A história de fevereiro, o
mês que foi roubado
Júlio César foi o imperador que acertou o
calendário, mas manteve a injustiça: fevereiro seguiu com menos dias que os
outros meses
Fevereiro
é o mês mais injustiçado do calendário. Mas também o mais, digamos,
“excêntrico”. Sua longa história – que tem a ver com febre, purificação,
ciúmes, roubo e enxerto de dias – vale algumas mal traçadas linhas. OK, admito:
sou suspeito para falar porque assopro velas por esses dias. Mas vá lá... Quem
não tem suas preferências que atire a primeira pedra.
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Comecemos
pela injustiça – que também não deixa de ser uma excentricidade. Só 28 dias? Os
demais meses têm pelo menos 30. Alguns ostentam parrudos 31. A pergunta que não
quer calar é: quem, afinal, roubou fevereiro? Por incrível que pareça, eles
(são mais de um) têm nome e sobrenome. Daqui a pouco chegamos lá. Um pouco de
paciência é o que vos peço.
Aos
fatos. Roma antiga seguia até o século 7.º a.C. um calendário lunar com dez
meses de 30 ou 31 dias (dezembro era o mês dez; tal como novembro o nove,
outubro o oito e setembro o sete). Dezembro fechava o ano e março o abria.
A
história de fevereiro – perdoem o trocadilho – começou pelo fim
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O
problema é que faltou combinar com os russos. O calendário não batia com os
ciclos da natureza. As estações caíam sempre em meses diferentes. Era uma baita
confusão. Foi quando o rei Numa Pompílio decidiu acabar com a bagunça e adotou
o calendário solar – que, porém, tinha 11 dias a menos do que deveria: 354.
Outra
novidade foi a inclusão de mais dois meses no ano. Um deles, janeiro,
homenageava Janus – o deus das mudanças e transições (oportunamente retratado
com duas cabeças, uma olhando o passado e outra, o futuro).
O
personagem de nossa história de hoje foi batizado de februarius, o mês
da februa – que por sua vez era a festa dedicada a Februus, deus da
purificação. Não por acaso, também vem daí a palavra “febre”: a tentativa do
corpo de se “purificar” da doença.
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Coube ao
novato encerrar o ano. Assim, a história de fevereiro – perdoem o trocadilho –
começou pelo fim. Mas não se pode nem dizer que foi uma “honra” ser o último.
Os romanos eram supersticiosos e achavam que esse era um período de mau agouro.
Melhor terminar logo. E fevereiro entrou como uma espécie de tapa-buraco, com
os dias necessários apenas para fechar o calendário. Menos que os demais.
Então, temos o primeiro ladrão de dias: Numa Pompílio.
Cerca de
seis séculos se passaram e os romanos perceberam que aquele calendário
continuava zoado. Então Júlio César resolveu pôr ordem na casa pela segunda
vez. Consultou seus especialistas. Instituiu o ano de 365 dias. E, como todo
chefe que se preze, deu seu toque final: decidiu que janeiro iria ser o início
do ano. Fico imaginando a plebe se questionando: “Hum, por que diabos dezembro
(o mês dez) na verdade vai ser o mês 12?” Caprichos de quem manda.
Júlio
César acertou o calendário, mas manteve a injustiça: fevereiro seguiu com menos
dias que os outros meses. No princípio, eram 29. Mas logo viria a perder mais
um. O imperador César Augusto ficou enciumado porque o mês sextius,
renomeado para julho em homenagem ao antecessor, tinha 31 dias. Um a mais que
aquele mês que ele escolheu para chamar de seu, agosto. A solução: tira mais um
dia de fevereiro que ele não vai ligar. E assim foi.
Pelo
menos Augusto não sacou da folhinha de fevereiro a charmosa excentricidade de
cada quadriênio, o dia extra, o dia bissexto – criado por Júlio César para
tentar combinar definitivamente os ponteiros dos homens com os da mãe natureza.
Aliás,
tecnicamente o dia é bissexto, não o mês, tampouco o ano. Explicando: os
romanos só tinham nomes para três dias do mês: as calendas (o primeiro), as
nonas (lá pelo dia 5) e os idos (a metade do mês). Todos os demais eram
denominados em relação a esses dias.
O termo
“bissexto” literalmente vem da expressão “antediem bis-sextum calendas
martii”: sexto dia duplicado antes das calendas de março. Ou seja, eles não
decidiram criar o 29 de fevereiro. Mas duplicaram o dia 23 – o sexto dia antes
do 1.º de março.
Por
sinal, essa era a data de uma espécie de folia momesca, a popularíssima festa
das termálidas. Espertinhos esses romanos, hein? Dobraram a duração do feriado.
Pensando
bem, as coisas não mudaram muito hoje. Fevereiro continua sendo o mês do
carnaval. E, ao menos por essas bandas abaixo do Equador, quem não gosta de
enforcar um dia de trabalho que se intromete no meio do feriadão?
Fernando Martins
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