Maria
Clara Delmas Campos,
18 anos, estudante do Rio de Janeiro. Sua redação foi uma das 53 que
obtiveram a nota máxima no Enem 2017. A seguir, o texto na íntegra:
A
formação educacional de surdos representa um desafio para uma sociedade
alienada e segregacionista como a brasileira. O desconhecimento da língua
brasileira de sinais — LIBRAS — e a visão inferiorizante que se tem dos
surdos podem acabar por excluí-los de processos educacionais e culturais e
mantê-los marginalizados em relação ao mundo atual. Portanto, esses desafios
devem ser superados de imediato para que uma sociedade integrada seja
alcançada.
Em
primeiro lugar, a pouca abrangência da língua de sinais entre os mais
diversos setores da sociedade faz dela um ambiente inóspito para os
deficientes auditivos. Pesquisas corroboradas por universidades brasileiras e
estrangeiras, como a Unicamp e a Universidade de Harvard, atentam para a
importância da linguagem como principal porta para a convivência social,
permitindo uma multiplicidade de interações interpessoais, como as de
educação, cultura, trabalho e lazer. Assim, quando a sociedade se fecha à
comunicação por sinais, justificada pela ignorância, aqueles que dependem
dessa linguagem têm dificuldades de obter educação de qualidade e ficam,
muitas vezes, à margem das demais interações sociais.
Além
disso, a maioria das escolas brasileiras não incluem os surdos, assim como os
demais portadores de necessidades especiais, em seus programas, estimulando a
diferença e o preconceito. Por mais que a legislação brasileira garanta o
ensino inclusivo, a maioria das escolas brasileiras não possuem estrutura
para atender aos deficientes auditivos, principalmente por conta da falta de
profissionais qualificados. A pouca inclusão dos jovens deficientes e
não-deficientes valoriza a diferença entre eles, gerando discriminação e uma
sociedade dividida. O renomado geógrafo Milton Santos dizia que uma sociedade
alienada é aquela que enxerga o que separa, mas não o que une seus membros,
algo que se evidencia na exclusão de surdos em todos os níveis de ensino.
Dessarte,
visando a uma sociedade mais justa, é mister superar os desafios da educação
de deficientes auditivos. Para que o surdo se integre aos diversos meios
sociais, como o educacional, o MEC deve fazer uma reforma curricular, que
contemple o ensino de LIBRAS como obrigatório em todas as escolas, através de
consultas populares na internet para determinação da carga horária. Ademais,
com o intuito de tornar as escolas inclusivas, o MEC e o Ministério do
Trabalho devem prover as escolas de profissionais capacitados, que possam
lidar com alunos surdos através de programas de capacitação profissional
oferecidos pelo SESI e SENAC. Dessa forma, o ensino tornará a sociedade
brasileira mais unida.
Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/enem-e-vestibular/enem-2017-leia-uma-redacao-que-tirou-nota-1000-22307655. Acesso em 14/02/2018.
A
dissertação-argumentativa de Maria Clara não tem título, algo previsto
pelo edital da prova de redação do Enem; para o exame, o título é facultativo
e o participante que não intitula seu texto não tem prejuízo em sua nota.
O
primeiro parágrafo do texto de Maria Clara é uma introdução que resume
toda a sua linha argumentativa e, assim, resume tudo o que está por vir. A
participante afirma, logo no início, que a formação educacional dos surdos no
Brasil é um desafio (reafirmando o tema da prova, inclusive) para uma
sociedade alienada e segregacionista como a brasileira (não só com os surdos,
obviamente e infelizmente). A alienação da sociedade inclui, para a
estudante, o desconhecimento da língua brasileira de sinais (Libras) e a
segregação se dá, entre outros meios, por meio da exclusão das pessoas surdas
dos processos educacionais e culturais, deixando-os à margem da sociedade. De
maneira incisiva, Maria Clara apresenta o tema e a sua opinião ao leitor, não
poupando críticas ao escolher palavras fortes como “alienada” e
“segregacionista”.
O
segundo parágrafo apresenta o argumento principal do texto: os
deficientes aditivos são segregados e marginalizados por, entre outras
coisas, a língua brasileira de sinais não ser ofertada, ensinada, aprendida e
usada em diversos setores da sociedade, já que a linguagem, de acordo com a
participante, é a porta para a convivência social no trabalho, no ensino, no lazer
etc. Ao utilizar esta estratégia argumentativa, Maria Clara fundamentou seu
argumento, isto é, explicou porque a Libras é fundamental para a inclusão dos
surdos na sociedade brasileira.
No
terceiro parágrafo, o texto foca na questão do ensino, afirmando que a
maioria das escolas do Brasil não incluem, de fato, os deficientes auditivos
e os demais portadores de necessidades especiais, uma referência a todas as
pessoas deficientes que tentam obter inclusão escolar, mas não conseguem;
esta menção, todavia, não tangencia o tema, apenas refere-se aos demais
casos, mostrando que a participante é ciente desta situação que não abrange
apenas os surdos brasileiros.
A
consequência disto, de acordo com o texto, é a diferença e o preconceito,
causados pela falta de profissionais qualificados em inclusão nas escolas
brasileiras. Neste terceiro parágrafo, a participante encaixa adequadamente
uma paráfrase de Milton Santos que afirma que uma sociedade alienada é aquela
que enxerga o que separa, não o que une, fenômeno que pode ser atestado nas
escolas brasileiras.
O
quarto e último parágrafo, ou seja, a conclusão, reafirma que é
fundamental superar os desafios apontados ao longo do texto. A proposta de
intervenção social sugerida é uma reforma curricular, promovida pelo
Ministério da Educação (MEC), que contemple a Libras, tornando-a uma
disciplina obrigatória, com a participação de toda a sociedade para decidir
sobre a sua carga horária (algo muito detalhado). Além disso, Maria Clara
propõe que escolas técnicas formem profissionais qualificados e capacitados
para lidar com alunos surdos em todas as escolas, o que tornaria a sociedade
mais unida.
Assim,
na conclusão, a participante retoma os pontos-chave de sua
dissertação-argumentativa (a pouca oferta de Libras e a falta de
profissionais especializados) e sugere propostas de intervenção sociais para
ambos, fechando seu texto. Além disso, ao longo de todo o texto, a estudante
obedeceu a norma culta da Língua Portuguesa e usou um vocabulário
diversificado e formal, típico de trabalhos formais e acadêmicos, inclusive.
Seria interessante se ela tivesse transcrito as siglas mencionadas, mas isso
não fez falta.
Até
a próxima semana!
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e
mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções
relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi
corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso
Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e
produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao
Ministério da Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!
O
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2017: Análise de Redação Nota 1.000 apareceu primeiro no infoEnem.
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sábado, 17 de fevereiro de 2018
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