O Domingo de Ramos banhado em sangue: entre mísseis e desculpas
“A guerra não deveria ser feita assim, dizem. Mas desde
quando a guerra moderna respeita domingos sagrados?” — Paulo Henrique Araújo
Na cidade de Sumy, nordeste da Ucrânia, o Domingo de Ramos
não foi marcado por ramos de oliveira ou cantos litúrgicos, mas por fogo, carne
e escombros. Trinta e duas pessoas mortas. Duas delas, crianças. O número de
feridos ultrapassa oitenta. E o mundo, como de praxe, não sabe o que fazer além
de publicar notas de repúdio e declarações melancólicas sobre o "direito
internacional".
A cena é sempre a mesma: uma rua comum, gente indo à igreja,
carros passando devagar, crianças voltando da escola... e então o clarão.
Mísseis balísticos — russos — caindo sobre uma vida comum. Um massacre sem
nome, sem glória, sem propósito que justifique a carnificina. Um crime, no
sentido mais cru da palavra.
Mas a parte mais perturbadora dessa história não é apenas o
ataque em si — é o esforço desesperado de alguns para explicar, relativizar ou
simplesmente fingir que não aconteceu.
O conservadorismo seletivo e a síndrome de Estocolmo do
Ocidente
Putin, o "defensor da cristandade" para alguns
autointitulados conservadores, ordena o ataque justamente no Domingo de Ramos.
E os mesmos que se arrepiam ao ver um crucifixo invertido em filmes da
Netflix... silenciam.
Há algo profundamente doente nesse culto ao
“anti-globalismo” que absolve tudo — até o massacre de civis — desde que venha
de Moscou. Um conservadorismo que, para combater a revolução cultural, aceita a
barbárie estatal.
Não é conservadorismo. É uma forma disfarçada de idolatria
ideológica. Uma nova religião política onde o altar é russo, e o incenso é
queimado com vidas humanas.
Trump hesita, a Casa Branca apaga o incêndio, e Zelensky
continua sendo chamado de “mimado”
Dois dias antes do ataque, o enviado de Trump se reuniu com
Putin em São Petersburgo. Quando os mísseis caíram, Trump, a bordo do Air Force
One, balbuciou que “foi um erro”.
Foi uma declaração precipitada — compreensível no calor
político —, mas que não resistiu à realidade dos fatos.
A Casa Branca, com prudência, repudiou oficialmente o
ataque. A guerra, como se vê, desafia até mesmo os melhores planos.
Enquanto isso, Zelensky segue sendo ridicularizado:
“mimado”, “comediante”, “garoto mimado dos globalistas”.
Poucos param para pensar no que é liderar um país invadido,
bombardeado, espremido entre potências, com milhões de pessoas sob risco direto
— e ainda ser acusado de buscar ajuda demais.
Manter uma linha de defesa ativa custa bilhões. E manter a
dignidade de uma nação, então?
Território não é só terra. É gente. É memória. É promessa.
Se amanhã o Espírito Santo ou o Rio Grande do Sul fossem
invadidos, quem diria: “deixa pra lá, são só estados”?
O brasileiro médio, talvez. Mas não quem entendeu o que está
em jogo.
Não, a guerra não é feita com pétalas. Mas também não com
covardia moral.
O massacre de Sumy não foi o primeiro. Nem o pior. Mas foi
simbólico.
Porque foi um dia santo.
Porque foi um ataque gratuito.
E porque foi seguido por justificativas vergonhosas.
Putin segue o mesmo roteiro que vimos em Bucha: civis
amarrados, queimados, assassinados, estuprados. Tudo em nome de uma “ordem
alternativa”. Ou, como dizem seus adoradores mais entusiasmados, um necessário
“retorno ao sagrado” — o sagrado segundo Putin e Dugin, onde o ícone ortodoxo
se mistura à geopolítica e serve para justificar o açoite sobre inocentes.
A cruz, nesse contexto, é usada como estandarte de guerra,
não como sinal de redenção.
E o incenso das liturgias orientais se mistura ao cheiro de
pólvora, criando a ilusão de uma espiritualidade restauradora — quando tudo o
que resta é morte.
Geopolítica não é linear. E o conservadorismo, se quiser
continuar digno desse nome, não pode se ajoelhar diante de tiranos — nem mesmo
quando eles citam os evangelhos enquanto apertam o botão de lançamento.
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