Uma armadilha contra os conservadores
Paulo Henrique Araujo
O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, realizou discurso para o congresso de seu país no último dia 21 de fevereiro de 2023, um discurso muito aguardado também após a visita do Presidente americano Joe Biden no dia anterior a Kiev. Poderíamos abordar diversas perspectivas e fatos acerca das quase duas horas de discurso realizadas por Putin, porém o que mais me chamou a atenção foram os efeitos causais dos primeiros 30 minutos.
Mas antes de prosseguir quero combinar um detalhe contigo: iremos hoje abordar aqui um determinado aspecto das questões levantadas, a intenção não é esgotar o assunto ou mesmo sairmos daqui com um jogo de respostas prontas. Então, não nos deixemos tomar pela sedução do whataboutism, expressão derivada do termo em inglês what about, em tradução livre para o português seria algo como “tá, mas e tal coisa?”, ou seja, não classifiquemos nosso diálogo por um jogo de soma zero deste vício comum e já corriqueiro nos dias de hoje. Combinado?
Os primeiros 30 minutos do discurso de Putin, não foram focados de maneira alguma nas questões práticas da guerra em si, mas em questões sociais que envolvem problemas que realmente existem em nossa sociedade atual. Abordou os problemas de ordem moral, da agenda LGBT, do identitarismo e até mesmo questões voltadas à “tradição”. Ora, para a maioria dos conservadores e pessoas comuns, combalidas e sufocadas por estes problemas, suas palavras soaram como música. As redes sociais, principalmente o twitter, ficaram em polvorosa e uma frase passou a ser repetida por diversos perfis: “eu dou razão para Putin”. Pois bem, vamos então entender um pouco mais do que está escondido neste discurso.
O Ocidente e a Rússia
Percebam que no discurso, Putin taxa abertamente o Ocidente de uma forma generalista e simplificada de ser o grande problema de todos os males modernos. Isso é atrativo e até mesmo fácil de entender para a maioria das pessoas, a mágica do enquadramento. Porém, você caro leitor, já parou para pensar o que é o ocidente?
O ocidente, tal como denominamos de maneira resumida, começa a sua história há mais ou menos 2450 anos na Grécia Antiga. De suas bases surgem os estudos filosóficos, diplomáticos, militares, políticos e principalmente o teológico, onde em suas bases está o Cristianismo, com nada menos que 2000 anos de história. Ao longo de todo este tempo o Ocidente passou por diversos problemas, guerras, pestes e afins; mas sempre manteve suas bases em meio ao caos e pode se reconstruir. Um bom exemplo é após a invasão e queda de Roma no século V. Deste caos, em diversos aspectos muito pior do que este vivenciado hoje, surgiu a era da Cristandade, um dos períodos de maior crescimento intelectual da humanidade, conhecido como medievo e tratado pelos revolucionários como Idade das Trevas.
Ao largo de toda esta história, estava as origens do povo Russo que, por muito tempo, não teve um contato a nível civilizacional ou de influência direta desta cultura. Somente no século XVI, que a cultura ocidental começa a ter uma penetração um pouco maior no recém-formado Império Russo, mas ainda muito pouco. No século XVIII, A Czarina Catarina II inicia o processo de trazer Moscou para este lado do mundo, mas o faz da pior maneira possível, buscando e acolhendo filósofos e pensadores iluministas, sim a mentalidade que daria a base para a Revolução Francesa. Este processo começou a transformação revolucionária interna da Rússia, que pode ser captada/assimilada através da leitura das obras de Fiódor Dostoiévski. Em seguida tivemos a revolução Bolchevique, União soviética e cá estamos.
Aqui precisamos entender que quando Putin fala do Ocidente, ele não o trata como algo que precisa ser “salvo” ou mesmo “restaurado”. Em essência, o Presidente russo fala da destruição do Ocidente e sua tradição milenar, o que inclui a principal base que nos sustentou até os dias de hoje: A moral Cristã da Igreja. Sei que alguns irão argumentar sobre a questão da igreja ortodoxa e de Putin dizer-se cristão… bom, não, não o é.
Vladimir Putin
Putin é fruto do Marxismo ateu, fora oficial do partido Comunista, Coronel da KGB (atual FSB) e protegido político de Iúri Andropov, secretário-geral do Partido Comunista da União soviética. Seu cargo principal foi exercido em na Alemanha Oriental, sob controle soviético, na cidade de Dresden (ao invés de Berlin), o que tornou nebuloso o seu cargo, levando muitos a acreditar que seu posto era secundário. Putin era ligado diretamente a um dos maiores espiões de todos os tempos: Marcus Johannes Wolf, chefe da Diretoria de Reconhecimento (Hauptverwaltung Aufklärung), a divisão de inteligência estrangeira do Ministério de Segurança do Estado da Alemanha Oriental (Ministerium für Staatssicherheit, abreviado MfS, comumente conhecido como Stasi).
A função de Putin era contatar, financiar com recursos da KGB e, organizar atentados terroristas com grupos como a Facção do Exército Vermelho, o Baader-Meinhoff e outros que atuavam na Alemanha Ocidental e, possivelmente, organizações terroristas islâmicas.
Assim como Stalin, ao qual Putin se espelha e admira muito do estilo de “fazer política”, Putin utiliza-se do Césaro-Papismo característico da igreja Ortodoxa russa para instrumentalizá-la como um joguete político. O próprio atual patriarca da Igreja Ortodoxa, Patriarca Kirill, atuou para a KGB nos anos 1980 segundo informações descobertas pela inteligência da Suíça. O cristianismo para Putin não passa de um argumento retórico para o discurso que lhe ajudará a galgar o poder e garantir o maior número de adeptos possíveis.
