A Deus, supremo benfeitor
História dos hinos
Por Henriqueta Rosa F. Braga
Corria
o século 16. Intensificava-se a Reforma religiosa. Lutero (na Alemanha)
e Calvino (em Genebra) queimavam suas energias no movimento de fé a que
haviam dedicado suas vidas. Na organização do culto evangélico, tanto
um quanto o outro defrontaram-se com o problema da música sacra. Lutero,
dotado de grande sensibilidade e possuindo alma de verdadeiro artista,
compreendeu de pronto o relevante papel da música na igreja, qual seja o
da edificação espiritual. Desejando levar os fiéis a tomarem parte
ativa no ofício divino, criou o coral, que permitia a toda a congregação
entoar em uníssono louvores a Deus. Calvino, porém, mais arredio à arte
musical, desconfiado dela e temeroso da sua influência, que julgava
perniciosa, proibiu o seu uso no culto reformado.
Um
dia, entretanto, em visita a Estrasburgo, assistiu na catedral desta
cidade a um culto luterano e sofreu um verdadeiro impacto musical ao
ouvir a massa dos fiéis entoando em uníssono um dos belos corais
preparados por Lutero. Convenceu-se da legitimidade do uso da música no
serviço religioso e, ao regressar a Genebra, estabeleceu que daí por
diante também nos cultos reformados genebrinos fossem entoados cânticos
espirituais, contanto que os seus textos versassem exclusivamente os
salmos bíblicos.
Clemente Marot e Teodoro de
Beza, dois franceses geniais, vinham justamente metrificando os salmos
em vernáculo, que, aliás, estavam em grande voga na corte francesa, onde
eram cantados
pelos nobres com melodias populares de todos conhecidas.
Atraindo
a Genebra dois grandes músicos, Luiz Bourgeois e Cláudio Goudimel,
conseguiu Calvino que estes pusessem em música os 150 salmos. Em alguns
casos, foram compostas melodias originais; em outros, adaptaram-se
melodias populares, não raro conservando-se aquelas já de uso corrente
nos salões aristocráticos franceses.
A melodia
atribuída ao Salmo 100 e posteriormente vinculada ao Salmo 134 chegou
até nós ligada à conhecida doxologia: “A Deus, supremo benfeitor”, que
se encontra sob o número 227 em Salmos e Hinos.
Este
texto é comumente denominado “Doxologia maior”, tendo sido escrito em
1602 pelo bispo inglês Thomas Ken e por ele acrescentado, como
terminação, a cada um dos três hinos que na mesma época escreveu.
Posteriormente foi deles desligado ganhando individualidade própria e
ultrapassando fronteiras, tendo sido traduzido para várias línguas,
inclusive o português, por Sarah Poulton Kalley.
Seu
autor, crente fiel, jamais temeu, no desempenho de suas funções
eclesiásticas, clamar contra o vício e a depravação dos costumes, o que
lhe valeu ser encarcerado nas famosas masmorras da Torre de Londres.
Eis a letra:
A Deus, supremo Benfeitor,
Ao Filho Eterno, Deus de amor,
Ao Santo Deus Consolador,
Ó anjos e homens, dai louvor.
• Henriqueta Rosa Fernandes Braga (1909-1982) foi musicista, professora e musicóloga. Recebeu o primeiro diploma universitário de música conferido no Brasil. Pesquisadora, palestrante e conferencista, dedicou-se à conservação e às publicações do hinário Salmos e Hinos, que formou gerações de protestantes no Brasil desde as suas primeiras edições. De 1968 a 1984, assinou a coluna da revista Ultimato intitulada “Música sacra” e é autora de Contando e Cantando e Contando e Cantando (vol. 2).
Sem comentários:
Enviar um comentário