Publicado em: 21/12/2009 às 16:58hs
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Mesmo aqueles que adoram a mangaba se surpreendem. A
mangabeira também oferece o látex. Os cientistas encontraram os lendários
“mangabeiros” com suas inúmeras histórias sobre o período conhecido como “Ciclo
da Borracha da Mangabeira”.
Quando se fala no Jalapão, aquela região de paisagem
cinematográfica guardada no leste do Estado do Tocantins, logo vem à cabeça (e
aos olhos, sobretudo) o cerrado selvagem, repleto de cachoeiras, veredas,
dunas, emas e capim-dourado. Foi exatamente com isso e muito mais que uma
equipe de cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e
da Universidade Federal do Pará (UFPA) deparou durante uma expedição à região,
em busca das áreas naturais de ocorrência da mangabeira no Brasil Central para
conservação dos seus recursos genéticos. Isso mesmo, a planta que dá a frutinha
que faz a delícia dos moradores do litoral do Nordeste também ocorre no
cerrado, mas não é lá tão aproveitada. A razão é que o seu uso não é exatamente
para a finalidade que se pensa, como veremos mais na frente.
Para descobrir isso, subimos serras e chapadas, cruzamos
rios, atravessamos cerrados, cerradões e campinas, e enfrentamos estradas de
areia que parecia estarmos andando em dunas. Topamos com magníficas mangabeiras
eretas no platô da Serra do Espírito Santo, retorcidas na Chapada das
Mangabeiras, isoladas no Capão e bosques delas em Novo Acordo, um dos quatro
municípios esmiuçados (os outros foram Mateiros, Ponte Alta do Tocantins e São
Félix do Jalapão). O saldo disso? Muitas populações naturais mapeadas, várias
entrevistas, inúmeras surpresas (às vezes boas, como as diversas unidades de
conservação criadas na região, outras nem tanto, como as gigantescas lavouras
de soja e milho cercando o Jalapão) e uma (re)descoberta...
Já sabíamos que o lobo-guará adora mangaba, que ela gosta de
sol e de solo fraco (areia e pedra), que as populações tradicionais usam o seu
látex para remédio e que um dia esse “leite” foi usado (isso já desde o final
do século XIX) para a fabricação de um tipo de borracha exportado durante e
após as duas guerras mundiais. O que não estava no roteiro (ou até estava, mas
encarávamos como um prêmio) foi o encontro com os lendários “mangabeiros”, que
trouxe à baila inúmeras histórias sobre o período conhecido como “Ciclo da
Borracha de Mangabeira”, em cujo apogeu floresceram cidades como Formosa do Rio
Preto, Santa Rita de Cássia, Barreiras e São Desidério (BA); Januária (MG);
Corrente (PI); Porto Nacional (TO) e muitas outras. Os “mangabeiros” eram a
população (normalmente de homens, mas algumas mulheres da vanguarda da época
também praticavam) que vivia do extrativismo do látex da planta nos cerrados de
mangabal (com o “l” final bem pronunciado no melhor sotaque do Jalapão).
O “garimpo da mangaba”, como era conhecida a exploração das
mangabeiras nativas para extração do látex, foi durante décadas a mais
importante atividade econômica daqueles “gerais” e era tão lucrativa que, como
se viu, tinha até o nome de “garimpo”. Foi fonte de sustento para inúmeras
famílias e fez nascer povoações nos lugares mais remotos. “Mangabar” era o
verbo que designava o trabalho duro, mas prazeroso, como afirmou Seu Domingos
Ribeiro, filho, neto e ele mesmo “mangabeiro”. Maravilhosa mesmo foi a sua
descrição sobre a arrumação de um “mangabeiro” ? “Eita arrumação feia!”, disse
com sua graça peculiar e simpatia típica dos “jalapoeiros”. Colocavam o cofo
(bolsa de palha de buriti) nas costas, carregado com a “lega” e o “trisco”
(instrumentos para “riscar” a planta), copos de flandres, cabaças e panelas.
Vestiam-se de roupas velhas, “alpercata de três pontos” e “carocha” (capa de
folha de buriti).
Uma equipe boquiaberta (era assim que ficávamos a cada
história que ouvíamos) e emocionada via surgir um passado registrado somente na
memória de alguns senhorinhos, hoje com mais de 80 anos. Pegamos o túnel do
tempo para uma viagem às décadas de 1940 e 1950, quando nos deparamos com
tropeiros, saindo antes do sol nascer, conduzindo jumentos e burros e
carregando mantimentos para passar semanas no cerrado, “riscando” os pés de
mangaba para extração do “leite” que escorria até os copos de flandres. Bom
mesmo era quando o entardecer chegava, pois era hora de voltar ao acampamento
feito de folha de buriti, naturalmente. O trabalho continuava, mas agora era regado
a uma cachacinha. O látex era despejado numa panela de ferro e levado ao fogo
para coalhar e virar uma grande bola de borracha. Depois era só pisar até virar
uma “manta”.
Com o tempo e o fim da Segunda Guerra, a atividade entrou em
decadência ¯ borrachas de seringueira de excelente qualidade e maior rendimento
tomaram o lugar da de mangabeira. Alguns “jalapoeiros” ainda confeccionam
maravilhosas bolas de brinquedo a partir do “leite”, mas “mangabar” virou um
verbo que não se conjuga mais e os “mangabeiros” ficaram apenas na saudade de
pessoas como Seu Tomé, Seu Tonico, Seu Olavo e, claro, Seu Domingos.
Josué Francisco da Silva Junior e Raquel Fernandes de Araújo
Rodrigues - Os autores são, respectivamente, pesquisador e analista da Embrapa
Tabuleiros Costeiros (Aracaju, SE). Além deles, participaram da expedição os
pesquisadores Dalva Maria da Mota, da Embrapa Amazônia Oriental, e Heribert
Schmitz, da UFPA, ambas em Belém, PA.
Fonte: Embrapa Tabuleiros Costeiros
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