Amelinha Teles: O povo do Brasil precisa conhecer a sua história
Maria
 Amélia Teles, ou Amelinha, como é conhecida, é uma referência nacional 
na luta pela Memória, A Verdade e, principalmente, A Justiça. Amelinha 
foi militante durante os duros anos da ditadura militar no Brasil e foi 
presa junto com seu marido, irmã grávida e os filhos pequenos – Janaína e
 Edson Teles, com 5 e 4 anos na época –, pela Operação Bandeirantes em 
São Paulo.
Fundadora da Comissão de
 Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e, recentemente, 
integrante da Comissão Estadual da Verdade de SP, Amelinha se dedica há 
mais de 30 anos à luta pela apuração das atrocidades da ditadura e pela 
responsabilização dos agentes do Estado pelos crimes cometidos.
Em agosto, a Justiça 
condenou em segunda instância como torturador o coronel reformado Carlos
 Alberto Brilhante Ustra em uma ação movida pela família Teles, uma 
condenação inédita e histórica.
Amelinha também cumpriu 
um importante papel junto na localização e traslado dos restos mortais 
de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra, fundadores do Partido 
Comunista Revolucionário, e brutalmente assassinados pela Ditadura em 
setembro de 1973.
A Verdade – Como foi a decisão de ingressar com um processo na Justiça contra o coronel Ustra?
Amelinha Teles –
 A iniciativa foi da minha filha Janaína, que cresceu ouvindo essa 
história. Nós já tínhamos documentos, porque a denúncia foi feita pela 
primeira vez na Justiça Militar, em 1973, quando nós tivemos 
oportunidade de falar na frente do juiz e denunciamos que o coronel 
Ustra torturou, sequestrou nossos filhos, torturou minha irmã grávida e 
foi um dos assassinos de Carlos Nicolau Danielle, nas dependências da 
Oban. Isso era um material importante para subsidiar a ação; tanto é 
que, quando o projeto Brasil Nunca Mais menciona alguns casos para 
ilustrar o tamanho da repressão, mostra o nosso depoimento porque é um 
documento oficial. Mas logo nos primeiros anos depois da anistia nós 
tentamos abrir um processo e não conseguimos; havia dificuldades dos 
advogados de conseguir acesso à justiça. Janaína sempre acompanhou isso,
 até porque é historiadora, estudiosa do tema, e achava que essa 
história precisava de justiça para abrir possibilidades de uma sociedade
 mais democrática. Foi ela quem tomou a iniciativa de conversar com 
Fábio Konder Comparato (advogado da família Teles no processo), e ele se
 dispôs a fazer a ação. O processo foi discutido entre 2003 e 2004 para 
reunir toda a documentação e testemunhas, porque eram fatos que já 
tinham muito tempo. Em 2005, estava tudo preparado e entramos na 
justiça.
O que representa a decisão do Tribunal da Justiça de SP condenando um torturador da ditadura?
Amelinha Teles –
 A importância é grande, primeiro porque a impunidade é histórica no 
Brasil, é estrutural, quer dizer, o Estado brasileiro comete crimes 
contra o povo e isso não tem a menor importância. Esse processo rompe 
essa tradição de impunidade, rompe uma barreira histórica, sólida, das 
classes dominantes que têm todo o aparato do Estado a seu favor e podem 
torturar, matar, reprimir o povo sem nenhuma condenação. Outro aspecto é
 que é pedagógico mostrar à sociedade que nós temos que lutar pela nossa
 dignidade, que não é justo que um Estado ditatorial, assassino, que 
acusa as pessoas de terrorismo, tortura e mata essas pessoas, fique 
impune. Temos que tomar a iniciativa, eu acho que tem esse efeito 
pedagógico. E, por último, é restabelecer a dignidade, a história da 
família Teles diante da ditadura, que não foi a única, pois muitas foram
 atingidas. Eu gostaria surgissem vários outros processos de famílias 
atingidas durante a repressão. É importante também porque há um grupo de
 pessoas que são familiares – e eles gostavam de dizer que nós não 
tínhamos nenhum respeito às nossas famílias, que éramos perversos – que 
estão reivindicando justiça contra eles.
Você faz parte da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos. Quantas pessoas são desaparecidas no nosso país?
