Anton
Tchekhov em 5 de maio de 1889
Nascimento 17 de janeiro de 1860
Taganrog,
Império Russo
Morte 15 de julho de 1904 (44 anos)
Badenweiler,
Império Alemão
Nacionalidade Russa
Cônjuge Olga Knipper (1901-1904)
Ocupação Médico, escritor, dramaturgo.
Escola/tradição Realismo/Naturalismo
Anton
Pavlovitch Tchekhov,[nota 1] em russo: Анто́н Па́влович Че́хов (Taganrog, 29 de janeiro de
1860[nota 2] —
Badenweiler, 15 de julho de 1904[nota 3]), foi um médico, dramaturgo e escritor
russo, considerado um dos maiores contistas de todos os tempos.[1] Em sua
carreira como dramaturgo criou quatro clássicos e seus contos têm sido
aclamados por escritores e críticos.[2][3] Tchekhov foi médico durante a maior
parte de sua carreira literária, e em uma de suas cartas[4] ele escreve a
respeito: "A medicina é a minha legítima esposa; a literatura é apenas
minha amante".[5]
Tchekhov
renunciou ao teatro e deixou de escrever obras teatrais após a péssima recepção
de A Gaivota (em russo: "Чайка") em 1896, mas a obra foi reencenada e
aclamada em 1898, interpretada pela companhia Teatro de Arte de Moscou de
Constantin Stanislavski que interpretaria também Tio Vânia (Дядя Ваня), As Três
Irmãs (Три сестры) e O Jardim das Cerejeiras (Вишнëвый сад). Estas quatro obras
representam um desafio para os atores,[6] bem como para o público, porque no
lugar da atuação convencional Tchekhov oferece um "teatro de humores"
e uma "vida submersa no texto".[7] Nem todos apreciaram o desafio:
Liev Tolstói disse a Tchekhov: "Sabe, eu não consigo tolerar Shakespeare,
mas suas peças são ainda piores".[8][9] No entanto, Tolstói admirava os
contos de Tchekhov.[10]
A
princípio Tchekhov escrevia simplesmente por razões financeiras, mas sua
ambição artística cresceu, e ele fez inovações formais que influenciaram na
evolução dos contos modernos.[11] Sua originalidade consiste no uso da técnica
de fluxo de consciência, mais tarde adotada por James Joyce e outros
modernistas, além da rejeição do propósito moral presente na estrutura das
obras tradicionais.[12] Ele nunca fez nenhum pedido de desculpas pelas
dificuldades impostas aos leitores, insistindo que o papel de um artista era o
de fazer perguntas, não o de respondê-las.[13]
Biografia
Infância
Casa
onde nasceu Tchekhov.
Anton
Pavlovitch Tchekhov (AFI [ɐnˈton
ˈpavləvʲɪtɕ ˈtɕexəf])
nasceu em 29 de janeiro de 1860, em Taganrog, um porto marítimo no Mar de Azov
no sul da Rússia, sendo o terceiro de seis filhos. Seu pai, Pavel Iegorovitch
Tchekhov, filho de um ex-servo, cuidava de uma mercearia. Diretor do coro de
uma paróquia, devoto cristão ortodoxo e pai que agredia fisicamente seu filho,
Pavel Tchekhov lhe deu uma educação rígida e muito religiosa, o que fez com que
Tchekhov se tornasse um amante da liberdade e da independência,[14] e foi visto
por alguns historiadores como modelo para os muitos personagens hipócritas
criados por seu filho.[15] Sua mãe, Ievguenia Iacovlevna Morozov, era uma
excelente contadora de histórias que entretinha as crianças com histórias sobre
suas viagens junto de seu pai (um comerciante de tecidos) por toda a
Rússia.[16][17] "Nossos talentos nós recebemos do nosso pai",
