https://youtu.be/mrvDEIu5KHE?si=PTccWyb7hu2T5lwA Dr.Lair
O maior
problema do mundo
Época,
30 de dezembro de 2000
De
todas as “questões para o próximo milênio”, esta é uma que ninguém sabe
resolver
O maior
problema do mundo não é a miséria, não é a guerra, não é a delinqüência. É dar
uma função socialmente útil às pessoas que produzem esses males, de modo que
parem de produzi-los. Nenhum desses problemas surge do acaso ou do mero efeito
inconsciente das ações das massas anônimas. Cada um deles surge da iniciativa
de pessoas e grupos dotados do poder de agir.
Só há
três classes de pessoas poderosas: os ricos, os chefes político-militares e os
intelectuais. Dessas três, só a primeira encontrou seu lugar no mundo. Ela
organizou tão bem sua atividade que, além de liberar forças produtivas jamais
sonhadas (como salientava Marx), tornou a economia uma máquina de prosperidade
geral capaz de funcionar sozinha, sem muita interferência do Estado. A classe
dos ricos – a burguesia – cumpriu seu papel: abrir o caminho de dias melhores
para toda a humanidade. Só que, para fazer isso, ela tornou a economia o centro
da vida, organizando as outras duas esferas do poder – a político-militar e a
intelectual – pelo modelo de administração das fábricas ou dos bancos. O
capitalismo racionalizou e burocratizou o Estado, a Justiça, os exércitos e a
vida intelectual. Um chefe militar é hoje um funcionário, como é funcionário o
homem de ciência. Na vida político-militar não há mais lugar para caudilhos ou
condottieri, tal como na esfera do conhecimento há cada vez menos lugar para o
sábio independente.
Isso
fez com que entre essas duas esferas e a da economia surgisse uma diferença
radical. Na economia há patrões e empregados, os primeiros apostando na
inventividade pessoal e no risco, os segundos na segurança e na rotina. Tanto a
margem de iniciativa dos primeiros quanto as garantias sociais dos segundos se
ampliam com o tempo, diferenciando bem os tipos humanos correspondentes. Nada
disso há nas esferas político-militar e intelectual. Aí não há patrões. Todos
são empregados. Todos estão enquadrados no regulamento que reduz ao mínimo o
campo das decisões e da criatividade pessoal. O gênio, a inventividade, a audácia
refluem para a única esfera restante: a economia. Por isso ainda é possível um
Bill Gates. Mas já imaginaram um Bill Gates da política, da guerra, da ciência,
da filosofia? Não, não há mais lugar no mundo para Júlio César, Carlos Magno,
Leibniz ou Aristóteles.
Tudo
isso estaria muito bem se as pessoas dotadas de gênio e iniciativa nessas
esferas se conformassem com o estado de coisas. Mas essa conformidade não
parece ser compatível com a natureza humana. As personalidades vigorosas,
rejeitadas pelo sistema, continuam surgindo. Não encontrando espaço, abrem-no
com os cotovelos. Num sistema que as acolhesse, teriam sido gênios criadores.
Rejeitadas pelo mundo real, rejeitam a realidade. Inventam outra, impossível, e
tornam-se artífices da destruição. Tornam-se Lenin, Hitler, Stalin, Mao.
Tornam-se chefes de máfias. Tornam-se inventores de idéias macabras, capazes de
seduzir as massas e levá-las ao suicídio. Tornam-se os senhores da morte, da
miséria, do caos.
Nosso
tempo não produziu nenhum Aristóteles, nenhum Moisés, nenhum criador de mundos.
Produziu mais gênios do Mal que qualquer outro período da História. Sem eles, a
existência, ou pelo menos a dimensão atual de todos os males apontados no
início deste artigo, seria inconcebível.
Já
sabemos como organizar a economia. Só não sabemos organizá-la de modo a evitar
a marginalização que transforma os gênios em titãs excluídos e os devolve à
História na forma de furacões. Este é o maior problema do mundo. Teremos um
milênio inteiro para encontrar sua solução?
Olavo de Carvalho
Professor,
filósofo, escritor, ensaísta e jornalista. Escreveu mais de 40 livros, mais de
44 cursos, idealizador do Curso Online de Filosofia, o COF, contabilizando mais
de 570 aulas. [29 de abril de 1947 – 24 de janeiro de 2022]
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