Entre o mosteiro e a praça: o lugar do cristão na sociedade
em tempos de eleições
Por que precisamos nos envolver e lutar para melhorar a vida
neste mundo?
Por William Lane
Ao longo da história da igreja cristã, sempre houve certa
ambivalência sobre a relação do cristão com a vida secular. Até que ponto a
igreja de Deus como um povo santo, separado do mundo deve se misturar e se
envolver com as causas terrenas? Afinal, como pensam alguns, se somos salvos
deste mundo para estar com Jesus na eternidade, por que precisamos nos envolver
e lutar para melhorar a vida neste mundo?
Penso que é justamente no período de eleições no país que
esse dilema se torna mais nítido e evidente. Muitos indagam sobre a que grau o
cristão individualmente e a igreja coletivamente deve se imiscuir na política.
Embora a tradição protestante não tenha perpetuado a vida
monástica e tenha ao longo dos últimos cinco séculos sido uma igreja
principalmente no meio do povo, a mentalidade de distanciamento da sociedade
muitas vezes é vista como ideal, não só do ponto de vista ético e moral, como
também de envolvimento político e social. Isso é reforçado pela justificativa
de a igreja ser um povo santo.
A igreja cristã nos primeiros séculos foi principalmente um
grupo pequeno de comunidades sem grandes projeções nas esferas do poder civil.
No terceiro século da era cristã o movimento monástico surge como um ideal de
vida ascética de disciplina austera em busca de perfeição pessoal. Esse estilo
de vida foi inspirado nos ensinos de alguns dos pais da igreja. Mas é a partir
do século 4 que o monasticismo se expande, principalmente em função da
secularização do cristianismo e da cristianização do poder imperial. A opção
monástica foi uma alternativa ao cristianismo aliado ao poder sem transformação
da sociedade. 1.
Para muitos cristãos, principalmente protestantes e
evangélicos, o monasticismo é um retrato de um isolacionismo desinteressado e
de devoção individualista que contrapõe ao ensino de Jesus sobre ser luz no
mundo e sal da terra.
Mas mesmo entre cristão fora do mosteiro há muita
divergência sobre o grau de envolvimento com as causas terrenas. John Stott
expressou muito bem as atitudes distintas dos cristãos com a sociedade em
termos de engajamento e alienação 2 Ele aponta que os grandes despertamentos
espirituais ao longo dos últimos séculos resultaram em engajamento dos cristãos
com os problemas da sociedade e como houve transformação positiva das relações
humanas e de trabalho. Igualmente, nos adverte contra o pessimismo cristão manifesto
por uma a alienação às questões sociais. Ele mostra como temos o hábito de
“lamentar a deterioração dos padrões do mundo com um farisaico ar de grande
desalento. Criticamos sua violência, desonestidade, imoralidade, desrespeito
para com a vida humana e sua ganância materialista” (1989, p. 98), mas não
assumimos a nossa responsabilidade nisso.
Acredito que devemos nos inspirar no caminho de Jesus que
rompeu não só com o separatismo radical do farisaísmo e dos mestres da lei,
como também do ascetismo da comunidade dos essênios no deserto da qual João
Batista possivelmente fazia parte. Jesus se misturava com as multidões, atendia
a seus anseios, curava os enfermos, ensinava a graça do Reino de Deus e a
necessidade de arrependimento. Ele ministrava aos publicanos, estrangeiros,
mulheres e aos ‘pecadores’. Tinha também em seu grupo de discípulos homens de
diversas origens e visões sobre a relação com o império romano.
É verdade também que Jesus não se envolveu nas estruturas do
poder religioso do judaísmo ou do político de Judá e Roma. Muitas vezes também
se retirava do meio da multidão para uma área deserta a fim de se dedicar à
contemplação, oração e tempo mais particular com um grupo pequeno de
discípulos. Modernamente, poderíamos dizer que Jesus vivia transitando entre a
praça e o mosteiro.
O cristão e a igreja em geral precisam estar engajados.
Precisamos ao menos interceder por aqueles que têm vocação para o serviço
público para que façam diferença na sociedade. Mas também não podemos deixar de
crer na transformação de vidas e da sociedade pela pregação do evangelho e a
prática dos valores do Reino de Deus. Carecemos também de introspecção,
contemplação e reflexão sobre nossa missão através da leitura bíblica e oração.
Notas
1.
Latourette, K. S. A history of Christianity. Vol. I: Beginnings to 1500. New
York: HarperSanFrancisco, 1975.
2. Stott, J. R. W. O cristão em uma sociedade não cristã.
Rio de Janeiro: Vinde, 1989. John Stott e Tim Chester. O mundo. Série O Cristão
Contemporâneo. Viçosa: Ultimato.
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