É O CURRÍCULO QUE DIZ QUEM É TOFFOLI, NÃO EU
O currículo do jovem Advogado Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, que vai fazer 42 anos em novembro, tem 34.397 toques — sem espaço — e 6.510 palavras. É coisa pra chuchu. Impressiona. Diante de tal portento, a gente logo sente palpitar a tentação de apelar a Hipócrates, mas na versão em latim, que […]
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22 fev 2017, 13h06 - Publicado em 6 set 2009, 08h43
O
currículo do jovem Advogado Geral da União, José Antônio Dias Toffoli,
que vai fazer 42 anos em novembro, tem 34.397 toques — sem espaço — e
6.510 palavras. É coisa pra chuchu. Impressiona. Diante de tal portento,
a gente logo sente palpitar a tentação de apelar a Hipócrates, mas na
versão em latim, que ganhou o mundo: “Ars longa, vita brevis” –
a arte é longa, a vida é breve. É claro que o sentido original tem de
passar por uma ligeira torção. O autor fazia uma espécie de lamento:
tanto há a fazer, e é tão curta a vida. A julgar pelo volume do
currículo, Toffoli é mais feliz do que Hipócrates: parece já ter feito
tanto em vida ainda tão curta! Estaria, assim, caracterizado o notório
saber que justificaria a sua nomeação para o Supremo Tribunal Federal
(íntegra aqui). Será?
Algumas pessoas reclamaram: “Você está
superestimando os dois concursos para juiz de primeiro grau em que ele
foi reprovado; isso não quer dizer grande coisa”. Bem, já respondi
devidamente: se a reprovação não impede a nomeação, não pode servir como
uma distinção, não é mesmo? Se elas não negam o seu notório saber, ele
não se torna notoriamente sábio por ter sido reprovado.
Estamos ainda, como se vê, em busca do
notório saber de Toffoli — para ocupar uma vaga no Supremo, bem
entendido! Foi o que me levou a seu currículo. É claro que ninguém é
obrigado a prestar concurso para juiz de primeiro grau se quer, um dia,
integrar o Supremo. Se prestar, no entanto, convém ser aprovado. Vá lá:
naqueles dois anos em que fez a prova, Toffoli poderia não estar muito
bem, não deu sorte, fez a prova em jejum, sei lá eu. Acontece. Então fui
ao seu currículo em busca das evidências de que construiu o “notório
saber” depois.
Formou-se bacharel em direito, pela
Universidade de São Paulo, em 1990. O doutorado, ele o fez na… Ops! Ele
não fez doutorado. Também não fez mestrado. Nada impede um advogado,
mesmo sem essas qualificações acadêmicas — nem todo mundo se dá bem na
carreira universitária —, de escrever livros sobre a sua área. Eu diria
até que pode haver algo de especialmente charmoso nisso. O autor se
torna, assim, uma espécie de livre-pensador, articulando, muitas vezes,
um pensamento original, mas vital, fora dos cânones. Acontece que
Toffoli também não escreveu livro nenhum. Então estamos assim até agora:
– ele foi reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeiro grau;
– ele não fez doutorado ou mestrado;
– ele não é autor de livro nenhum.
– ele foi reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeiro grau;
– ele não fez doutorado ou mestrado;
– ele não é autor de livro nenhum.
A justificar a sua condição de “favorito”
para a vaga no STF só mesmo a sua proximidade com o PT. Advogava para
Lula e para o partido quando a legenda pagou Duda Mendonça em dólares,
no exterior, com “recursos não-contabilizados”. Adiante.
E como é que, sem aprovação em concurso,
sem doutorado, sem mestrado, sem livros, fez-se um currículo daquele?
Bem, ao ler a página, ficamos sabendo, por exemplo, que, como advogado
geral da União, ele já produziu 19 súmulas, 4 pareceres e ASSINOU 3.284
manifestações protocoladas no STF e outros 280 memoriais distribuídos no
tribunal.
FICA, ASSIM, CLARO QUE ELE NÃO CHEGOU NEM
À ADVOCACIA GERAL POR CAUSA DO SEU CURRÍCULO. ELE FOI NOMEADO PARA
PRODUZIR CURRÍCULO. O MESMO ACONTECERIA CASO FOSSE PARA O SUPREMO.
Dos 34.397 toques, nada menos de 8.136 —
23,65% — são reservados às 91 entrevistas que concedeu. Na verdade, nem é
bem isso: às vezes, ele lista intervenções em programas jornalísticos
de TV, em que é apenas uma das pessoas ouvidas. Há lá um item curioso
chamado “Defesa de importantes políticas governamentais”: dedica-lhe
1.108 toques. É como se, sei lá, um pediatra fizesse questão de
destacar: “Cuida da saúde de crianças”.
Há o item “Publicações” nesta sua
biografia intelectual e profissional? Há, sim. São os 342 toques (na
verdade, 267) que seguem abaixo, na íntegra, correspondendo a 1% do
total:
6.1.1. A Constitucionalidade da Lei de Biosegurança (sic)
– Coletânea de Estudos Jurídicos em comemoração ao Bicentenário da
Justiça Militar do Brasil. Brasília, Editora STM, 2008, 1ª edição.
6.1.2. A Excelência da Advocacia Pública na Defesa do Estado e do Cidadão. Jornal Valor Econômico, 04 de fevereiro de 2009.
6.1.3. A Excelência da Advocacia Pública. Jornal O Estado do Maranhão, 08 de fevereiro de 2009.
6.1.2. A Excelência da Advocacia Pública na Defesa do Estado e do Cidadão. Jornal Valor Econômico, 04 de fevereiro de 2009.
6.1.3. A Excelência da Advocacia Pública. Jornal O Estado do Maranhão, 08 de fevereiro de 2009.
É o que o “notório saber jurídico” de
Toffoli produziu até agora em letra impressa — observando que, acima, o
mesmo artigo aparece duas vezes porque publicado em jornais diferentes. O
que realmente dá corpo ao documento são as palestras e participações em
seminários — 113 ao todo, 14.977 toques (43,54%).
Não estou desmerecendo Toffoli. Nada mais
faço do que chamar a atenção para informações que ele mesmo tornou
disponíveis. E elas demonstram por que ele não tem condições — não por
enquanto — de ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Aquelas duas
reprovações eram dados que NÃO CONTRIBUÍAM PARA PROVAR o seu “notório
saber jurídico”; o seu currículo traz dados que PROVAM QUE ELE NÃO TEM
“notório saber jurídico”.
Um candidato ao STF que tem dois míseros
artigos listados no capítulo “Publicações” deveria ser o primeiro a
reconhecer que se trata de um passo muito maior do que a sua perna pode
dar. Insistir na postulação revela uma de duas coisas, e nenhuma é boa:
ou se trata de alguém com excesso de amor próprio — incapaz de ver-se
com olhos minimamente críticos — ou sem amor próprio nenhum: está
disposto a cumprir uma tarefa a qualquer custo, pouco importando o
ridículo por que possa passar.
É legítima a pretensão de Toffoli de
integrar o Supremo. Mas ele tem de fazer por merecer. O direito tem de
vir a ser grato por seus serviços. Por enquanto, gratos lhe são apenas o
PT e Lula, seu cliente até outro dia.