ANÁLISE
Alexandre
Garcia: A medula da Constituição
"Ex-presidente
do Supremo, o ministro Marco Aurélio, falando no último Fórum da Liberdade,
lembrou que a Corte tem que ficar restrita às funções que lhe atribui a
Constituição. Não poderia julgar os manifestantes do 8 de janeiro"
Em 8 de janeiro de 2023, um grupo de
apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiu e depredou as sedes dos
três Poderes, em Brasília. -
(crédito: AFP)
Em 8 de
janeiro de 2023, um grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
invadiu e depredou as sedes dos três Poderes, em Brasília. - (crédito: AFP)
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perfil do autor(a) Correio Braziliense
Correio
Braziliense
postado
em 17/04/2024 03:55
Estamos
precisando ler a Constituição com a mesma frequência e intimidade com que os
evangélicos leem e citam a Bíblia. Afinal, a Constituição é o livro sagrado nas
nações democráticas. Precisamos ter os princípios da Constituição como uma
questão de fé — uma fé racional — porque estão passando por cima do que foi
promulgado há 36 anos e ainda estamos discutindo se isso pode ou não, como se
já não estivessem fixados em pedra.
Como
Moisés no Sinai, o Doutor Ulisses nos apresentou as tábuas pétreas da lei maior
e, por serem fáceis de ler e de entender, chamou o conjunto de princípios de
Constituição Cidadã, como garantia contra qualquer tipo de tirania. "Tenho
nojo de ditadura", proclamou ele na promulgação da Lei Maior.
Agora o
ministro aposentado do Supremo Marco Aurélio Mello explica a quem ainda não
percebeu que a medula da Constituição é a liberdade. A liberdade está em todas
as páginas do nosso livro sagrado. A tal ponto que a Constituição proíbe
qualquer restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à
informação, sob qualquer forma ou veículo — como está escrito no artigo 220.
O mesmo
artigo vai além: estabelece que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa
constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer
veículo de comunicação social" — e observe que o constituinte não escreveu
apenas a palavra liberdade, mas a adjetivou: plena liberdade.
O
inimigo da liberdade de expressão é a censura. Para ela, o artigo 220 reserva
uma arma letal: "É vedada toda e qualquer censura, de natureza política,
ideológica e artística". Qual é a exceção? Os valores éticos e sociais da
pessoa e da família. É o que estabelece o artigo seguinte, mandando que a
programação da tevê e do rádio respeite esses valores, isto é, respeite a
família.
O
incrível é que está desde 1988 na Constituição e parece que ainda não circula
por todos os nervos, veias, vasos e artérias do país. E na medula da
Constituição está a liberdade. Como vamos exigir que respeitem o Código Penal,
que é lei ordinária, se não respeitam a lei maior? Se não respeitam a lei
maior, por que iriam respeitar as menores? Eis porque vivemos mal, com
insegurança em tudo.
O mais
incrível é que autoridades, com ou sem mandato, que juraram cumprir e defender
a Constituição, só fizeram isso protocolarmente. Ex-presidente do Supremo, o
ministro Marco Aurélio, falando no último Fórum da Liberdade, lembrou que a
Corte tem que ficar restrita às funções que lhe atribui a Constituição. Não
poderia julgar os manifestantes do 8 de janeiro, que ficaram sem direito ao
recurso; tampouco caberiam julgamentos à distância.
Em
1932, os paulistas deram sangue e vidas por uma constituição. Foram
bombardeados pela aviação de um governo que não queria ser limitado por uma
constituição. Fabricaram blindados e resistiram. Hoje, o que blinda os que
querem viver em liberdade é a Constituição de 1988, que está sendo bombardeada
em sua medula. Medula atingida leva à paralisia. O cale-se é a paralisia da
liberdade.
Isso
pode ser revertido se a Constituição se tornar o livro de cabeceira da
cidadania. Mas não ficar apenas na cabeceira, e sim se estabelecer nas cabeças
brasileiras.
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