Tchekhov lembra, "mas nossa alma recebemos de nossa mãe."[18] Quando
adulto, Tchekhov criticou o tratamento de seu irmão Aleksandr perante sua esposa
e filhos, lembrando-lhe da tirania de Pavel:
Deixe-me
perguntar-lhe se recorda que foi o despotismo e a mentira que arruinaram a
juventude de sua mãe. Despotismo e a mentira mutilaram a nossa infância e é
repugnante e assustador pensar sobre isso. Lembre-se do horror e da repulsa que
nós sentimos naquele momento em que o pai se enraiveceu durante o jantar,
porque havia muito sal na sopa e chamou a mãe de tola.[nota 4]
— Tchekhov
sobre a tirania de seu pai em carta a seu irmão Aleksandr[19][20]
Tchekhov
frequentou uma escola para meninos gregos, e depois o Liceu Taganrog, hoje
rebatizado de Liceu Tchekhov, de onde ele foi afastado por um ano após reprovar
em um exame.[21] Ele cantava no monastério ortodoxo grego em Taganrog e nos
coros de seu pai. Numa carta de 1892, ele usou a palavra "sofrimento"
para descrever a sua infância e lembrou:
Quando
meus irmãos e eu costumávamos ficar no centro da igreja e cantar "Que
minha oração seja exaltada" ou "A Voz do Arcanjo", todos nos
olhavam emocionados e invejavam nossos pais, mas nós naquele momento nos
sentíamos como pequenos condenados.[nota 5]
— Tchekhov
em carta a I.L. Shcheglov[22]
O liceu
Anton Tchekhov no final do século XIX. A cruz no topo não está mais presente.
Em
1876, seu pai atingiu a falência após gastar todas suas finanças construindo
uma casa nova,[23] e para evitar ser preso fugiu para Moscou, onde seus dois
filhos mais velhos, Aleksandr e Nicolay, cursavam a universidade. A família
viveu em condições de pobreza em Moscou, a mãe de Tchekhov estava
emocionalmente e fisicamente arrasada.[24] A família se mudou e Tchekhov ficou
para trás para vender os bens da família e terminar seus estudos.
Tchekhov
permaneceu em Taganrog por mais três anos, com um homem chamado Selivanov que,
assim como Lopakhin em O Jardim das Cerejeiras, apoiou a família em troca de
sua casa.[25] Tchekhov teve de pagar por conta própria seus estudos, e ele
conseguiu isso através de aulas particulares, captura e venda de pintassilgos,
venda de esquetes para jornais, entre outros trabalhos.[26] Ele enviava todo
rublo que conseguia para Moscou, bem como cartas bem humoradas para tentar
alegrar sua família.[26] Durante esta época, ele começou a ler frequentemente e
analiticamente obras de autores que incluíam Cervantes, Turgueniev, Goncharov e
Schopenhauer;[27][28] e ele escreveu um longa-metragem no gênero comédia
dramática, O Órfão[29], que seu irmão Aleksandr julgou como "uma
imperdoável, porém, inocente criação".[30] Tchekhov também se envolveu em
uma série de casos amorosos, um deles com a esposa de um professor.[26]
Em
1879, Tchekhov finalizou seus estudos e se juntou a sua família em Moscou,
sendo admitido para a Faculdade de Medicina da Universidade de Moscou.[31]
Primeiras
obras
Família
e amigos de Tchekhov em 1890. (Linha superior, dá esquerda para direita) Ivan,
Aleksandr e Pavel; (Segunda linha) amiga desconhecida, Lika Mizinova, Masha,
Yevgeniya e Seryozha Kiselev; (última linha) Misha, Anton.
