EU
Quando foi que lhe ensinaram
A rejeitar seu corpo
A negar seu rosto
A olhá-lo desse jeito torto
Envergonhado?
Ele pula, ele dança, ele corre.
Quando foi que lhe falaram
Que o seu cabelo é feio
Ele não tem jeito
Desalinhado?
Ele pulsa, ele balança, ele sacode.
A gente nem sabe ao certo
De que parte veio
Esse nosso modo
De nos olhar tão feio.
É que em algum momento
Com uma voz
Vem um lamento.
A gente se desconcerta
Desatina, não tem alento.
A gente vai se perdendo
Se apartando de si mesmo,
E nesse jogo de espelho
O que vejo, já não reconheço.
Com o desacerto instalado
Caminho a passos largos
Para o desassossego.
O que desejo importa mais
Um padrão, uma meta, o pesadelo.
O Narciso vestiu-se do avesso
E com essa nova engrenagem
O que lhe repulsa
É tudo que procede da sua própria imagem.
E assim, desterrados do próprio eu
A gente vai vivendo à espreita
No desespero escondido,
De quem vive sob suspeita.
Sim. Que crime foi esse
Nos foi doutrinado?
É a vergonha personificada
Inadequação exacerbada
A figura do outro
Que não foi alcançada.
...
Respiro.
Reconheço.
Recomeço.
Novo ciclo
Novas sementes
Outra consciência.
Com ela, a certeza
De que embora incipiente
O solo é fértil
Porque produzido sob outra segurança
Com toda a riqueza e potencialidade
De mais uma criança.
Juliana Ribeiro

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