Reflexões sobre a parentalidade atípica
“Olharei o mundo através das lágrimas. Talvez eu veja coisas
que eu não veria com os olhos secos”
Por Davi Daniel de Oliveira
Confesso que tenho uma certa desconfiança com a sabedoria
popular, sobretudo aquela resumida em ditos populares. Um bem famoso de nossos
dias é o onipresente “Já deu certo”. O “já deu certo” pode até ser uma frase
inspiradora e uma expressão de otimismo, mas está descolada da realidade.
Muitas vezes, as coisas não dão certo.
A parentalidade atípica tem me ensinado a lidar com meus
impulsos e reações quando as coisas não dão certo. “Não dar certo” é parte
inerente da nossa jornada, uma jornada que começou imediatamente com o
recebimento do diagnóstico autista de meu filho. Afinal, quem “sonha” que seu
filho nasça com uma condição que pode vir a limitá-lo por todos os dias de sua
vida?
A lista de coisas que não deram certo até aqui é extensa:
rupturas de tratamento devido a mudanças nas políticas dos convênios; troca de
profissionais nos atendimentos (que causam muito dano ao paciente devido aos
vínculos criados); dificuldades pedagógicas nas escolas que simplesmente não
conseguem construir um PDI (Programa de Desenvolvimento Individual) adequado às
limitações cognitivas de meu filho; rombos no orçamento da família por falta de
cobertura do convênio e impossibilidade de atendimento via Sistema Único de
Saúde (SUS); desencontro de informações entre profissionais que geram confusão
e frustração. E por aí vai.
>> O que o autismo tem me ensinado <<
Lidar com frustrações e tristezas é parte da realidade da
parentalidade atípica. Porém, no caso de nossa família, a Graça Divina sempre
nos instrui a olhar para essas dificuldades como um caminho para a paz, a
enxergar além. Deus, em sua infinita sabedoria, prepara situações para que
possamos vê-lo mais de perto e enxergar a realidade com outras lentes. Nas
palavras de Nicholas Wolterstorff, em seu livro Lamento – A fé em meio ao
sofrimento e à morte: “Olharei o mundo através das lágrimas. Talvez eu veja
coisas que eu não veria com os olhos secos”.
As aflições são inerentes à jornada de uma família com uma
criança com autismo, mas a boa notícia do Evangelho é que Jesus venceu o mundo
e, por isso, somos convidados a ter bom ânimo (Jo 16.33). “Ter bom ânimo” não
se trata de uma postura blasé e apática diante das situações, como se
ingenuamente pudéssemos simplesmente ignorar as dificuldades que nos cercam.
Pelo contrário: é encarar os problemas de frente, buscando desfrutar da paz
antes de receber a provisão divina. Isso é o exercer genuíno da esperança.
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