Tchekhov,
agora, havia assumido a responsabilidade pela família inteira.[32] Para ajudar
sua família e pagar suas mensalidades escolares, ele escrevia diariamente
esquetes curtas e bem-humoradas e ainda vinhetas sobre a vida russa
contemporânea, sob os pseudônimos de "Antosha Chekhonte" (Антоша
Чехонте) e o "Homem sem rancor" (Человек без селезенки) em periódicos
como a Strekoza. Seu potencial gradualmente deu a ele a reputação de cronista
satírico da vida cotidiana russa, e em 1882 já escrevia para a revista Oskolki
(Fragmentos), que pertencia a Nikolay Leykin, um dos principais editores da
época.[33] O tom de Tchecov, nesta fase, foi mais severo do que eles estavam
familiarizados a verem em suas obras para adultos.[34]
Em
1884, Tchekhov se torna apto a exercer a profissão de médico, profissão que
considerava como sua profissão principal, mesmo ele tendo ganhado pouco
dinheiro com isso e atendido os pobres de graça.[35] Entre 1884 e 1885,
Tchekhov começa a tossir sangue, e em 1886 os ataques pioraram; mas ele não
quis admitir estar com tuberculose a seus familiares e amigos,[18] em confissão
a Leikin disse: "Eu tenho medo de me submeter a ser examinado pelos meus
colegas".[36] Ele continuou a escrever para revistas semanais, ganhando
dinheiro o suficiente para mudar a família para acomodações progressivamente
melhores. No início de 1886, ele foi convidado a escrever para um dos mais
populares jornais em São Petersburgo, o Novoye Vremya (Novo Tempo), que
pertencia e era editado pelo magnata Aleksei Suvorin, que pagava por linha o
dobro pago por Leikin e que lhe permitiu um espaço três vezes maior.[37]
Suvorin estava se tornando um amigo de longa data e, talvez, um dos mais
próximos amigos de Tchekhov.[38][39]
Em
pouco tempo, Tchekhov começou a atrair a atenção literária, bem como a popular.
Dmitri Grigorovich, um célebre escritor russo de 64 anos, escreveu a Tchekhov
após ler seu conto O Caçador, "Você tem um verdadeiro talento. Um talento
que o coloca na linha de frente entre os escritores da nova geração". Ele
aconselhou Tchekhov a desacelerar, escrever menos, e se concentrar em qualidade
e não quantidade literária.[40]
Tchekhov
respondeu que a carta havia o atingido "como um raio" e confessou,
"Eu escrevi minhas histórias da mesma maneira que os repórteres escrevem
suas notícias sobre incêndios, mecanicamente, semiconsciente e não me
importando nem com os leitores nem comigo mesmo".[41] Uma admissão que
poderia trazer prejuízos a Tchekhov, uma vez que manuscritos antigos revelam
que ele escrevia com extremo cuidado, e continuamente os revisava.[42] No
entanto, o conselho de Grigorovich, inspirou uma ambição artística mais séria
no artista de então 26 anos. Em 1887, com certo favorecimento por parte de
Grigorovich, a coleção de histórias Ao Anoitecer (В Сумерках) fez com que
Tchekhov ganhasse o cobiçado Prêmio Pushkin "pela melhor produção
literária distinta pelo seu valor artístico".[43]
Momentos
críticos
Tchekhov
(a esquerda) junto de seu irmão Nicolay em 1882.
