Setembro marca celebração
da poesia em língua portuguesa no Rio
Publicado
em 01/09/2018 - 09:02
Por Akemi
Nitahara – Repórter da Agência Brasil Rio de Janeiro
Tenho
tudo / guardo sempre / vem o tempo / leva tudo / nada fica / mas a vida é
ingrata / talvez seja eu a mais ingrata / gosto do meu tudo / me apego com
carinho / assim é o tempo que passa / a vida que segue / trazendo na alma / a
juventude perdida / que um dia não amei e nem zelei / hoje, gosto do meu tudo /
e guardo com carinho.
O poema é
de Lindacy Meneses, ex-diarista de 60 anos, moradora da favela da Rocinha, na
zona sul do Rio de Janeiro, que deixou tudo para se dedicar exclusivamente à
literatura e à poesia. “Para se aperfeiçoar na literatura é muita caminhada,
você tem que se dedicar muito”, afirma.
Abertura
do 5º Encontro de Poetas da Língua Portuguesa, no Palácio do Catete, zona sul
da cidade. Na foto a poeta Lindacy Meneses. - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Ela
integra o grupo Sarauzeiras Oníricas e participa do 5º Encontro de Poetas da
Língua Portuguesa, que foi aberto nessa sexta-feira (31) no Museu da República,
no Catete. A organizadora-geral do encontro, Mariza Sorriso, destaca que o único
pré-requisito para participar do evento é ser poeta. “Não precisa nem ter tido
publicação. A gente tem pessoas famosas, pós-doutores, PhDs, mestres, e tem
também o sapateiro, o pedreiro, a empregada doméstica”.
Tudo
começou em 2013, quando Mariza foi a Lisboa fazer o pré-lançamento de um livro
e conheceu poetas portugueses. Surgiu a ideia de fazer o encontro e em 2014
ocorreu o primeiro deles, em Lisboa, com poetas do Brasil, de Portugal e
Angola. De lá pra cá, o evento cresceu e chegou a Maputo, em Moçambique.
Segundo ela, ele ocorre em várias cidades, numa grande celebração da língua
portuguesa.
“Este ano
começa no Rio, depois vamos para Olinda e Recife, dias 14 e 15, e Lisboa de 20
a 23, onde haverá o lançamento da antologia. Depois vamos para Angola, no dia
29. A intenção é unir mesmo, integrar, trocar cultura. Dentro do português
temos muitas variações. Nas antologias, muitas vezes a gente precisa colocar
nota de rodapé para entender”.
A cada
encontro é publicado um livro com poesias dos participantes. Os poetas fazem
passeio por pontos importantes da literatura no centro do Rio, como a Academia
Brasileira de Letras, o Real Gabinete Português de Leitura, as confeitarias
Colombo e Itajaí e a Biblioteca Nacional.
Neste
sábado, a programação no Museu da República terá a palestra "A importância
da integração dos poetas de língua portuguesa para a literatura", do
professor Luiz Otávio Oliani, além de atividades culturais, apresentação
musical de ritmos lusófonos e a leitura de poesias.
“Não
sabia que escrever sofria tanto”
Lindacy
diz que entrou para o mundo da literatura a fim de contar a sua história. Filha
de uma prostituta, ela se viu abandonada aos 7 anos de idade após a morte da
mãe, no Recife. Não se adaptou à casa do irmão e veio parar na casa de parentes
no Rio de Janeiro, tendo que começar a trabalhar aos 9 anos como empregada
doméstica para ajudar no sustento da casa, depois que a mãe adotiva se separou.
Foi obrigada a deixar os estudos ainda criança.
Em 2012,
ouviu no telejornal um convite da Festa Literária das Periferias (Flup) a
poetas e escritores que tivessem contos e poesias para publicar. “Eu não era
nada e não tinha nada, mas pedi pra minha filha me inscrever porque eu queria
contar a minha história”, lembra. “Mas não era só ir lá e contar e minha
história que alguém ia escrever e eu ia sair com o livro pronto, como pensei.
Era uma oficina literária e tive que fazer um texto sobre o Rio de Janeiro, eu
nem sabia o que era texto, minha filha me explicou. Eu escrevi, minha filha
mandou, depois de um tempo me chamaram, eu fui selecionada para participar”.
Lindacy
foi acompanhada do marido à Flup, no Morro dos Prazeres, e se apaixonou pelo
ambiente literário. “Eu falei que era iletrada, eu sei ler e escrever, mas
muito pouco. Eu não entendia o que as pessoas falavam, mas meu marido me
apoiou. Fiquei encantada com aquela festa toda. Passaram a tarefa e, em casa,
desenvolvi o conto. Depois, na reunião tive que falar sobre como eu escrevia,
acharam ótimo, maravilhoso. Me aplaudiram pela minha força de vontade”, lembra
emocionada.
Ela não
parou mais de escrever e resolveu deixar de trabalhar depois de ter um ataque
epilético, que atribui à ansiedade gerada pelo processo de escrita. “Eu comecei
a ficar naquela ânsia de querer escrever, voltei a estudar, mas as dificuldades
são muitas. Minha mãe adotiva tem problema no pé, então eu tenho que fazer
tudo, o marido alcoólatra, uns netos que ainda moram lá em casa, me dando
trabalho. Mas aí eu fui, nessa ansiedade de querer aprender, de querer fazer
tudo, e tive um ataque epilético. Coisa que nunca aconteceu, sempre fui
saudável. Acho que foi a ansiedade, que era demais. Eu comecei a escrever e
comecei a sofrer. Não sabia que escrever sofria tanto, dá uma emoção, uma
coisa, tem hora que até choro”.
Agora,
Lindacy Meneses está escrevendo a sua história, além de contos e poesias, e é
uma das integrantes da Antologia Comemorativa do 5º Encontro de Poetas da
Língua Portuguesa, livro que reúne trabalhos de 135 poetas de sete países. A
publicação será lançada hoje no evento.
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