José Renan Vasconcelos Calheiros, natural de Murici, entrou no saloon da baixa política pela última porta do corredor à esquerda de quem chega: nos anos 70, enquanto cursava a Faculdade de Direito em Maceió, matriculou-se no PCdoB e logo se elegeria deputado estadual com o apoio da seita comunista. O rebanho tinha mudado de bússola. Trocara a China pela Albânia, Mao Tsé-tung por Enver Hoxja, o mato pela capoeira. O livro de pensamentos do ditador albanês era tão profundo que as cabras montanhesas daquele grotão europeu poderiam, como a formiguinha de Nelson Rodrigues, atravessá-lo com água pelas canelas. Quem serve voluntariamente nas galés de um Enver Hoxja embarca em qualquer canoa, confirma o ziguezague de Renan.
Achou boa ideia transformar o prefeito e depois deputado federal Fernando Collor em alvo predileto. “É o príncipe herdeiro da corrupção”, recitou anos a fio. Achou melhor ainda a ideia de aceitar o convite do governador Fernando Collor e assumir a Secretaria da Educação. “Apesar de adversários no passado, sempre fomos amigos”, fantasiou. Nunca seriam amigos. Foram cúmplices quando as circunstâncias recomendavam.
Renan estava no famoso jantar em Pequim durante o qual emergiu a ideia que parecia conversa de fim de noite num botequim de Maceió: que tal transformar o governador na cabeceira da mesa em presidente da República? Meses depois, ambos homiziados numa esperteza batizada de Partido da Reconstrução Nacional (PRN), Collor e o líder da bancada do governo na Câmara dos Deputados subiram juntos a rampa do Planalto. O aliado Renan Calheiros defendeu com veemência o conjunto de medidas hediondas que incluiu o confisco da poupança. “Quem não entender que o Brasil mudou perderá o bonde da História”, comunicou à nação. O desafeto Renan Calheiros defendeu com igual veemência o impeachment do ex-parceiro que não subira no bonde que fretou para eleger-se governador. O bucaneiro oportunista mandou chumbo em tudo que se movesse no navio corsário do qual saltara ao pressentir o naufrágio. Só poupou Itamar Franco. Depois trocou Itamar por Fernando Henrique Cardoso e ganhou o Ministério da Justiça. Em seguida trocou Fernando Henrique por Lula. Em fevereiro de 2005, aos 55 anos, virou presidente do Senado.
O clássico da chanchada pornopolítica em que contracenou com a jornalista Mônica Veloso apressou a barganha repulsiva: em 4 de dezembro de 2007, para escapar da cassação do mandato por quebra de decoro (corrupção graúda, em língua de gente), renunciou ao comando do Senado e seguiu usando a carteirinha de congressista. Voltou ao palco meses mais tarde. Arrendado por Lula para liderar a guerra pelo sepultamento da CPI da Petrobras, o general da banda podre convocou para o combate o de novo comparsa Fernando Collor, rebaixado a ajudante de ordens, e foi à luta. Nas semanas seguintes, Renan foi mais Renan do que nunca. Caprichando no sotaque de cangaceiro, insultou quem dele discordava, valeu-se de chantagens e extorsões para inibir oposicionistas, achincalhou o Conselho de Ética, desmoralizou a CPI e conseguiu cumprir a missão abjeta que Lula lhe encomendara. De lá para cá, continuou a fazer o que pode e o que é proibido para transformar o Senado num clube de cafajestes da terceira idade.
Em nações civilizadas, o Atleta da Odebrecht estaria na cadeia há muito tempo. Num Brasil abastardado pelo Supremo Tribunal Federal, Renan segue driblando a capivara cevada pela pilha de processos e inquéritos. Em vez de temporadas na gaiola, coleciona mandatos na presidência do Senado. Até agora são três. Vai começar a campanha para chegar ao quarto na quinta-feira, fantasiado de relator da CPI da Pandemia. Só no País do Carnaval um investigado investiga. O criador do codinome do senador merece alguma condecoração. Sem sair da Praça dos Três Poderes, sem se afastar de cargos relevantes, Renan Calheiros foge da Justiça há quase 30 anos. É o nosso Usain Bolt da corrupção. É um tremendo Atleta.
De Augusto Nunes, Revista Oeste.
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