Amelinha Teles –
 Os que nós temos conhecimento são por volta de 160. Nós localizamos 
muito poucos, somente quatro ou cinco, e quem conseguiu encontrar esses 
foram os familiares. O ônus total é dos familiares, não houve apoio do 
Estado brasileiro. Eu acho que podemos localizá-los se houver vontade 
política do Estado. O Estado tem que assumir essa responsabilidade 
porque foram os agentes do Estado que mataram, ocultaram os corpos. É 
preciso ter essa responsabilidade política, essa determinação para abrir
 os arquivos militares.
Como avalia até aqui o trabalho da Comissão da Verdade criada pela presidenta Dilma?
Amelinha Teles –
 Eu acho que a Comissão da Verdade tem um papel político grande e ela 
potencializa e reforça a nossa luta, que é diária, constante e 
histórica. Acho que dá força e empoderamento a quem luta pela verdade e 
justiça há tanto tempo. A Comissão é muito heterogênea na sua 
composição, nem todos tiveram uma história ligada à resistência, às 
consequências que a ditadura trouxe para o país, então isso dificulta. 
Penso também que falta um plano de trabalho mais consistente e, 
principalmente, há falta de informação. Ontem mesmo eu vi a própria 
Comissão denunciando que os militares não estão colaborando no sentido 
de oferecer documentos e informações para esclarecer as atrocidades 
cometidas durante a ditadura militar. São dificuldades que terão que ser
 superadas com a mobilização da sociedade; temos que nos mobilizar para 
poder conseguir força para mudar esse quadro.
Também foram 
criadas Comissões Estaduais; em São Paulo, a Comissão Rubens Paiva, da 
qual você faz parte. Qual o papel dessas comissões e qual deve ser sua 
pauta?
Amelinha Teles –
 A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo tem uma pauta no sentido 
de fortalecer a Comissão Nacional. Esclarecer os desaparecidos e mortos 
políticos no Estado de São Paulo, ou que tinham algum vínculo com o 
Estado. Ela está canalizando a força da sociedade paulista na busca da 
verdade, de informações junto ao Ministério da Defesa, junto aos órgãos 
ligados à segurança pública da época, e que, ainda, de uma certa forma, 
existem nos dias de hoje.
São Paulo foi um dos 
maiores centros de tortura do Brasil. Aqui teve a Operação Bandeirantes 
(Oban) que, depois, se transformou em DOI-Codi e que se estendeu para 
todo o território brasileiro. Portanto, essa Comissão tem uma 
importância política, talvez uma das mais fundamentais de todo o Brasil.
 A própria Comissão Nacional precisa dessa. Ela tem que criar condições 
para desenvolver seu trabalho de investigação dos mortos e desaparecidos
 políticos, dos órgãos de repressão onde se deram essas atrocidades, e 
buscar garantir a organização dos arquivos que foram produzidos pela 
repressão e que ainda não estão disponíveis no Arquivo Público e 
precisam estar para serem acessados por toda a população. O povo do 
Brasil precisa conhecer a sua história. Muitos torturadores daqui foram 
matar na região do Araguaia, depois também nos países do Cone Sul: 
Uruguai, Argentina, Chile… Temos muito trabalho pela frente.
No fim deste ano, o jornal A Verdade completa 13 anos. Como você avalia o jornal e que mensagem tem para seus leitores?
Amelinha Teles –
 Eu acho esse jornal muito importante. É interessante porque ele tem o 
nome A Verdade e, realmente, em todas as oportunidades que eu tive de 
falar com o jornal, o meu pensamento foi transmitido de uma forma 
bastante democrática e detalhada, o que acho extremamente importante, 
porque a grande imprensa, ligada às elites, dá muito pouca importância 
ao que você fala; destaca às vezes uma ou outra frase fora de contexto, e
 nem o papel pedagógico se cumpre de mostrar à opinião pública o que 
está acontecendo. E o jornal A Verdade tem esse valor, de levar o seu 
pensamento para dentro das páginas. Eu acho isso muito democrático e 
necessário. E tem o valor também de ser vendido junto a uma militância 
comprometida com essa transformação social, com a justiça, que são 
questões que dão o norte para nossa luta.
Vivian Mendes, São Paulo

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