(Favor ler até o final.)
Fui sempre muito franco com quem (sabe-se lá o porquê) me
pedia por uma avaliação sobre Jair Bolsonaro, ainda enquanto deputado.
Eu lhes dizia: não é um perfil para chefia de Estado.
Demasiado corporativista. Poucas luzes. Comportamento instável. Reduzida
capacidade de diálogo. Por suas características pessoais, está léguas distante
de meu ideal de gestor da coisa pública e garantidor do bem comum (afinal, o
bisonho sistema brasileiro força o amálgama entre líder nacional e chefe de
governo, missões para temperamentos dificilmente compatíveis). Suas próprias
rotinas enquanto parlamentar não me inspiram confiança.
Dizia-o mesmo diante de amigos que, conhecendo pessoalmente
o capitão, teciam juras sobre sua sinceridade e disposição por aprender,
aperfeiçoar-se e entregar ao país um serviço digno de soldado esmerado.
Quando Bolsonaro surgiu propriamente como candidato, inovou
ao reconhecer que não tinha conhecimento sobre determinadas áreas técnicas
(finanças, economia...) -- o que, a rigor, pouquíssimos políticos compreendem,
mas nenhum outro assume desconhecer. Foi então que, para mim, começou a ficar
claro: estávamos diante de alguém consciente de assumir uma missão muito maior
do que ele próprio, e a despeito de si. Não era o tipo de atitude condizente
com um simples aproveitador.
Agora temos uma límpida linha divisória: de um lado, o
sujeito que poderia estar tranquilo em seu obscuro mandato parlamentar, com a
reeleição garantida por atos circenses atabalhoados, mas tomou as rédeas de uma
campanha (literalmente) suicida para confrontar o castelo de mentiras da Nova
República e a falsa normalidade de um país mafioso de cima a baixo, onde se
convive com a guerra civil, a dilapidação cultural, a escravidão tributária e o
oligopólio administrativo como se tudo compusesse uma rotina inevitável (é o
verdadeiro "Brazil: o filme", ficção inglesa de 1985 com Robert De
Niro, na qual as socialites degustam seu chá com bolinhos enquanto as paredes
do Café são explodidas por bombas terroristas e o conserto de um
ar-condicionado vira pesadelo burocrático orwelliano).
De outro, hienas que se aproveitam há mais de trinta anos
dessa conjuntura; que participaram ativamente de seu desenvolvimento; que a
traçaram ou que calaram solenemente a respeito, e que têm a ousadia de culpar
quem esteve a cinco minutos da morte por denunciar, na medida de suas forças e
de sua capacidade (imperfeitíssima, mas certamente corajosa) o absurdo da vida
brasileira quotidiana.
Bolsonaro é um homem pequeno, e sabe disso. Mas vai sair
dessa campanha como um gigante, à revelia de suas características pessoais e do
desfecho eleitoral. Ninguém, como ele, ousou enfrentar tão abertamente o
consenso hipócrita dessa ex-nação corrompida até a alma. Nenhum outro acusou
com tal clareza nossas elites de olhos permanentemente fechados à barbárie de
cada dia - nas escolas, nas mídias, nas ruas.
Não creio que eu estivesse errado sobre o homem, lá atrás.
Ele tem todos os defeitos conhecidos. Mas seu papel histórico hoje,
audaciosamente assumido em ato da mais perfeita liberdade, vai mesmo tomando a
dimensão do mito.
No fim das contas, foi ele quem se apresentou enquanto os
mais preparados se evadiam -- tal como reconheceu o brilhante Paulo Guedes,
quando de sua decisão por assessorá-lo.
Os senhores sabem: é assim que começam todos os grandes
épicos. Os doutores calam; falam as pedras o que há de ser dito. Os reis se
apagam em suas torres de pedra, e o tolo hobbit marcha contra o senhor da
escuridão (para descobrir, na jornada, as chaves de uma sabedoria inacessível).
Seria insano quem se apegasse à inadequação do portador para deixar de apoiá-lo
em sua batalha. O que ele carrega é o destino de todos.
Entre os que tomaram parte no conclave, meu voto só pode ir
para Jair Messias Bolsonaro e Mourão, seu escudeiro. Que Deus os ilumine e
guarde em retidão suas intenções.
Leonardo Faccioni
Sem comentários:
Enviar um comentário