O
festejar sertanejo em Guimarães Rosa
Este é
o tema de um famoso conto do escritor mineiro. Nele, a cachaça e a música nos
conduzem através de uma etnografia da celebração no interior do país, que faz
soar uma sinfonia de estórias, entre os dramas da consciência do herói e
antigos arquétipos revividos.
A
Biblioteca Virtual do Pensamento Social (BVPS) e Outras Palavras publicam o
penúltimo texto da série A mesa dos mineiros narra Minas, escrito por Maurício
Ayer (TEL/UnB). O autor parte do conto “Uma estória de amor” (Festa de
Manuelzão), de Guimarães Rosa, para refletir sobre o celebrar. Mostra que, na
roça, não há festa sem cachaça, elemento que atravessa tanto a etnografia
participante do sertão quanto a elaboração interior de Manuelzão. O beber farto
e tranquilo indica harmonia: a cachaça torna as pessoas mais aptas ao encontro,
verdadeira razão da festa, que interrompe o trabalho cotidiano e aproxima os
vizinhos, lembrando que são eles que formam nossa humanidade. Nessa convivência
alegre e desinibida, Rosa se mostra um escritor-fermentador, que extrai da
terra os aromas, cores e sabores que, ao fogo de sua arte, revelam algo do
plano mítico. Curada por José Newton Coelho Meneses, esta série da Coluna Minas
Mundo propõe investigar a mesa mineira como linguagem e expressão de um
cosmopolitismo cultural próprio da região. Os textos estão sendo publicados
quinzenalmente às quartas-feiras. Outros textos da série podem ser conferidos
aqui.
“Ia
haver festa”, inicia João Guimarães Rosa o seu conto “Uma estória de amor
(Festa de Manuelzão)” (Rosa, 1984 [1956]), a declarar seu tema: o celebrar. Na
roça, não há festa sem cachaça, e é isso vai nos ocupar neste rolo de texto
virtual. É um conto? Creio que podemos chamá-lo assim, pois um mesmo núcleo
mantém a narrativa coesa, embora a esse fio muitas estórias venham
dependurar-se, ao modo de um varal rapsódico. Esse dispositivo de coesão é,
sublinhe-se, a “consciência” de Manuelzão, que tudo acompanha de perto, já que
ele é ali o capataz-chefe – respeitado por todos e honrado em seu posto pela
palavra do proprietário da terra, Federico Freyre –, preocupado em assegurar o
bom acontecer dos ritos, o bem-estar e a diversão dessa comunidade ampla que se
reuniu para homenagear sua capelinha. Assim, o conto constrói uma espécie de
etnografia participante do celebrar sertanejo, que é atravessada, na
consciência do observador, por um mergulho em sua psicologia, ao modo não
propriamente de uma autoanálise, mas de um remoer em tempo real de certos “nós”
que Manuelzão se esforça por desatar, elaborar.
Por
entre esses dois planos entremeados, Rosa faz atravessar um terceiro, de
registro arquetípico. E o faz sem alarde. Vejamos. Onde a estória nos situa? No
Norte de Minas Gerais, numa cartografia pontuada por Andrequicé, Pirapora, o
rio de-Janeiro, paisagem de tantas estórias do autor e muito bem construída por
suas coisas e personagens: os vaqueiros, as mulheres cuidando da preparação da
capela para a festa, as gentes que chegam e acampam, a música de rabeca e
sanfona, as danças, o riachinho que secou e motivou a construção e dedicação de
uma capela à santa, a comida e a cachaça. Mas o nome do lugar tudo desloca:
aquele arraial chama-se “Samarra”, que ocorre de ser (também) o nome de uma cidade
milenar da antiga Mesopotâmia, à margem do rio Tigre, no atual Iraque, que o
senso comum ensina a chamar de “o berço da civilização”. Ali é um “lugar”
(qualquer) mas também o “Lugar”. O recurso a uma simples inicial maiúscula
produz essa passagem: há a casa de Manuelzão e a Casa; a festa e a Festa. E há
ainda outros modos de desdobrar a vida miúda num plano muito mais amplo, por
exemplo: os pobres a chegar “rogavam para o rugoso Céu, com estrelas, mas
cheios de sobrolhos, serenando na estrada-de-santiago”; esta expressão designa
a Via Láctea, ao mesmo tempo que reafirma: destino de peregrinação, nessa hora
um arraialzinho no sertão mineiro é, também, Compostela.
