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Da
velhice, só escapa quem já morreu - Ruth de Aquino.
“Como a mulher e o homem confrontam os 60
anos”? O filme da diretora Julie Gavras, exibido na mostra internacional de São
Paulo, trata de envelhecimento. De como esconder ou assumir a idade. Aos 60
você se sente maduro, curioso e sábio ou velho, amargo e ultrapassado? O título
do filme no Brasil é assombrosamente ruim e apelativo: Late bloomers – O amor
não tem fim. “Late bloomer” é uma expressão inglesa que denomina quem
amadureceu tardiamente. Em francês, a tradução do título é clara e objetiva:
Trois fois vingt ans (Três vezes 20 anos). Uma conta básica de multiplicação
mostra que você já viveu bastante. Um dia teve 20 anos. Também comemorou ou
receou os 40. E agora, aos 60, passa para o time dos velhos. Ou não?
Isabella Rossellini (Mary) e William Hurt
(Adam) fazem o casal protagonista. Devido a um súbito lapso de memória, a mulher,
professora universitária, percebe que envelheceu e toma medidas concretas em
casa. Aumenta o tamanho dos números no aparelho de telefone, coloca barras na
banheira para o casal não escorregar. O homem, arquiteto famoso, se recusa a se
imaginar velho, passa a conviver só com jovens e a se vestir como eles. Ela faz
hidroginástica, mas se sente fora d’água, organiza reuniões com idosas e
mergulha em trabalhos voluntários. Ele vai para o bar, bebe energéticos e vira
a noite. Cada um se apega a sua visão de como envelhecer melhor, sem
concessões. Ambos acabam tendo casos extraconjugais. Há nos dois um desespero
parecido. Mary exagera na consciência da proximidade da morte. E Adam exagera
na negação. Depois de décadas de amor sólido, com os três filhos fora de casa e
já com netos, o casal se vê prestes a engrossar as estatísticas dos divorciados
após os 60 anos, ao descobrir que se tornaram estranhos e por isso ficam melhor
sozinhos e livres. O filme é uma comédia romântica para a idade avançada, um
gênero quase inexistente.
Julie Gavras não encontrou nenhuma atriz
francesa que assumisse com humor os dilemas de uma sexagenária. “Precisava de
alguém com a idade certa, mas que não tivesse feito cirurgia plástica”, diz
Julie. “Isabella foi perfeita porque entende que, quanto mais velha fica, mais
liberdade tem.” Na França, diz a cineasta, “a idade é uma questão delicada para
a mulher”. No Brasil, que cultua a juventude feminina como moeda de troca, é
mais ainda.
Isabella, um dos rostos mais lindos do
cinema, disse ter adorado fazer um filme sobre envelhecimento: “São tão poucos
e tão dramáticos. E minha experiência tem sido pouco dramática, aliás bem
cômica às vezes. Mulheres envelhecendo são vistas como uma tragédia e foi
preciso uma cineasta mulher para ver diferente”.
Homens e mulheres reagem de maneira
desigual à passagem dos anos? É arriscado generalizar. Depende de cada um.
Compreendo que mulheres de 60 sintam mais necessidade de parecer jovens e
desejáveis – mas alguns homens idosos se submetem a riscos para continuar
viris. A obsessão da juventude eterna criou um grupo de deformadas que se
sujeitam a uma cirurgia plástica por ano e perdem suas expressões. Mas também
fez surgir outro tipo de sexagenárias, genuinamente mais belas, mais em forma,
mais ativas e saudáveis enfim.
“As mulheres nessa idade querem aproveitar
o mundo, viajar, passear, dançar, ver filmes e peças, fazer cursos. Os homens
querem ficar em casa, curtir a família, os netos”, afirma a antropóloga Mirian
Goldenberg, que acaba de publicar um livro sobre a travessia dos 60. “Elas se
cuidam mais, eles bebem mais. Elas vão a médicos, fazem ginástica, eles
engordam, gostam do chopinho com amigos ou sozinhos. Elas envelhecem melhor,
apesar do mito de que o homem envelhece melhor. Muitas me dizem: ‘Pela primeira
vez na vida posso ser eu mesma’.”
Da
velhice ninguém escapa, a não ser que a morte o resgate antes. Cada um lida com
ela de forma pessoal e intransferível. O escritor Philip Roth, aos 78 anos, diz
que “a velhice não é uma batalha; é um massacre”. Mas produz compulsivamente.
Woody Allen, de 75 anos, dirige um filme por ano, mas acha que não há
romantismo na velhice: “ Você não ganha sabedoria, você se deteriora”. Para
Clint Eastwood, de 81 anos, que ficou bem mais inteligente e charmoso com a
idade, envelhecer foi uma libertação: “Quando era jovem, era mais estressado.
Me sinto muito mais livre hoje. Os 60 e 70 podem ser os melhores anos, desde
que você mude ou evolua”. Prefiro acreditar em Eastwood. Por mais que a sociedade
estabeleça como idoso quem tem acima de 60, a tendência é empurrar o calendário
para a frente. Hoje, para os sessentões, velho é quem tem mais de 80. Os
octogenários produtivos acham que velho é quem passou dos 90. No fim, velho
mesmo é quem já morreu e não sabe."
Fonte:
Ruth de Aquino, da revista Época
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