical e da
umidade, Merian continuava usando as roupas europeias com anágua e espartilho.
Vestida assim, ela desbravava a selva amazônica à procura de lagartas. Fez isso
mais de um século antes de Charles Darwin fazer fama ao cruzar o Atlântico.
Image caption Ainda adolescente,
Maria Merian registrou a metamorfose sob a forma de desenhos que capturavam
cenas do próprio jardim
Os desenhos de Merian no Suriname,
assim como os que fizera na Europa, destoavam dos trabalhos de sua época. Em
vez de fazer associações religiosas, muito comuns naquela época, ela
simplesmente descreveu o que via.
Enquanto alguns pesquisadores
tentavam separar e catalogar espécies, ela procurava o que os animais tinham em
comum e tentava descobrir como faziam para sobreviver.
Os registros de Merian ainda hoje são
considerados os mais completos de algumas espécies do Suriname.
Image caption As ilustrações de
Merian não se limitavam a lagartas e borboletas
As ilustrações e anotações da alemã
podem ser usadas para entender como os insetos se adaptaram às mudanças
climáticas nos últimos 300 anos, uma vez que ela desbravou o Suriname antes de
muitas intervenções humanas.
O trabalho dela continua sendo
relevante para o universo acadêmico e para a preservação do meio ambiente. Por
isso, muita gente a considera a primeira ecologista do mundo.
Image caption Merian ainda é pouco
reconhecida por suas descobertas científicas | Imagem: Science Photo Library
Além disso, os desenhos e escritos
dessa alemã que descobriu a metamorfose jogaram por terra a ideia de geração
espontânea. Repolhos deixaram de ser vistos como produtores de lagartas.
No entanto, o nome de Maria Merian
continua sendo pouco lembrado pela ciência.
Image caption Merian ficou dois anos
no Suriname | Imagem: Science Photo Library
Um dos seus grandes talentos acabou
sendo um dos seus pontos mais fracos.
As pinturas de Merian eram tão
deslumbrantes que acabaram ofuscando suas descobertas científicas. À medida em
que os livros foram sendo reeditados e reimpressos, os textos científicos
acabaram sendo eliminados, ficando somente as imagens.
Merian morreu em 1717. Três séculos depois
de sua morte, a borboleta pode, finalmente, estar saindo do casulo.
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