Este
tríplice mover do tempo acontece ininterruptamente, em simultâneo. O tempo
social da história, situável na cronologia, ainda que num passo de longa
duração, se vê embebido daquilo que Georges Didi-Huberman chamou de
“inconsciente” (das imagens, das cenas), que é anacrônico como o sonho, podendo
apontar para frente ou para trás, numa trama multidirecional. A capela
construída por Manuelzão ia fazer daquele fim de mundo um lugar: “queria uma
festa forte, a primeira missa. Agora, por dizer, certo modo, aquele lugar da
Samarra se fundava.” O marco fincado no chão estabelece o zero do tempo-espaço,
o lugar nasce para o porvir. O nome de dois personagens condensam essa
temporalidade: João Urúgem funde “Ur” (o arché alemão) com “origem” e resulta
num quase pio de coruja na noite da consciência; outro, ajudante de Manuelzão,
cunhado de seu filho, é o Promitivo – o “primitivo” em fusão com a “promessa”,
o que virá. Então esta é a Samarra ancestral, onde nasceu a humanidade
sedentária, cultivadora e criadora, e ao mesmo tempo uma outra onde apenas se
plantou o primeiro cruzeiro. Amarras.
No
ínterim, as pedras que sustentam e dão forma à celebração vão sendo colocado,
um roteiro que, a seu modo a cada vez, se repetirá em toda festa. Começa na
véspera, com a preparação de tudo e a chegada das gentes de toda parte,
demandando hospitalidade e sendo acolhidas com o adequado rito. Cada família
traz uma estória, um causo, um acontecido, que vai compondo o mosaico, o
colorido do varal. A festa propriamente se inicia na manhã seguinte, com a
sagração do lugar e do dia (a missa). Trocam-se os produtos do trabalho (o
leilão de animais). Há música e dança, há olhares, gestos, namoros e saudades,
quem sabe conta estórias, como Joana Xaviel na noite da véspera e o velho
Camilo na noite seguinte, os demais ouvem e admiram. E o sol haverá de
ressurgir no horizonte para que se cumpra o turno completo da noite festeira,
pequeno ciclo luminoso circunscrito nos círculos da vida.
“E… era
uma vez uma vaca Vitória: caiu no buraco – e começa outra estória… e era uma
vez uma vaca Tereza: saiu do buraco – e a estória era a mesma…”
Pois ia
haver festa, e onde tem festa, tem cachaça. Naturalmente, a caninha também
atravessa esse bordado de tempos, essas amarrações… (Parênteses: esse aflorar
da cena em sua complexa temporalidade anacrônica, Didi-Huberman chama de
sintoma; mas eu, pra não chamar doença, prefiro pensar como sinfonia, esse soar
junto de fluxos temporais heterogêneos, um pouco inspirado na reflexão de
Haroldo de Campos sobre memória e tradição, em que pondera a musa entre o museu
à música, e um muito inspirado na Sinfonia de Luciano Berio: o acontecimento
histórico como um bosque quântico de reminiscências e remissões
multidirecionais, uma peripécia que é, paradoxalmente, anacrônica e
integralmente feita de tempo.) A cachaça, dizia eu, permeia a etnografia
participante de Manuelzão, e também tem um papel na elaboração interna do
herói. E haverá de tocar o arquetípico, como não?
