Três expressões da face de Cristo em um mundo multifacetado
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).
Vivemos
em um mundo multifacetado. Temos muitas faces que vão mudando
rapidamente. Somos seres confusos que não perseveram, nem firmam seus
passos em convicções profundas e permanentes. E o conflito entre
gerações nasce disso, isto é, não reconhecemos mais o rosto do outro.
Quem pode definir qual a face da juventude atual? Quando deduzimos que
sabemos, ela já mudou. Nada mais é estático, imóvel, agendado, fixo,
sistematizado, controlado. Tudo é dinâmico, surpreendente, livre,
descontrolado.
Nesse contexto, entendo que a Igreja de Cristo tem dois grandes desafios, um de ordem comunitária e outro de ordem pessoal:
1) O primeiro é ver e reconhecer Cristo em uma comunidade intergeracional;
2) O segundo é manter o olhar fixo na face de Cristo (Hb 12.2).
O
caminho para enfrentar tais desafios passa, antes de tudo, pelo firme
compromisso de colocar Cristo no centro de nossas vidas e igrejas. Isso
não significa ignorar ou isolar as outras pessoas da Trindade, mas dar
luz à dinâmica da comunidade divina a partir da presença encarnacional
de Jesus Cristo. Para isso, baseado na autodeclaração do Senhor (Jo
14.6) em um momento de angústia dos discípulos diante de um futuro sem a
presença do Mestre, quero propor três expressões da face de Cristo que
relevam sua identidade e nos dão um norte para nossa própria identidade
como filhos de Deus. Mas antes vale a pena afirmar que só é possível
contar e recontar essa história da presença de Cristo por meio de três
virtudes fundamentais: pela fé, pela esperança e pelo amor (1 Co 13.13).
Sem elas, seremos apenas idealistas religiosos em busca de um elo
perdido que nunca será encontrado. A vida real exige de nós nada menos
que fé, esperança e amor.
“Eu sou o Caminho...”
O
“caminho” é uma rica metáfora, cheia de significados, de impulsos, de
estímulos, que ilustra bem o mundo hoje, sempre em movimento. Nós,
cristãos, somos esses andarilhos e peregrinos a caminho de um destino
glorioso. Para muitos, o lugar onde vivem é um “deserto” de sofrimento a
ser percorrido; para outros são “pastos verdejantes” que alegram o
coração. Não importa onde estamos, sempre experimentaremos dores e
alegrias, nascimentos e lutos, chegadas e despedidas. A imagem de um
caminho também nos lembra a “conversão”, um tema tão caro à narrativa
cristã evangélica e que leva as pessoas a uma miraculosa e radical
mudança de sentido do caminho percorrido. Para os jovens, “caminhar”
representa assumir a responsabilidade de escolha, de rumo; para outros,
significa encontro ou reencontro, gerar conexão pessoal em um mundo
despersonalizado. A verdade é que enquanto caminhamos, descobrimos nossa
identidade e encontramos um ritmo que é só nosso. Por tudo isso, a
metáfora do caminho é muito profunda e rica e evoca dinamismo, ritmo,
respiração, vida.
Diante da face-caminho de Jesus, nosso
desafio é deixar-nos surpreender sempre por ele e continuar convidando
gerações diferentes a caminharem junto conosco no caminho de Jesus, onde
ele mesmo se revela no partir do pão e na oração (Lc 24.13). Cristo é o
Caminho, e isso molda totalmente nossa caminhada, nossos passos, nosso
espírito. O Cristo que é o caminho também nos ensina a caminhar e grita
aos nossos ouvidos: “não desista, siga em frente!”.
“Eu sou a Verdade...”
Jesus
Cristo é a Verdade, e não há notícia melhor que essa, porque se ele é a
Verdade, não há espaço para manipulações, nem abuso de poder por quem
acha que a detém. Ele é essa unidade invencível de amor e verdade, como
disse João: “A Palavra que se tornou ser humano e morou entre nós, cheia
de amor e de verdade” (Jo 1.14). O que a juventude busca é exatamente
isso: o amor e a verdade. Mas o que o mundo a oferece é: ou um amor
falso ou uma verdade sem amor. Muitas vezes, infelizmente, é isso que as
igrejas também oferecem. O desafio é oferecer às novas gerações a
verdade completa e o amor completo.
Colocar a verdade no
centro é desenvolver uma transparência madura, que enfrenta os erros e
corrige com amor. É buscar relações verdadeiras, promover arrependimento
e perdão entre pais e filhos, entre irmãos, entre amigos. O papel da
igreja vai além de explicar a Verdade; é, acima de tudo, vivê-la.
A
presença de Cristo se revela na Verdade que descortina corações e
purifica intenções. Colocar Cristo no centro é render-se ao Espírito da
Verdade, “que nos guiará a toda a verdade” (Jo 16.12) e que retira de
nós o falso controle sobre as pessoas, as circunstâncias e as
instituições.
“Eu sou a Vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.”
E,
por fim, Jesus é a síntese do que é a vida. Aqui eu quero destacar que a
comunidade cristã é um dos ambientes mais ricos para nos ajudar a
entender isso. Para a maioria das pessoas, o trabalho molda a vida, mas
esse papel é da igreja, não das empresas! Quando a igreja cumpre o seu
papel, ela nos prepara para viver além dela, inclusive, no ambiente de
trabalho, onde passamos a maior parte do nosso tempo.
Mas
como a igreja pode ajudar as gerações a viver hoje? A resposta é: ela
mesma vivendo como Cristo viveu. Esse anúncio do evangelho com a vida
marca profundamente as pessoas. É como o chamado de Jesus para os
primeiros discípulos: “sejam pescadores de gente” (Mt 4.19). Ou seja,
toquem as pessoas!
Ser igreja é ser gente em sua
plenitude junto com outros, conforme Jesus nos ensinou. É lutar em favor
da vida, contra toda a banalização da morte. É enfrentar o luto como um
aprendizado da existência: morrer para viver. É amadurecer o coração em
torno da solidariedade e da compaixão pelo próximo, inspirados pela
graça daquele é venceu a morte.
Para aprendermos a viver
precisamos nos relacionar com gerações diferentes. Esse é um desafio
para os jovens, mas também para os mais idosos. Mais uma vez, a igreja
pode ser um instrumento de Deus para fortalecer o seu povo. Mais uma
vez, só conseguiremos fazer isso se olharmos fixamente para Cristo, que
nos ensinou a viver a verdadeira vida. Como disse Irineu (segundo
século), “Deus tornou-se o que somos para poder nos transformar, no
final, no que Ele é”.
A Igreja é esse ambiente profícuo
que Deus nos proporcionou para reconhecermos continuamente a presença de
Cristo enquanto caminhamos, enquanto aprendemos a Verdade e enquanto
vivemos. Ela nos faz enfrentar o desafio de viver entre gerações e de
amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos (Mc
12.29-34).
Eu termino esse texto com uma pergunta:
Como a sua trajetória pessoal e comunitária ajuda você a enxergar as muitas faces de Jesus hoje?
Pense nisso e desafie a si mesmo – em companhia de outros – a reconhecer a doce e maravilhosa companhia do Senhor para enfrentar o mundo!
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