Naquele
ano, esgotado pelo excesso de trabalho e por conta de seus problemas de saúde,
Tchekhov fez uma viagem à Ucrânia, o que o fez relembrar a beleza da
estepe.[44] Em seu retorno, ele começou o conto A Estepe, "algo muito
estranho e muito original", que foi finalmente publicado pela Severny
Vestnik (O Arauto do Norte).[45] Em uma narrativa que se desvia dos processos
de pensamento dos personagens, Tchekhov inicia uma viagem de cabriolé através
da estepe, pelos olhos de um rapaz enviado para viver longe de casa, com seus
companheiros, um sacerdote e um comerciante. A Estepe, que tem sido chamado de
o "dicionário das poesias de Tchekhov", representou para ele um
avanço significativo, exibindo muito da qualidade de sua ficção para adultos e
que por conta disso ganhou sua publicação em uma revista literária, ao em vez
de em um jornal.[46]
No
outono de 1887, um diretor de teatro chamado Korsh comissionou Tchekhov a
escrever uma peça, e o resultado foi Ivanov, escrita em duas semanas e
produzida em novembro.[18] Apesar de Tchekhov ter considerado a experiência
"repugnante", e ter feito um retrato cômico da produção caótica em
uma carta a seu irmão Aleksandr, a peça foi um sucesso e, para perplexidade de
Tchekhov, foi elogiada pela sua originalidade.[47] Mikhail Tchekhov, considerou
Ivanov um momento decisivo no desenvolvimento intelectual de seu irmão e de sua
carreira literária.[18] Nesta época surge um observação sobre Tchekhov, que
tornou-se conhecida como a "arma de Tchekhov", observada por Ilia
Gurliand em uma conversa: "Se no primeiro ato você tem uma pistola
pendurada na parede, então, no último ato você deve dispará-la".[48][49]
A morte
em 1889 de seu irmão Nikolay, que havia contraído tuberculose influenciou
Tchekhov na criação de Uma história enfadonha, terminada em setembro daquele
ano, sobre um homem que enfrenta o fim de uma vida que ele percebe ter sido sem
propósito algum.[50][51] Mikhail Tchekhov, que percebeu a depressão e a
inquietação de seu irmão após a morte de Nikolay, estava pesquisando sobre
prisões na época como parte de seu curso de direito, e Anton Tchekhov, em busca
de um propósito em sua vida, logo se tornou obcecado com a questão da reforma
do sistema prisional.[18]
Viagem
a Sacalina
Em
1890, Tchekhov realizou uma árdua jornada de trem, carruagem e navio a vapor
para o Extremo Oriente da Rússia e depois para katorga, ou colônia penal,
Sacalina, localizada no mar do Japão, onde passou três meses entrevistando
milhares de presos e colonos para um censo. As cartas que Tchekhov escreveu
durante os dois meses e meio de viagem a Sacalina são consideradas com umas das
suas melhores.[52] Suas declarações sobre Tomsk a sua irmã se tornaram
notórias.[53][54]
Tomsk é
uma cidade muito aborrecedora. A julgar pelos bêbados de que tenho
conhecimento, e pelos intelectuais que vieram ao hotel para demonstrar sua
estima por mim, os habitantes também são muito sem graça.[nota 6]
— Tchekhov
sobre Tomsk em carta a sua irmã
Masha.[55]
Mais
tarde, os habitantes de Tomsk revidaram construindo uma estátua burlesca de
Tchekhov.[56]
O que
Tchekhov testemunhou em Sacalina chocou e irritou-o, espancamentos, desvio de
suprimentos, e a prostituição forçada de mulheres. Ele escreveu "Houve
momentos em que senti que as coisas que via diante de mim haviam ultrapassado
os limites da degradação humana." [57][58] Ele estava particularmente comovido
com o sofrimento das crianças que viviam na colônia penal com seus pais. Por
exemplo:
No
navio em Amur, indo a Sacalina, havia um condenado que assassinou sua esposa e
usava algemas nas pernas. Sua filha, uma menina de seis anos, estava junto a
ele. Notei que, aonde o prisioneiro fosse a menininha o acompanhava, agarrada a
suas algemas. À noite, a criança dormia junto com os presos e soldados, todos
juntos em um amontoado de gente.[nota 7]
— Tchekhov
em carta a A.F.Koni[59]
Melicovo,
hoje um museu.
Mais
tarde, Tchekhov chegou à conclusão de que a caridade e as doações não eram a
solução, mas que o governo tinha a obrigação de assegurar um tratamento
humanitário aos prisioneiros. Os resultados de suas pesquisas foram publicados
entre 1893 e 1894 sob o título de Ostrov Sakhalin (A Ilha de Sacalina), uma
obra sociológica — não literária — digna e informativa ao invés de
brilhante.[60][61] Tchekhov criou a expressão literária para o "Inferno de
Sacalina" em seu conto O Assassino,[62] na última seção que está ambientada
em Sacalina, onde o assassino Yakov carrega carvão durante a noite, com
saudades de casa. A obra de Tchekhov em Sacalina é o objeto de breve comentário
e análise no romance 1Q84 do escritor japonês Haruki Murakami.[63]
Melicovo
Em
1892, Tchekhov compra a propriedade rural de Melicovo, a cerca de sessenta e
cinco quilômetros ao sul de Moscou, onde viveu com sua família até 1899.