Intenção a nível social
Quando Putin apresenta problemas sociais que afligem o Ocidente nos dias de hoje, está abertamente colocando-se como um purificador que, ao fio da espada, irá destruir-nos e estabelecer uma Nova Ordem Mundial segundo a visão de mundo. Porém, para isso é necessário fazer com que os próprios ocidentais odeiem a sua cultura, mascarando-a com aquilo que ela não é. Faz isto utilizando-se de sintomas de uma doença que estamos enfrentando e, não pelo que queremos proteger enquanto civilização de fato: os valores que nos trouxeram por mais de 2000 anos de história e que todos os dias estamos lutando para evitar que sejam destruídos, por agentes revolucionários que, tal como Putin, querem destrui-los e estabelecer uma Nova Ordem Mundial também segundo suas visões.
O detalhe interessante: ambos os lados cooperaram e ainda cooperam a vários níveis para isto. As ligações de financiamento e utilização ideológica entre “globalistas” e “eurasianos” não é de hoje, mas possuem suas origens práticas ainda no século XIX e o nível de cooperação foi muito além do monetário, chegando até mesmo na garantia da criação e existência, tal qual foi na revolução bolchevique, na manutenção financeira dos leasings de Roosvelt à Stalin, na cooperação de ambos os lados para Criação da China atual através da ONU e tantos outros exemplos. O que estamos presenciando neste momento é um choque de superfície para a implementação de uma hegemonia de Nova Ordem Mundial, seja ela “globalista” ou “eurasiana”. O jogo de Putin nisto é fazer com que as pessoas deste lado acreditem que a elite globalista deva ser destruída JUNTO com o ocidente, no bom jargão popular: jogar a água da bacia fora com o bebê.
Agora pergunte-se: além do discurso, o que Putin propôs para restauração do ocidente, dos valores ocidentais, dos valores que baseiam a nossa cultura? Te garanto, não encontrará nada. No máximo alguma citação genérica (propositadamente vaga) a escritos sagrados, tradição e afins… o mais pleno uso de palavras talismã, ensinados pelo Dr Plínio Corrêa de Oliviera em seu livro “Corrupção da Linguagem e a Propaganda Comunista”. Por outro lado, faça o exercício de olhar os problemas da sociedade russa e encontrará problemas iguais ou até mesmo mais graves que enfrentamos aqui no Brasil, no que diz respeito a liberdade de expressão, imprensa e segurança jurídica.
Em resumo, Putin está aplicando única e somente a tão bem elaborada teoria da subversão cultural soviética, revelada ao mundo pelo desertor Yuri Bezmenov. (Vou deixar ao final o link para uma palestra onde ele apresenta esta estratégia e para um livro com mais detalhes ainda.)
Falsa equivalência com a guerra
Tudo isto nos leva um problema claro: a desumanização e a falsa equivalência com a guerra. Boa parte das pessoas passam a fazer o whataboutism e simplesmente dar razão a Putin em seu discurso (os primeiros 30 minutos) e a tratar ele como tendo “a razão” e, por extensão, como justificativa para a invasão de um país vizinho, que ele considera parte do seu território e o deseja anexa-lo por completo, assim como seus vizinhos Bielorússia, Moldávia, Letônia, Estônia, Lituânia, Geórgia e outros, para o retorno das bases do que foi a União Soviética e remediar, o que segundo o próprio Putin, foi o maior erro cometido por Gorbachev: dar a independência para estas republicas. Estes países quando se aproximam do Ocidente, não o fazem por que a “OTAN está avançando”, estes países estão pedindo nos últimos 30 anos socorro e proteção para não serem tragados por uma guerra e terem seu povo massacrado como tem acontecido com a Ucrânia nos últimos 9 anos.
Para mascarar e justificar este objetivo, assistimos de tudo, até mesmo utilizar a corrupção política da Ucrânia como justificativa para a invasão, ora, por isso então o Brasil nem deveria mais existir e ser invadido por Putin igualmente. Vale dizer que a corrupção política ucraniana é uma herança soviética muito bem azeitada e utilizada pelo próprio Putin durante muitos anos.
Meu caros, temos aqui, somente nesta abordagem superficial material para ampliarmos esta exposição para um ensaio ou até mesmo um pequeno livro. Não espero ter esgotado argumentos sobre uma questão tão ampla ou fechado todos os pontos. O que espero de verdade é que tenha lhe instigado para exercitar um olhar mais cético e aprofundado a vídeos minuciosamente recortados de discursos que servem com peça de propaganda, para lhe induzir a uma forma revolucionária de enxergar a realidade e abandonar as bases daquilo que espera conservar, afinal, creio que escrevo este texto para uma maioria de conservadores.
Palestra citada no artigo: Subversão Comunista – Yuri Bezmenov – Dublado – YouTube
Livro indicado no artigo: Subversão: teoria, aplicação, e confissão de um método
*Agradeço ao Dr. Heitor de Paola pela colaboração sobre a atuação de Putin na Alemanha Oriental.
Paulo Henrique Araujo
Analista político, palestrante e escritor; é o fundador, editor e diretor do portal PHVox e também apresenta os programas ao vivo em nosso canal do YouTube.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
PONTO DE VISTA...
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