Livros e Literatura
Março 23, 2025
Aos 94 anos, Augusto de Campos anuncia que não escreverá
mais poesia — e esse gesto, longe de marcar um fim melancólico, consagra sua
última obra: o silêncio em forma de insubmissão. Não há rendição, apenas
ruptura. Como sempre, ele nos obriga a repensar o que é poesia — e o que
significa parar de escrevê-la.
“Não faço poesia para emocionar, faço para incomodar.”
Augusto de Campos
Há despedidas que se desenham como silêncio. Outras, como um
sopro final. Mas a de Augusto de Campos não pertence a nenhuma dessas
categorias. Aos 94 anos, ele anuncia a que não escreverá mais poesia — e esse
gesto, longe de ser melancólico, é um novo ato poético. Uma recusa, uma borda
de linguagem, um ponto que não encerra: expande.
O poema “Vertade” (2021), do livro “Pós Poemas”, de Augusto
de Campos – Reprodução com adaptação
Ao longo de sete décadas, Augusto desafiou a própria ideia
de poesia. Ao lado do irmão Haroldo e de Décio Pignatari, fundou a poesia
concreta, revolucionando a página como espaço de invenção visual, sonora e
semântica. Fez do verso um objeto, do silêncio uma pausa sonora, da palavra uma
arquitetura. Mas seria simplista chamá-lo apenas de vanguardista. Augusto foi
um criador de futuros — e um destruidor de passados confortáveis. Fez da sua
obra um campo de tensões: entre o verbo e o pixel, o som e a imagem, o grito e
a elegância gráfica.
A sua despedida da poesia não é um adeus à criação — é uma
continuação do incômodo. Como se dissesse: “Não esperem de mim o crepúsculo
romântico. Não esperem o aceno delicado. A poesia acabou porque não quero
domesticá-la.” E há algo profundamente ético nisso. Num tempo em que tudo se
converte em produto, até a rebeldia, Augusto preserva o gesto do corte como
afirmação de liberdade.
O que fica não é apenas o legado concreto. Fica a postura. A
inquietação como método. A recusa como poética. Em sua trajetória, Augusto foi
mais que poeta — foi um artesão da desobediência estética. E talvez o maior
serviço prestado à literatura brasileira tenha sido esse: provar que poesia não
é forma de consolo, mas de luta. Não é abrigo, mas faísca.
Ao deixar a poesia, ele não a abandona. Apenas a empurra,
mais uma vez, ao abismo necessário de sua reinvenção. E nos deixa uma pergunta
que paira como um eco gráfico: quem, agora, terá coragem de continuar a
incomodar
Sem comentários:
Enviar um comentário