Corrigindo as lentes
Um Dia de Cada Vez
Por Dan Bianchin
Há
 alguns anos percebi que não conseguia mais ler placas... Desenvolvi uma
 miopia razoável por uso constante de telas; os músculos dos meus olhos 
desaprenderam a descansar para olhar ao longe. As vezes é bom ser míope,
 não enxergar todas as marcas de banana amassada que meu bebê deixou 
pela casa por exemplo, mas as vezes não reconheço quem abanou a mão no 
mercado. A questão é que minha miopia foi provocada por maus hábitos e 
toda vez que tento enxergar a paisagem sem óculos sou lembrada que 
desaprendi a descansar.Pertenço a uma geração que
 não desliga e não se satisfaz nunca, é viciada em produtividade, 
reconhecimento e dopamina das redes sociais, mas a maternidade nos 
transforma e deixa nossos limites evidentes, graças a Deus. No processo 
de conhecer e aprender a respeitar meu filho, sou obrigada a diminuir o 
passo, olhar para dentro, e identificar enfim, as minhas necessidades 
também...
Em meio a uma pandemia, num país caótico
 e desigual, meses confinada num apartamento com um ser explorador de 
78cm, sem piu-piu na janela, quase me dei ao luxo de viver uma crise 
vocacional, mas percebi no meio do caminho que era tempo de viver outro 
tempo. Não fomos feitos para agarrar, compreender, entender tudo, estar 
conectados ininterruptamente... nossos corpos precisam de pausa. Eu 
preciso aceitar minha humanidade e reaprender a encontrar descanso em 
meu salvador.
Não acredito que a imaturidade 
cerebral das crianças seja em vão. Todo cuidador entregue ao processo 
vive a pedagogia de lidar com alguém totalmente dependente para se 
nutrir, dormir, regular as emoções e uma hora ou outra aceita a dolorosa
 didática de se tornar exemplo. Nossas hipocrisias e vulnerabilidades 
são reveladas e podemos provar da provisão e misericórdia do Senhor 
renovando nossas forças.
Lembro que quando meu 
filho completou quatro meses, ele que nunca foi de chorar, passou a 
“brigar" com o sono, gritava sem motivo aparente e até perdia o fôlego -
 uns chamam de salto de desenvolvimento, passou, sem intervenções, mas 
nesses episódios eu o carregava no colo e sussurrava canções que me 
lembravam de quem Deus era e que estávamos seguros. Era tão claro o 
recado que não consigo chamar de metáfora...
“Retorne ao seu descanso, ó minha alma, porque o Senhor tem sido bom para você” (Salmos 116.7).
Aquieta-te
 alma, Jesus Cristo venceu a morte, não há nada fora do alcance do amor 
do Senhor, Ele verdadeiramente ressuscitou e isso impacta nossas vidas 
ordinárias, nosso maternar, dia após dia temos nova chance de sermos 
inteiras, de reaprender a brincar sentadas no chão, de exercer uma 
presença verdadeira. Olhe as montanhas, olhe o céu, respire fundo, Jesus
 acolhe nossa história torta, nossas incongruências, nosso sono 
atrasado, necessidade de conexão, nossos corpos doloridos e até nosso 
desejo de comer brigadeiro. Dia após dia, como diz Tish Warren, aquEle 
que é a Palavra nos encontra na nossa falta de palavras.
Vivemos
 momentos que podem parecer hiatos, ultimamente tudo tem soado estranho,
 barulhento e eu não tenho sentido a presença de Deus, mas tenho 
aprendido a me agarrar as promessas, pois Ele é fiel, é bom e está 
fiando nosso caráter, momento após momento e um dia de cada vez. O 
Espírito, os sacramentos e as escrituras são as lentes que corrigem 
minha miopia para viver o Reino de Deus aqui e agora. 
“Aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1.6).
• Dan Bianchin, 29 anos, esposa do Thi, mãe do Tito, maltrapilha e peregrina, com saudades de casa...
Crédito da imagem: Thiago Costa, @ateliemild
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