Alexandre Garcia: o poder é o povo
"Parece simples o funcionamento de tudo isso, baseado
no Direito Natural, nos costumes, na ética e na ordenação da convivência entre
as pessoas físicas e jurídicas. Por que, então, tanta dúvida como hoje?",
observa o jornalista
Às vezes a gente precisa ouvir o óbvio para se dar conta das
verdades. Foi o que me aconteceu, ao ouvir o presidente da Argentina, Javier
Milei, demonstrando que o representante não é mais nem maior que o
representado. Me fez pensar. O representado é o povo, a nação — somos nós.
O representante é aquele a quem damos voto — ou procuração —
para nos representar. Nos legislativos, são vereadores, deputados, senadores.
Nos executivos, para agir em nosso nome, administrando o dinheiro de nossos
impostos, os prefeitos, governadores e presidente. Todos pagos pelo povo.
A então primeira-ministra Margaret Thatcher ensina que não
há dinheiro público, o que há é o dinheiro dos pagadores de impostos. Há uma
hierarquia organizacional para que tudo funcione. Por isso, devemos respeito
aos nossos representantes. Mas, pelo olhar reverso da hierarquia, eles nos
devem mais respeito, porque nós somos a origem do poder a eles concedido.
Servem a nós, o povo, e ao povo devem respeito.
Outro que me fez pensar foi o então presidente dos Estados
Unidos Ronald Reagan, quando lembrou que a Constituição americana é diferente
porque estabelece até onde o estado pode ir, e deixa livre até onde o povo pode
ir, enquanto outras constituições estabelecem até onde a nação, o povo, pode
ir. Uma constituição democrática é aquela que existe para impedir a tirania,
vedar os excessos dos governantes, mantê-los dentro da lei maior.
Embora não seja como a americana, a Constituição de 1988 faz
jus à adjetivação do Doutor Ulysses: Constituição Cidadã — porque garante
igualdade sem distinção de qualquer natureza e considera pétreos os direitos à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade.
Consagra a livre manifestação do pensamento, sem anonimato,
assim como é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
São invioláveis a privacidade, o sigilo das comunicações, os
deputados e senadores por quaisquer palavras, assim como é livre a locomoção e
a reunião pacífica. Nossa Constituição diz que não haverá tribunal de exceção e
ninguém será processado senão pela autoridade competente — o juiz natural —,
assim como ninguém será privado de liberdade ou de seus bens, sem o devido
processo legal.
Também diz que o Ministério Público é essencial para a
função jurisdicional do Estado, a quem compete promover, privativamente, a ação
penal. No início, estabelece como poderes o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário — com o primado do poder que pode fazer leis e deve fiscalizar os
demais poderes, porque tem o voto direto da origem do poder. Depois, vêm os que
administram o Estado segundo as leis e, por fim, os servidores escolhidos para
aplicar as leis.
Parece simples o funcionamento de tudo isso, baseado no Direito
Natural, nos costumes, na ética e na ordenação da convivência entre as pessoas
físicas e jurídicas. Por que, então, tanta dúvida como hoje, tanta insegurança
jurídica, tanta falta de estabilidade em relação ao dia seguinte, tanto medo,
tanta desconfiança? Hoje, a Constituição tem sido desrespeitada em todos os
direitos que enumerei acima e ninguém diz nada, porque parece que ninguém
percebe que o representante não é maior que o representado, e que a
Constituição foi feita para impedir a tirania. O resultado dessa omissão pode
ser fatal para a democracia.
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