"É agradável ser um lorde", brincou ele com seu amigo Ivan Leontyev
(que escrevia peças humorísticas sob o pseudônimo de Shcheglov),[22] mas ele
levava suas responsabilidades como um senhorio a sério e logo fez-se útil para
os camponeses locais. Bem como a organização de ajuda humanitária para as
vítimas de fome e de surtos de cólera em 1892, ele passou a construir três
escolas, um corpo de bombeiros e uma clínica médica, e a doar seus serviços
médicos aos camponeses que viviam a quilômetros dali, apesar das frequentes
recidivas de sua tuberculose.[15][35][64]
Mikhail
Tchekhov, um membro da família que morava em Melicovo, descreve a magnitude do
trabalho médico de seu irmão:
Desde o
primeiro dia em que chegou a Melicovo os pacientes vinham de longe. Eles vinham
a pé ou trazidos de carros, e muitas vezes ele mesmo teve que buscá-los de
muito longe. Às vezes, ao amanhecer camponesas e crianças estavam em pé diante
de sua porta o esperando.[nota 8]
— Mikhail
Tchekhov sobre toda a assistência
médica
que seu irmão
prestou aos camponeses[18]
Tchekhov
em Melicovo.
As
despesas de Tchekhov com medicamentos foram consideráveis, mas o maior custo
foi o de fazer viagens de várias horas para visitar os doentes, o que reduziu
seu tempo para escrever.[18] Embora Tchekhov trabalhasse como médico, isso
enriqueceu a sua escrita, ao proporcionar um contato direto com todas as
camadas da sociedade russa: por exemplo, ele testemunhou em primeira mão a
condição de vida insalubre e apertada da maioria dos camponeses, qual ele
relembra no conto Camponeses, (Mujiques em russo e em outras versões para o
português). Tchekhov também visitou os membros das classes superiores, e
registrou em seu caderno: "Aristocratas? Os mesmos corpos feios e a mesma
sujeira, a mesma velhice sem dentes e a mesma morte desagradável, tal como
acontece com as prostitutas".[65]
Tchekhov
começou a escrever sua peça A Gaivota em 1894, em uma pousada que ele havia
construído em uma horta, em Melicovo. Nos dois anos desde que se mudou para a
propriedade, ele havia reformado a casa, retomado a agricultura e a
horticultura, feito um jardim e um pequeno lago e plantado muitas árvores, que,
de acordo com Mikhail, ele "cuidava… como se fossem seus filhos. Como o
coronel Vershinin em As Três Irmãs, algo que parecia que só poderia ser
alcançado depois de três ou quatro centenas de anos".[18]
A
primeira noite de A Gaivota em 17 de outubro de 1896 no Teatro Alexandrinsky em
São Petersburgo, foi um fiasco, as vaias do público e a recepção da peça
fizeram Tchekhov pensar em renunciar ao teatro.[66] Mas a peça impressionou
tanto o dramaturgo Vladimir Nemirovitch-Dantchenko que ele convenceu seu colega
Constantin Stanislavski a dirigi-la no inovador Teatro de Arte de Moscou em
1898.[67] A atenção que Stanislavski prestou ao realismo psicológico e a
atuação foram criadas para extrair as maravilhas escondidas do texto e
restaurar o interesse de Tchekhov pela dramaturgia.[68] O Teatro de Arte
