terça-feira, 25 de março de 2025

POETA

 


 O poeta que se despede em chamas

Livros e Literatura

Março 23, 2025

 

Aos 94 anos, Augusto de Campos anuncia que não escreverá mais poesia — e esse gesto, longe de marcar um fim melancólico, consagra sua última obra: o silêncio em forma de insubmissão. Não há rendição, apenas ruptura. Como sempre, ele nos obriga a repensar o que é poesia — e o que significa parar de escrevê-la.

“Não faço poesia para emocionar, faço para incomodar.”

 

Augusto de Campos

 

Há despedidas que se desenham como silêncio. Outras, como um sopro final. Mas a de Augusto de Campos não pertence a nenhuma dessas categorias. Aos 94 anos, ele anuncia a que não escreverá mais poesia — e esse gesto, longe de ser melancólico, é um novo ato poético. Uma recusa, uma borda de linguagem, um ponto que não encerra: expande.

 

 

O poema “Vertade” (2021), do livro “Pós Poemas”, de Augusto de Campos – Reprodução com adaptação

Ao longo de sete décadas, Augusto desafiou a própria ideia de poesia. Ao lado do irmão Haroldo e de Décio Pignatari, fundou a poesia concreta, revolucionando a página como espaço de invenção visual, sonora e semântica. Fez do verso um objeto, do silêncio uma pausa sonora, da palavra uma arquitetura. Mas seria simplista chamá-lo apenas de vanguardista. Augusto foi um criador de futuros — e um destruidor de passados confortáveis. Fez da sua obra um campo de tensões: entre o verbo e o pixel, o som e a imagem, o grito e a elegância gráfica.

 

A sua despedida da poesia não é um adeus à criação — é uma continuação do incômodo. Como se dissesse: “Não esperem de mim o crepúsculo romântico. Não esperem o aceno delicado. A poesia acabou porque não quero domesticá-la.” E há algo profundamente ético nisso. Num tempo em que tudo se converte em produto, até a rebeldia, Augusto preserva o gesto do corte como afirmação de liberdade.

 

O que fica não é apenas o legado concreto. Fica a postura. A inquietação como método. A recusa como poética. Em sua trajetória, Augusto foi mais que poeta — foi um artesão da desobediência estética. E talvez o maior serviço prestado à literatura brasileira tenha sido esse: provar que poesia não é forma de consolo, mas de luta. Não é abrigo, mas faísca.

 

Ao deixar a poesia, ele não a abandona. Apenas a empurra, mais uma vez, ao abismo necessário de sua reinvenção. E nos deixa uma pergunta que paira como um eco gráfico: quem, agora, terá coragem de continuar a incomodar

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