sexta-feira, 23 de outubro de 2020

CORRIGINDO AS LENTES...

 

Corrigindo as lentes

Um Dia de Cada Vez
Por Dan Bianchin
 
Há alguns anos percebi que não conseguia mais ler placas... Desenvolvi uma miopia razoável por uso constante de telas; os músculos dos meus olhos desaprenderam a descansar para olhar ao longe. As vezes é bom ser míope, não enxergar todas as marcas de banana amassada que meu bebê deixou pela casa por exemplo, mas as vezes não reconheço quem abanou a mão no mercado. A questão é que minha miopia foi provocada por maus hábitos e toda vez que tento enxergar a paisagem sem óculos sou lembrada que desaprendi a descansar.
 
Pertenço a uma geração que não desliga e não se satisfaz nunca, é viciada em produtividade, reconhecimento e dopamina das redes sociais, mas a maternidade nos transforma e deixa nossos limites evidentes, graças a Deus. No processo de conhecer e aprender a respeitar meu filho, sou obrigada a diminuir o passo, olhar para dentro, e identificar enfim, as minhas necessidades também...
 
Em meio a uma pandemia, num país caótico e desigual, meses confinada num apartamento com um ser explorador de 78cm, sem piu-piu na janela, quase me dei ao luxo de viver uma crise vocacional, mas percebi no meio do caminho que era tempo de viver outro tempo. Não fomos feitos para agarrar, compreender, entender tudo, estar conectados ininterruptamente... nossos corpos precisam de pausa. Eu preciso aceitar minha humanidade e reaprender a encontrar descanso em meu salvador.
 
Não acredito que a imaturidade cerebral das crianças seja em vão. Todo cuidador entregue ao processo vive a pedagogia de lidar com alguém totalmente dependente para se nutrir, dormir, regular as emoções e uma hora ou outra aceita a dolorosa didática de se tornar exemplo. Nossas hipocrisias e vulnerabilidades são reveladas e podemos provar da provisão e misericórdia do Senhor renovando nossas forças.
 
Lembro que quando meu filho completou quatro meses, ele que nunca foi de chorar, passou a “brigar" com o sono, gritava sem motivo aparente e até perdia o fôlego - uns chamam de salto de desenvolvimento, passou, sem intervenções, mas nesses episódios eu o carregava no colo e sussurrava canções que me lembravam de quem Deus era e que estávamos seguros. Era tão claro o recado que não consigo chamar de metáfora...
 
“Retorne ao seu descanso, ó minha alma, porque o Senhor tem sido bom para você” (Salmos 116.7).
 
Aquieta-te alma, Jesus Cristo venceu a morte, não há nada fora do alcance do amor do Senhor, Ele verdadeiramente ressuscitou e isso impacta nossas vidas ordinárias, nosso maternar, dia após dia temos nova chance de sermos inteiras, de reaprender a brincar sentadas no chão, de exercer uma presença verdadeira. Olhe as montanhas, olhe o céu, respire fundo, Jesus acolhe nossa história torta, nossas incongruências, nosso sono atrasado, necessidade de conexão, nossos corpos doloridos e até nosso desejo de comer brigadeiro. Dia após dia, como diz Tish Warren, aquEle que é a Palavra nos encontra na nossa falta de palavras.
 
Vivemos momentos que podem parecer hiatos, ultimamente tudo tem soado estranho, barulhento e eu não tenho sentido a presença de Deus, mas tenho aprendido a me agarrar as promessas, pois Ele é fiel, é bom e está fiando nosso caráter, momento após momento e um dia de cada vez. O Espírito, os sacramentos e as escrituras são as lentes que corrigem minha miopia para viver o Reino de Deus aqui e agora. 
 
“Aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1.6).
 
• Dan Bianchin, 29 anos, esposa do Thi, mãe do Tito, maltrapilha e peregrina, com saudades de casa...
 
Crédito da imagem: Thiago Costa, @ateliemild

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