Quem
primeiro traz a cachaça à cena da festa é o músico Chico Bràabóz, “o preto da
rabeca” (com seu sobrenome, transfiguração de Barbosa, que figura na grafia a
sua cara de brabo). “Chico Bràabóz, que tinha feições finas de mouro, nariz
pontudo. Ele recendia a aguardentes, mas tinha muitas memórias: as músicas, as
danças, as cantigas” (p. 171). A cachaça se anuncia pelo cheiro de um músico
que traz, em suas feições, a fusão de (in)certas origens evocadas, mas também a
memória condensada do que jorrará para a celebração. A descrição do músico é a
do próprio motor da festa, e veremos o quanto ele é abastecido, do princípio
até o fim, com seu combustível, a aguardente:
Chico
Bràabóz, preto cores pretas, mas com feições. Ô homem da pólvora quente! Se
chegava, animante, simples social, o mundo inteiro pregado na ponta de seu
nariz. Até todo apelido ele aceitava: Chico dos Alvores, Chico da Sorte, Chico
Seja, Chico Praz – e o que por aí se quisesse. Vinha vindo já todo inventado,
saramicujo, fazendo muita serenância. As lábias lérias. Já estava meio
chumbado, bebeu mais do que o copo manda (p. 202).
Acompanhando
os cantos que Chico canta, com a participação de toda a roda no coro, vemos que
eles compõem uma metanarrativa da vida, destilando em versos improvisados uma
doutrina de humildade: os “nossos” grandes feitos contrastam com o porquê que
os arrazoa, traduzido como “um nada”, “uma coisa à toa” ou uma talagada, como
nessa quadrinha:
Travessei
o São Francisco
Montado
numa cabaça:
Arriscando
minha vida
Por um
gole de cachaça…
–
Olerê, canta! (p. 207)
E bem
depois, festa adiantada toca “a mazurca ‘A Caninha’ ou ‘Cana Caiana’” (p. 228).
Para o serviço, quem administrará a distribuição da bebida é o Joãozim
vendeiro, que trouxera “um carro-debois cheios, em duas viagens” (p. 201), com
tudo o que pudesse vender, como comidas e bebidas, inclusive “garrafas de
conhaque e cachaça”. Noutro lado da festa, no leilão, “alguém tinha arrematado
uma garrafa de moça-branca” para o dono da festa.
Aqui já
caminhamos plenamente na trilha da etnografia rosiana. Cerveja na roça não é
para todo dia, mas em dia especial se consome: “Também se bebia. As cervejas –
a outra e a preta – e o bom vinho de buriti, rososo, o qual feito em princípios
de setembro, quando o coqueiro lateja mais encorpado de caldos e o fermento
tange mor de virtude. Mastigavam e tomavam, nas alegrias” (p. 215). E pode
servir, como a pinga, para limpar a voz para um pronunciamento importante:
“Manuelzão espiou em redor, limpou a goela, ele tinha pensado aquele momento,
decidido segurava um copo de cerveja” (p. 216).
É claro
que a narrativa não poderá descrever a celebração em toda minúcia o tempo todo,
já que “a festa era o a-esmo, um acontecido de muitos, os espaços, uma coisa
que não se podia pegar” (p. 209). Manuelzão, para saber dos seus se estavam
apreciando, convida a um trago: “– ‘Seo Leovigildo, compadre Cupertino: estão
gostando?’ ‘– Demais.’ ‘– Vamos abeirar, beber qualquer braba?’ ‘– Já se bebeu,
Manuelzão, Deus lhe saiba…’ Todo o mundo se associava ali, estavam gostando,
pelo esperado” (p. 209). Nota-se a satisfação do anfitrião com o que aferiu em
sua enquete: o beber farto – em paz – é aqui um indicador de que a função corre
bem.
Um
viajante que chegou mais tarde, dá ao anfitrião seu “matungo” pra poder
“satisfazer um golinho desta sua festa…”, e ao dizê-lo serve-se, igualando a
celebração a uma caninha que se degusta (p. 213). E noutro lado circula uma
modalidade especial da bebida: “E correr pelo povo os garrafões da azulzinha
beijadeira – negócio como se diz: esses palhaços no palhiço. Eta, festa! Como
se queria uma alegria” (p. 218). A “azulzinha”, produzida tradicionalmente em
vários lugares, costuma ser uma aguardente produzida com folhas de um cítrico,
como laranja ou mexerica, colocadas no pescoço do alambique durante a
destilação. Ela adquire um brilho azul e um suave aroma. E aqui é o combustível
que faz arder a alegria.
