sábado, 31 de julho de 2021

BOM DOMINGO...

 

A Deus, supremo benfeitor

História dos hinos
Por Henriqueta Rosa F. Braga
 
Corria o século 16. Intensificava-se a Reforma religiosa. Lutero (na Alemanha) e Calvino (em Genebra) queimavam suas energias no movimento de fé a que haviam dedicado suas vidas. Na organização do culto evangélico, tanto um quanto o outro defrontaram-se com o problema da música sacra. Lutero, dotado de grande sensibilidade e possuindo alma de verdadeiro artista, compreendeu de pronto o relevante papel da música na igreja, qual seja o da edificação espiritual. Desejando levar os fiéis a tomarem parte ativa no ofício divino, criou o coral, que permitia a toda a congregação entoar em uníssono louvores a Deus. Calvino, porém, mais arredio à arte musical, desconfiado dela e temeroso da sua influência, que julgava perniciosa, proibiu o seu uso no culto reformado.
 
Um dia, entretanto, em visita a Estrasburgo, assistiu na catedral desta cidade a um culto luterano e sofreu um verdadeiro impacto musical ao ouvir a massa dos fiéis entoando em uníssono um dos belos corais preparados por Lutero. Convenceu-se da legitimidade do uso da música no serviço religioso e, ao regressar a Genebra, estabeleceu que daí por diante também nos cultos reformados genebrinos fossem entoados cânticos espirituais, contanto que os seus textos versassem exclusivamente os salmos bíblicos.
 
Clemente Marot e Teodoro de Beza, dois franceses geniais, vinham justamente metrificando os salmos em vernáculo, que, aliás, estavam em grande voga na corte francesa, onde eram cantados
pelos nobres com melodias populares de todos conhecidas.
 
Atraindo a Genebra dois grandes músicos, Luiz Bourgeois e Cláudio Goudimel, conseguiu Calvino que estes pusessem em música os 150 salmos. Em alguns casos, foram compostas melodias originais; em outros, adaptaram-se melodias populares, não raro conservando-se aquelas já de uso corrente nos salões aristocráticos franceses.
 
A melodia atribuída ao Salmo 100 e posteriormente vinculada ao Salmo 134 chegou até nós ligada à conhecida doxologia: “A Deus, supremo benfeitor”, que se encontra sob o número 227 em Salmos e Hinos.
 
Este texto é comumente denominado “Doxologia maior”, tendo sido escrito em 1602 pelo bispo inglês Thomas Ken e por ele acrescentado, como terminação, a cada um dos três hinos que na mesma época escreveu. Posteriormente foi deles desligado ganhando individualidade própria e ultrapassando fronteiras, tendo sido traduzido para várias línguas, inclusive o português, por Sarah Poulton Kalley.
 
Seu autor, crente fiel, jamais temeu, no desempenho de suas funções eclesiásticas, clamar contra o vício e a depravação dos costumes, o que lhe valeu ser encarcerado nas famosas masmorras da Torre de Londres.
 
Eis a letra:
 
A Deus, supremo Benfeitor,
Ao Filho Eterno, Deus de amor,
Ao Santo Deus Consolador,
Ó anjos e homens, dai louvor.



• Henriqueta Rosa Fernandes Braga (1909-1982) foi musicista, professora e musicóloga. Recebeu o primeiro diploma universitário de música conferido no Brasil. Pesquisadora, palestrante e conferencista, dedicou-se à conservação e às publicações do hinário Salmos e Hinos, que formou gerações de protestantes no Brasil desde as suas primeiras edições. De 1968 a 1984, assinou a coluna da revista Ultimato intitulada “Música sacra” e é autora de Contando e Cantando e Contando e Cantando (vol. 2).

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