encomendou mais peças de Tchekhov e no ano seguinte encenou Tio Vânia, que ele
havia acabado de escrever em 1896.[69]
Ialta
Em
março de 1897, Tchekhov sofreu uma hemorragia grave nos pulmões, durante uma
visita a Moscou. Com muita dificuldade, ele foi convencido a ir para uma
clínica, onde os médicos diagnosticaram tuberculose na parte superior de seus
pulmões e ordenaram uma mudança em seu estilo de vida.[70]
Após a
morte de seu pai em 1898, Tchekhov comprou um terreno nos arredores de Ialta e
construiu uma casa lá, para qual ele se mudou com sua mãe e irmã no ano
seguinte. Mesmo ele tendo plantado árvores e flores em Ialta, criado cachorros
e gruas domésticas, e ter recebido convidados como Liev Tolstói e Máximo Gorki,
ele sempre ficava aliviado por deixar sua "Sibéria quente" para ir a
Moscou ou viajar ao exterior. Ele prometeu que voltaria para Taganrog tão logo
a água corrente fosse instalada na cidade.[71][72] Em Ialta, ele concluiu mais
duas peças para o Teatro de Arte de Moscou, compondo com mais dificuldade do
que nos dias em que "escrevia serenamente, do jeito que eu como panquecas
hoje"; ele levou um ano para compor As Três Irmãs e O Jardim das
Cerejeiras.[73]
No dia
25 de maio de 1901 casou-se com Olga Knipper — em segredo, dado o seu horror a
casamentos —, uma ex-protegida e por vezes, amante de Nemirovich-Danchenko, que
ele conheceu pela primeira vez nos ensaios da peça A Gaivota.[74][75][76] Até
então, Tchekhov havia sido descrito como "o escritor solteiro mais elusivo
da Rússia".[77] Ele preferia fazer visita aos bordéis a ter um
relacionamento sério.[78] Certa vez, ele escreveu a Suvorin:
Sem
dúvida que me casarei, se tanto insistes. Mas nestas condições: tudo tem de ser
como tem sido até hoje, isto é, ela ficará a viver em Moscovo, enquanto eu
continuarei a viver na província, e irei vê-la [...] arranja-me uma mulher que,
como a Lua, não me apareça no céu todos os dias.[nota 9]
— Tchekhov
sobre o casamento em carta a Alexei Suvorin[79]
Tchecov
e Olga, em lua de mel, 1901.
A carta
se revelou profética sobre os arranjos conjugais de Tchekhov e Olga: ele viveu
em grande parte em Ialta, ela em Moscou, prosseguindo a sua carreira de atriz.
Em 1902, Olga sofre um aborto espontâneo, e Donald Rayfield ofereceu
evidências, baseadas nas cartas do casal, de que a gravidez poderia ter
ocorrido enquanto Tchekhov e Olga estavam separados, embora estudiosos russos
conclusivamente refutaram essa ideia.[80][81] O legado literário deste
casamento a distância é uma correspondência que preserva joias da história do
teatro, incluindo queixas de ambos sobre os métodos de direção de Stanislavski
e conselhos de Tchekhov para Olga sobre como se atuar em suas peças.[82]
Em Ialta,
Tchekhov escreveu um de seus mais famosos contos, A Dama do Cachorrinho,[83]
que retrata o que a princípio parece uma ligação casual entre um homem e uma
mulher, ambos casados, em Ialta. Eles não esperam maiores consequências da
relação, e se encontram atraídos um pelo outro, arriscando a segurança de suas
vidas familiares.
