sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

BAILE FUNK...

 

 (Baile Funk).
De direitos humanos e dos de outros bípedes  
Heitor De Paola,
 
Texto escrito em meados de 2002, quando Fernandinho Beira-Mar comandou uma rebelião no presídio de Bangu I.
Cheguei à conclusão — não sei se triste ou alegre, porém certamente tardia — de que não sou um ser humano! Geralmente, alguém que se sente assim é porque imagina ser um deus, um santo, um extraterreno. Como não sou tão maluco para pensar estas coisas, me resta a velha pergunta que os existencialistas faziam com tanto charme: quem sou eu?
Sou bípede, tenho todos os atributos físicos dos tais seres, mas não sou assim considerado. É o tal negócio: parece gato, mia, tem cara de gato . . . mas não é gato.
Dei a pensar nisto ontem quando via que o Fernandinho Beira Mar havia feito um enorme fuzuê em Bangu I, mandado e desmandado e que as nossas otoridade [sic] foram lá conferenciar com o tal para firmar um acordo — firmar, veja bem — ‘para que não houvesse uma tragédia’. Invasão do presídio, redução dos bandidos à submissão a qualquer preço, nem pensar. Haverá tragédia pior do que esta? E aí me explicaram que era por causa dos direitos — ou dereitos — humanos, ora. Ah, bom, ta tudo explicado, então. Em nome dos tais, as otoridade garantiram a segurança do Beira e seus asseclas, que por sua ordem não foram transferidos, só os que ele, este sim a verdadeira Autoridade, mandou. Entendi, então, que a tal segurança máxima é a deles, ninguém pode atingi-los, tão bem protegidos estão pelas otoridade.
Ao mesmo tempo, o Secretário de Segurança dos Traficantes estava na TV explicando que agora o crime organizado passaria a ser combatido por destemidos policiais usando dirigíveis e . . . patinete! Bem, provavelmente os livros de instruções serão revistinhas de Pato Donald, Mickey, Mônica e para os valentes argonautas as técnicas de aviação do Frei Bartolomeu de Gusmão — edição só ilustrada, please, que letrinhas cansam.

As ruas do Rio estão infestadas de seres humanos a tal ponto que tenho medo de passar em determinados trajetos, como p. ex., a Linha Amarela. Ao voltar para casa tenho que escolher entre dois trajetos, qual terá passagem? É pior que roleta russa pois pode haver num e eu escolher errado ou ambos terem seres humanos me ameaçando. Parece a versão lusitana: cinco balas e uma câmara livre! Os filhos quando saem para algum programa noturno, ficamos sempre apreensivos, será que voltam? E diurno, dá? Daqui a pouco não conseguiremos mais andar pelas ruas. E a polícia nada pode fazer, se matar alguns é chacina e lá vem os Comitês de direitos humanos, as ONGs especializadas em direitos humanos, dá um processo danado, ONU e tudo! Se os meliantes forem ‘de menor’, é um Deus nos acuda, a turma do Estatuto da Infância e da Adolescência, incluindo senhoras desocupadas, Juízes, sociólogos, psicólogos, e as otoridade, tomam a si a tarefa de proteger os coitadinhos e o policial é comparado, no mínimo, às SS de Hitler.
Dormir anda meio difícil em qualquer área, pois os bailes funk, os pagodes e os forrós tomaram conta da cidade, ‘ta tudo dominado! Antes era sexta e sábado, agora já estenderam para quinta e domingo, não tarda muito vai ser todos os dias na porta de casa. Vai reclamar, é pior ainda, pois além dos direitos humanos você estará agredindo a cultura (???) popular! Oh! Reacionário, burguês, quer dormir é? Pois toma funk madrugada adentro. Mais estranhas ainda, estas pessoas não pagam IPTU, nem luz, nem água, gás geralmente roubam, e eu tenho que pagar tudo isto, por mim e por eles. Ora, direis, direitos humanos! Como não gozo destes direitos, de ir e vir, de dormir em paz, de ir a qualquer lugar, de ver as autoridades que ajudei a eleger, mesmo não votando nestas especificamente, exercerem em meu nome suas prerrogativas constitucionais, concluí que não sou um ser humano, pois tais direitos só existem para esta categoria especial à qual não pertenço.
Gostaria muito de dar este importante passo evolutivo, mas já não tenho idade para tanto. Nem meus filhos. Talvez meus netos possam aprender o que é ser um ser humano de verdade. Vou certamente ensina-los: passar a noite num baile funk cheirando e fumando todas, estuprando menininhas pré-adolescentes e dominando tudo. De manhã ir dormir um pouco pois os não humanos estão trabalhando, não farão barulho e eles poderão exercer seus direitos à forra. Antes disso, se for casado, uma boa surra na mulher, se for solteiro, mãe também serve. Quando os outros seres estiverem voltando da labuta diária, levantar, fumar mais um baseado, cheirar mais um papelote, pegar um revolver e sair para exercer seus direitos de redistribuição de renda, verdadeira causa de serem tão humanos, assaltando os outros. Se tiver sorte e ser mais humano ainda, nem precisa disto, é só pegar a féria de seus pontos de fumo. Provo, assim, que tenho uma mente privilegiada, só uma coisa ainda não entendeu: quem são mesmo os incluídos e os excluídos? Acho que vou ter que consultar a CNB do B, pois se eu estiver excluído, ao menos terei o direito de dar o meu GRITO no dia 7 de setembro, suprema glória!
O autor é um ser indefinido, que acredita ser médico, na ainda maravilhosa cidade do Rio de Janeiro (ao menos enquanto os seres humanos permitirem). Permitida a divulgação e publicação, menos, é claro, entre os seres humanos, porque eles podem não gostar e eu estarei frito!


Heitor De Paola é escritor e comentarista político, membro da International Psychoanalytical Association e Clinical Consultant, Boyer House Foundation, Berkeley, Califórnia, e Membro do Board of Directors da Drug Watch International. Possui trabalhos publicados no Brasil e exterior. É ex-militante da organização comunista clandestina, Ação Popular (AP).
 

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