quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

REFLEXÃO ...04

 

Opinião – Quando a ‘consciência’ se torna uma senzala – por Jénerson Alves*

Mário Flávio - 21.11.2020

Celebrado em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra é, em tese, um momento para refletir sobre o racismo e o preconceito. A data foi escolhida em alusão à morte de Zumbi, um líder sobre o qual pouco se sabe. As poucas informações acerca da vida do quilombola e a ausência de um legado palpável são tratados como de somenos importância por aqueles que se valem da efeméride para apregoar visões ideológicas. Ao invés de um debate sobre problemas reais, por vezes, a data se transforma em uma mera cantilena de jargões inúteis, ideologizados, que em pouco (ou nada) contribuem com o debate público.

 

Quando sobram discussões vagas, faltam espaços para reflexões. Sem um aprofundamento de conteúdo, a tal da “Consciência Negra” se transforma em uma senzala ideológica, na qual um coletivismo desesperado ‘engole’ as individualidades. Neste cenário, intelectualidade e linguagem são lançadas no lixo – um fenômeno que não é raro e já fora estudado minuciosamente pelo filósofo germano-americano Eric Voegelin.

 

Concordo com o professor Paulo Cruz, o qual afirma que, se há de ter um ícone para o movimento negro do Brasil, mais assertiva escolha seria a de André Rebouças. Mentor do abolicionismo, Rebouças sentia grande pesar pela condução do processo abolicionista no Brasil, bem como pelos desdobramentos dela provenientes. Em uma carta endereçada a Joaquim Nabuco, Rebouças comentou sobre o aniversário da abolição desta forma: “A 13 de maio de 1889 eu tive uma tristeza inexplicável. Lembra-se que foi necessário telegrama para tirar-me do meu isolamento de Petrópolis… Na tarde de 22 de agosto de 1888, quando voltávamos da faustosa e hipócrita recepção do Imperador, eu lhe disse ao ouvido: ‘agora posso dormir tranquilo…’ Parecia-me que, a todo o momento, os escravocratas assassinavam a princesa redentora e cobriam de sangue a página santa, que havíamos escrito durante oito longos anos…”.

 

Bem sabemos que, como foi conduzida, a abolição da escravatura no Brasil gerou uma multidão de famélicos, que foram marginalizados da sociedade. As senzalas materiais pariram favelas, e um abismo praticamente intransponível se gerou entre os ‘brasis’. Todavia, talvez o que tem sido apresentado como remédio apenas prolonga a ferida, ao invés de saná-la. Os discursos daqueles que se autoproclamam ‘do bem’ são, muitas vezes, tomados por um ódio cego e militante. Analisando este tipo de fenômeno, o filósofo romeno Gabriel Liiceanu disse: “(…) o ódio tornou-se impessoal à medida que nem o que odeia é uma pessoa isolada (mas membro de um grupo, de uma organização, de um partido, de um ‘movimento’ etc.). Nem o que é odiado é isolado, mas pertence a uma categoria (de classe, de raça, de nação, de religião)”.

 

Fujamos da militância do ódio e voltemos os olhos para Rebouças. Ele bem dissera que a escravidão não seria derrotada por intermédio de “utopias socialistas nem de violências”, mas pelo trabalho, pela cultura e pelo esforço. É possível que esta seja uma das maiores lições que podemos tirar para o tempo presente. Não será o ‘movimento negro’ que salvará o negro das grades do preconceito, mas uma emancipação de negros em movimento.

 

Cabe, portanto, lembrar-se do que já nos ensinara outro negro: Santo Agostinho. O Bispo de Hipona dizia que há uma lei existencial para a vida em sociedade (vita socialis): o amor (charitas). Para Agostinho, “o amor fraterno é o que nos faz amar uns aos outros. Este amor não somente vem de Deus, mas é Deus. Portanto, quando por amor amamos o próximo é por Deus que o amamos. É impossível que nós não amemos o próprio amor; pelo qual nós amamos os irmãos. Porque Deus é amor, necessariamente quem ama a Deus, ama seu irmão” (De Trin., VIII, 12; IX, 10).

 

Este amor é a essência que alimentou homens como Luther King e Dom Hélder Câmara. Que possamos beber da mesma fonte e exalar da mesma seiva, para libertarmo-nos da sensala ideológica e experimentarmos a liberdade do amor. Neste dia, a consciência não terá cor: será transparente como o rio da água da vida.

 

Jénerson Alves

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