Toda
essa cachaça torna as pessoas mais aptas ao encontro, e a festa é, em última
instância, para isso. É, como explica o Rosa, a interrupção no trabalho
cotidiano – o corte. Pois “trabalhar é se juntar com as coisas, se separar das
pessoas”. Pela festa, deixamos as nossas vacas, galinhas, roças e computadores
por um momento para estarmos disponíveis apenas às pessoas. Cada um vai querer
se mostrar no seu modo mais encantador – por isso há roupas especiais, cabelos
ou joias, mas também as falas bem colocadas e a facilidade do sorriso, o gostar
um pouco mais de quem estão conosco em nossa trajetória. É um jeito de lembrar
que, dos milhões de lugares do mundo, calhou de eu viver aqui; das bilhões de
pessoas viventes, são essas dezenas que constituem a minha humanidade. São “os
vizinhos de todas as veredas, o mundo”. E a cachaça desinibidora, é provedora
de simpatia. Afinal a festa deve ser “o risonho termo e começo de tudo, a gente
desmanchando tudo, até o feito com seu suor do trabalho de sempre; e sem
precisar, depois, de tornar a refazer”.
No
centro da festa estão os músicos, e o seu líder, o mencionado Chico Bràabóz,
chega mamado e segue alimentando o seu fogo. Quando faz um intervalo, é para
conversar e beber: “– ‘Vai um tome-juízo, seo Chico?’ ‘– Pois até não
desaceito, Manuelzão. Quando bebo um gole, fico mais prazido…’” (p. 225).
Manuelzão reflete sobre o personagem:
Chico
Bràabóz era até trabalhador. Plantava seu prato de feijão, mas, com a rabeca,
ele puxava toda a toada – a gente não se escorasse, ele mandava na gente. –
“Outro gole, seo Chico?” – “Escorre. O mundo acaba é pra quem morre!” Tomava.
(…) Aquela alegria era forte, mas falseava. Toda tirada expressamente da
patrícia da garrafa, que nem um remédio bravo (p. 225).
O beber
um gole e ficar “mais prazido” são analisados pelo psicólogo Manuelzão
(confundido com o narrador), que vê como a cachaça tem para Chico a função de
produzir uma alegria, como um remédio, donde talvez se entenda a bebedeira
constante, o permanente falar rimando. Ele bebe para sustentar sua máscara, que
é também um ensaio de ser, encantador até, mas que lhe consome energia. Chico
deseja estar feliz, mesmo artificialmente, com o uso de uma droga. Vemos isso,
sempre, pelo olhar de Manuelzão, que nessa hora contrasta a ansiedade do músico
com a parcimônia do velho Camilo, esse senhor octogenário, que bebe apenas para
não dizer não ao Chico, que o convida, como quem impõe: “– ‘Vamos consumir uma
jenuária, seo Camilo?’ ‘Será dúvida? Já estou bebido, por sua bondade…’ ‘– Pois
mais, seo Camilo. Hoje é festa…’ Tinha de tomar. Tomava. Assaz vagaroso,
fechando meio os olhos. Seo Camilo – era o velho delicado” (p. 227).
De
perto, portanto, a cachaça – e o modo de consumi-la – mostra um acesso às
personalidades, nos seus modos e modulações, de cada um. E aqui já estamos
naquela segunda instância temporal, a do remoer interno. É claro que quem mais
o faz, por ser a consciência aberta a nós leitores, é Manuelzão. Este consome
seu tempo a ruminar sobre sua condição de homem maduro, já começando a ser
velho, que não se casou, e permaneceu ligado à mãe – talvez excessivamente? Até
a capelinha que motivou a festa é um presente póstumo à genitora. Imerso neste
tema, que cutuca sua insegurança de ser homem suficientemente, Manuelzão, no
íntimo, perquire os casais, projeta-se no lugar do homem, como é o caso de seu
olhar insistente sobre Joana Xaviel, colocando em dúvida se o velho Camilo
comparece como homem. Mas é principalmente o caso de Leonísia, sua nora, que
ele admira em sua beleza e na inteireza do exercício de seu papel de mulher,
com todos os cuidados inclusive para com ele, em relação à qual ele põe em
dúvida o mérito de seu filho como homem. Adelso parece não ter presença e
iniciativa, e toca-o especialmente o fato de o filho (fruto de um
relacionamento passageiro) não se propor a tomar o seu lugar na condução de uma
boiada, que sairá após a festa.