Morte
Em maio
de 1904, a tuberculose de Tchekhov alcançou um estado terminal. Mikhail
Tchekhov lembrou que "todos os que viam achavam que seu fim não estava
longe, mas quanto mais perto [ele] estivesse de seu fim, menos ele parecia
perceber".[18] Em 3 de junho, ele partiu com Olga para a cidade alemã de
Badenweiler, na Floresta Negra, de onde escreveu cartas aparentemente joviais
para sua irmã Masha descrevendo a comida e o ambiente e assegurando a ela e a
sua mãe que ele estava melhor. Em sua última carta, ele reclamou da maneira
como as mulheres alemãs se vestiam, "não há uma única mulher alemã
decentemente vestida. A falta de gosto me deprime".[84]
A morte
de Tchekhov se tornou um dos "maiores temas da história
literária",[85] e já foi recontada, enfeitada e muitas vezes fantasiada,
notavelmente no conto Errand por Raymond Carver. Em 1908, Olga escreveu este
relato sobre os últimos momentos de vida de seu marido:
Anton
sentou-se extraordinariamente ereto e disse em voz alta e clara (embora ele não
soubesse quase nada de alemão): Ich sterbe ("Estou morrendo"). O
médico acalmou-o, pegou uma seringa, deu-lhe uma injeção de cânfora, e pediu
champanhe. Anton tomou um copo cheio, examinou-o, sorriu para mim e disse:
'Fazia um bom tempo que não bebia um copo de champanhe.' Ele bebeu, e
inclinou-se suavemente para esquerda, e eu só tive tempo de correr em sua
direção e de colocá-lo na cama e chamá-lo, mas ele tinha parado de respirar e estava
dormindo tranquilamente como uma criança…[nota 10]
— Olga
descreve detalhadamente a morte de Tchekhov[86]
O corpo
de Tchekhov foi transportado para Moscou em um vagão de trem com refrigeração,
que servia para o transporte de ostras frescas, um detalhe que ofendeu
Gorky.[87] Algumas das milhares de pessoas de luto seguiram o cortejo fúnebre
de Fyodor Keller, por engano, acompanhados de uma banda militar.[88] Tchekhov
foi enterrado ao lado de seu pai no Cemitério Novodevichy.[89]
Legado
Poucos
meses antes de morrer, Tchekhov disse ao escritor Ivan Bunin que ele achava que
as pessoas iriam continuar a ler suas obras por mais sete anos. "Por que
sete?" perguntou Bunin. "Bem, sete anos e meio", respondeu
Tchekhov. "Isso não é ruim. Tenho ainda seis anos para viver".[90]
Sempre
modesto, Tchekhov não poderia imaginar o tamanho de sua reputação póstuma. Os
aplausos para O Jardim das Cerejeiras, no ano de sua morte, mostraram o quanto
ele conquistou o afeto do público russo — naquela época, ele era a segunda
maior personalidade literária russa, apenas atrás de Tolstói,[91] que viveu
mais seis anos — mas após sua morte, a fama de Tchekhov logo se espalhou para
mais longe. Graças às traduções de Constance Garnett, as obras de Tchekhov
ganharam o público inglês e a admiração de escritores como James Joyce,
Virginia Woolf e Katherine Mansfield. As questões que envolvem as semelhanças
entre a história de 1910 de Mansfield, O Menino que Estava Cansado, e a obra de
Tchekhov, Sonolento, são resumidas no livro de William Herbert, New's Reading
Mansfield and Metaphors of Reform[92] O crítico russo D. S. Mirsky, que vivia
na Inglaterra, explicou que a popularidade de Tchekhov naquele país se dava por
conta de sua "incomum e absoluta rejeição do que podemos chamar de valores
heroicos".[93] Na própria Rússia, as obras de Tchekhov só saíram de moda
após a Revolução Russa, mas elas foram mais tarde adaptadas ao sistema
soviético, como o personagem Lopakhin, por exemplo, reinventou-se como um herói
da nova ordem, golpeando com um machado o jardim das cerejeiras.[94][95]
Um dos
primeiros estrangeiros a admirar as peças de Tchekhov foi George Bernard Shaw,
que usa o subtítulo "uma fantasia sobre temas ingleses ao estilo
russo" em sua obra A Casa da Angústia e que nota semelhanças entre a
situação da classe britânica e a de seus homólogos russos como descrito por
Tchecov: "as mesmas pessoas agradáveis, a mesma completa
futilidade".[96]
Nos
Estados Unidos, a reputação de Tchekhov começa a crescer um pouco mais tarde, em
parte pela influência do sistema Stanislavski, com seu conceito de subtexto:
"Tchekhov geralmente não expressava seu pensamentos em discursos",
escreveu Stanislavski, "mas em pausas, entrelinhas ou nas respostas que
consistiam em uma única palavra… os personagens, muitas vezes sentiam e
pensavam coisas que não expressavam através do diálogo".[97][98]
Particularmente, o Group Theatre foi quem desenvolveu a abordagem subtextual ao
drama, influenciando gerações de dramaturgos, roteiristas e atores americanos,
incluindo Clifford Odets, Elia Kazan e, em particular, Lee Strasberg. Por sua
vez, o Actors Studio de Strasberg e seu "método" influenciaram muitos
atores, inclusive Marlon Brando e Robert De Niro, embora neste momento a
tradição de Tchekhov, provavelmente, tenha sido distorcida por conta da
preocupação com o realismo.[99] Em 1981, o dramaturgo Tennessee Williams,
inspirado pela peça A Gaivota, criou The Notebook of Trigorin.
