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Dizem
que o liberalismo é isso. Mas a coisa não faz o mínimo sentido
Não há
maior prova da estupidez de certos intelectuais esquerdistas que a freqüência
com que a expressão “idolatria do mercado” brota de seus lábios.
O que
sugerem com essa frase feita é que o capitalismo liberal elimina todos os
valores, deixando em seu lugar somente o critério de mercado, isto é, que tudo
nele só vale pelo preço, numa universal redução da qualidade à quantidade.
Se
dissessem isso como mentira consciente, seriam canalhas, mas não estúpidos.
Entre o estúpido e o canalha, este é infinitamente preferível, porque só é
canalha quando quer e em proveito próprio, ao passo que o estúpido é estúpido
em tempo integral e até contra si mesmo.
Como
fazer ver a esses devotos da cegueira que a total redução dos valores ao valor
de mercado não seria o apogeu do capitalismo, e sim sua imediata paralisia e
abolição? Em termos marxistas, essa redução equivaleria à radical substituição
dos “valores de uso” por “valores de troca”. Marx ficou tão deslumbrado quando
descobriu um suposto “fetichismo da mercadoria” que não percebeu que as coisas
só podem ser quantidades abstratas ou puras mercadorias do ponto de vista de
quem vende, jamais de quem compra. Para este, elas são bens concretos, bens de
uso e consumo. Um menino não compra uma bola porque é “mercadoria”, mas porque
é bola. Uma mulher não compra um vestido porque vale x ou y no mercado, mas
porque agrada a seus olhos, aos do marido ou aos da roda de amigas a quem
deseja impressionar.
O
leitor não compra um livro para repassá-lo vantajosamente a um sebo, mas porque
lhe parece digno de ser lido ou pelo menos ostentado na prateleira. Cada um
desses consumidores, como aliás todos os outros, age movido por critérios
pessoais que não são de mercado, que são irredutíveis ao econômico e que, por
isso mesmo, estão rigorosamente fora da ciência econômica. O mercado não apenas
pressupõe a existência desses valores, mas vive deles, exalta-os e morre quando
são suprimidos: se as pessoas não tiverem mais motivos extra-econômicos – isto
é, biológicos, psicológicos, lúdicos, éticos ou fantásticos – para comprar o
que compram, simplesmente não comprarão mais, a não ser na hipótese de um
inconcebível capitalismo imaterial, no qual, todos os produtos tendo sido
reduzidos a dinheiro, as pessoas comam dinheiro, vistam dinheiro, leiam
dinheiro e troquem dinheiro por dinheiro.
Mas ao
mesmo tempo que acusam o capitalismo pela redução de tudo ao econômico, esses
“Havana boys” se esforçam para persuadir o público de que todos os valores
éticos, religiosos, estéticos e civilizacionais são apenas disfarces
ideológicos de interesses de classe. Com essa pretensa “desmitificação”,
solapam e destroem toda motivação extra-econômica dos atos humanos, fazendo da
redução da qualidade à quantidade uma profecia auto-realizável – só que auto-realizável
não graças à mecânica do mercado, e sim graças à devastadora ação psicológica
da propaganda socialista que impregna de alto a baixo a cultura de nosso tempo.
O
desespero, o vazio, a angústia da sociedade moderna, sobre os quais em seguida
o ideólogo socialista se debruça para imputar sua culpa a analogias mágicas
entre esses fenômenos e a estrutura do mercado, são na verdade criações diretas
dele mesmo – criações da intelectualidade alienada que pretende desvendar a
sociedade sem levar em conta o brutal impacto de sua própria ação sobre ela.
Cometer o crime e inculpar a vítima: eis a essência da lógica socialista.
Artigo
escrito pelo saudoso Professor Olavo de Carvalho.
Publicação
original em: https://olavodecarvalho.org/idolatria-do-mercado/
Olavo
de Carvalho
Professor,
filósofo, escritor, ensaísta e jornalista. Escreveu mais de 40 livros, mais de
44 cursos, idealizador do Curso Online de Filosofia, o COF, contabilizando mais
de 570 aulas. [29 de abril de 1947 – 24 de janeiro de 2022]
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