É em
meio a essa ruminação que Manuelzão vai em busca de um argumento: “Não sabendo,
se chegou, com uns, para a barraquinha do Joãozim da Venda. Queria beber uma
januária” (p. 209, grifo meu). Aqui cabe acrescentar umas informações: a cidade
portuária de Januária, à margem do São Francisco, é famosa por sua cachaça
armazenada em enormes dornas de amburana, essa madeira muito aromática que se
tornou, expandindo-se a partir da tradição norte-mineira, um patrimônio
cachaceiro do país. Rosa fala dela em outros escritos, como no Grande Sertão:
Veredas ou no conto “Minha Gente”, do Sagarana. Uma “januária”, assim, com
letra minúscula, é um tipo muito específico de cachaça, com aroma e sabor
peculiares, que Manuelzão busca não para prover-se de animação, mas, ao
contrário, para melhorar o trato e o contato consigo mesmo. Nessa hora, o trago
acalma e nos torna mais íntimos de nós mesmos, e é o que o herói parece buscar:
a festa em pleno curso, é tempo de soltar as rédeas de seu trabalho interno,
sua escuta de si.
E como
a cachaça toca o arquetípico? Diria que esta, como outras narrativas de Rosa,
tem algo da cachaça em sua estrutura mesma, que está relacionado ao processo
alquímico da destilação. Em algum momento uma essência se revela, se desmistura
da matéria farta da vida para figurar-se no plano neoplatônico de uma verdade.
“A hora e vez de Augusto Matraga” é assim, “Corpo Fechado” também (ambos do
Sagarana). Como se Rosa fosse primeiro um escritor-fermentador, que procura
extrair da matéria-prima colhida na (sua) terra o máximo de aromas, cores e
sabores, os quais ele espalha e deixa proliferar ao longo da escrita; então,
Rosa expõe essa matéria múltipla e rica ao fogo direto de sua arte, revelando
algo que, em sua imperenidade, toca o plano arquetípico, ou mítico.
Nessa
rapsódia sertaneja, o grande ato é o que revela o velho Camilo como contador de
estórias. Ele, que é descrito no início como “apenas uma espécie doméstica de
mendigo, recolhido, inválido, que ali viera ter e fora adotado por bem-fazer,
surgido do mundo do Norte”, de repente se revela o rapsodo por excelência – ao
lado de sua companheira, que abrira a festa, Joana Xaviel. “Com facho, tocha,
rolo de cera aceso, e espertem essas fogueiras – seo Camilo é contador!” (p.
242). Mas se “Joana Xaviel sabe mil estórias”, e atua principalmente na
véspera, desdobrando-se entre crianças, mulheres e homens com seu corpo
vibrante e presente, seo Camilo, já quase descorporificado, vai contar uma só
estória, a do Menino, do Cavalo, do Boi Bonito… a modo de mito do lugar, onde
um riachinho se enuncia: “Sou riacho que nunca seca…” (p. 253). Como a água-da-vida
que corre nos cursos de um certo lugar sagrado onde se chega após o mundo se
acabar. Joana Xaviel é a fermentação dos frutos da terra, seo Camilo é a sua
destilação. E a expressão “estória de amor”, que dá título ao conto, quando
aparece é para falar dos dois.
O mundo
da Samarra, finalmente, não se acaba. Mas a folia, sim. Vê-se que “A festa não
é pra se consumir – mas para depois se lembrar…” É quando a história começa, e
a história, ensina o benjaminiano Didi-Huberman (2025: 101), “está sempre por
recomeçar”.
Fica
difícil não terminarmos cá com as próprias palavras finais do conto, na voz de
Manuelzão: “A boiada vai sair. Somos que vamos” (p. 258).
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