Apesar
do sucesso de Tchekhov como dramaturgo, alguns escritores acreditam que seus
contos representem sua maior conquista.[100] Raymond Carver, que escreveu o
conto Errand sobre a morte de Tchekhov, acreditava que ele era o melhor de
todos os contistas:
Os
contos de Tchekhov são tão maravilhosos (e necessários), hoje, como quando eles
apareceram pela primeira vez. Não é apenas o número imenso de contos que ele
escreveu —poucos escritores, se houver algum, escreveram mais que ele— é
impressionante a frequência com a qual ele produziu obras-primas, contos que
nos encorajam, bem como encantam e mexem conosco, que revelam as nossas emoções
de forma que só a verdadeira arte conseguiria.[nota 11]
— Raymond
Carver demostra sua admiração
pelos contos de Tchekhov[101]
O busto
de Tchekhov em Badenweiler, Alemanha.
Ernest
Hemingway, outro escritor influenciado por Tchekhov, foi mais relutante:
"Tchekhov escreveu cerca de seis bons contos. Mas ele era um escritor
aficionado".[102] E Vladimir Nabokov uma vez reclamou da "miscelânea
de terríveis prosaísmos, dos epítetos prontos e das repetições" de
Tchekhov.[103] Mas ele também declarou que A Dama do Cachorrinho era "uma
das maiores histórias já escritas" e que Tchekhov escrevia da "forma
que uma pessoa conta a outra sobre as coisas mais importantes em sua vida,
lentamente, mas sem pausas, e com uma voz suave".[104]
Para o
escritor William Boyd, o avanço veio quando Tchekhov abandonou aquilo que
William Gerhardie chamava de "enredo de eventos" para algo mais
"turvo, interrompido, remendado, ou em outras palavras, adulterado pela
vida".[105]
Virginia
Woolf refletiu sobre a qualidade única de um conto de Tchekhov em The Common
Reader (1925):
Mas é
este o final? Questionamos-nos. Temos sim a sensação de que perdemos os
sentidos; ou talvez a melodia tivesse sido interrompida de repente, sem aviso
prévio. Esses contos são inconclusivos, dizemos, e moldamos uma crítica baseada
na suposição de que os contos devam terminar de maneira que possamos
reconhecer. Ao fazê-lo levantamos a questão da nossa própria condição como
leitores. Quando a música é familiar e o fim enfático —apaixonados juntos,
vilões derrotados, intrigas expostas— como é na maior parte da literatura
vitoriana, as coisas não vão mal, mas quando a música não é familiar e o fim é
um ponto de interrogação ou apenas informações que eles passaram através de
diálogo, como nas obras de Tchekhov, precisamos de um sentido muito ousado e
alerta da literatura para nos fazer ouvir a melodia, e em particular as últimas
notas que completam a harmonia.[nota 12]
— Woolf
destaca a principal qualidade dos contos de Tchekhov[106]
As
obras de Tchekhov foram traduzidas em muitas línguas. O famoso escritor uzbeque
Abdulla Qahhor traduziu muitos dos contos de Tchekhov para a língua uzbeque.
Qahhor foi influenciado por Tchekhov e considerava o dramaturgo russo como seu
professor.[107]
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