ESTUDO SUGERE QUE POVO NO QUÊNIA É GENETICAMENTE ADAPTADO A
AMBIENTES HOSTIS
Povo Turkana, grupo étnico de pastores seminômades do
Quênia, pode ser geneticamente adaptado para viver em ambientes hostis, sugere
novo estudo.
Uma pesquisa inovadora, originada a partir de diálogos em
torno de uma fogueira, revelou como as comunidades pastorais da região árida de
Turkana, no norte do Quênia, conseguiram sobreviver com uma dieta rica em carne
e enfrentando a escassez de água. O estudo, publicado na revista Science, foi
realizado por uma colaboração entre pesquisadores africanos e americanos e a
comunidade local.
Segundo os autores da pesquisa, que inclui o estudante de
pós-graduação Charles Miano, do Kenya Medical Research Institute (Kemri), a
habilidade dessa população de viver em um ambiente tão hostil é resultado de
séculos de seleção natural. A pesquisa se concentrou na análise de 367 genomas
completos e mais de 7 milhões de variantes genéticas, identificando várias
regiões do genoma que estão sob pressão seletiva.
A iniciativa faz parte do Turkana Health and Genomics
Project (THGP), que reúne cientistas do Kemri, do Turkana Basin Institute
(TBI), da Vanderbilt University e da University of California, Berkeley. Os
pesquisadores descobriram que oito regiões do DNA apresentaram evidências de
seleção natural, sendo que um gene específico, o STC1, responsável pela
expressão nos rins, destacou-se por demonstrar forte adaptação a ambientes
extremos. As evidências incluem a resposta do corpo à desidratação e ao
processamento de alimentos ricos em purinas, como carne e sangue, que compõem a
base da dieta dos turkanas.
A região de Turkana é uma das mais áridas do mundo,
caracterizada por calor extremo e escassez de água. A precipitação é irregular
e escassa, tornando o acesso à água um desafio diário para a comunidade e seus
rebanhos de gado, cabras e camelos. Aproximadamente 70% a 80% da dieta local é
composta por produtos animais, refletindo a adaptabilidade da população a
condições adversas.
Embora os membros da comunidade consumam grandes quantidades
de purinas — uma substância associada à gota — o estudo revelou que essa
condição é raramente observada entre os turkanas. O professor Julien Ayroles,
da University of California, Berkeley e co-investigador do projeto, destacou
que cerca de 90% dos avaliados estavam desidratados, mas geralmente saudáveis:
“Os Turkana mantêm seu modo de vida tradicional há milhares de anos, o que nos
oferece uma janela extraordinária para a adaptação humana.”
As adaptações genéticas dos turkanas teriam surgido há cerca
de 5.000 anos, conforme o clima da região se tornava cada vez mais seco. Isso
sugere que a seleção natural favoreceu variantes que melhoraram as chances de
sobrevivência em condições áridas. O Dr. Epem Esekon, responsável pela saúde
pública na comarca de Turkana, afirmou: “Esta pesquisa demonstra como nossos
ancestrais se adaptaram a mudanças climáticas drásticas por meio da evolução
genética.”
No entanto, à medida que mais membros da comunidade se mudam
para centros urbanos, as mesmas adaptações que antes ofereciam proteção podem
agora aumentar os riscos para doenças crônicas relacionadas ao estilo de vida.
Esse fenômeno é conhecido como “descompasso evolutivo“, onde adaptações
moldadas por um ambiente tornam-se desvantagens em outro contexto.
A comparação entre biomarcadores e expressão gênica entre
turkanas urbanos e aqueles que permanecem nas aldeias revelou um desequilíbrio
que pode predispor os urbanos a doenças crônicas como hipertensão e obesidade —
condições mais comuns em ambientes urbanos com dietas e padrões de atividade
diferentes.
IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
Miano enfatizou a importância desse conhecimento para guiar
programas de saúde direcionados aos turkanas à medida que alguns membros fazem
a transição para a vida urbana. Ele declarou: “Compreender essas adaptações
orientará os programas de saúde para os Turkana, especialmente à medida que
alguns migram do pastoreio tradicional para a vida na cidade.”
A história dos turkanas oferece lições valiosas à medida que
o mundo enfrenta rápidas mudanças ambientais. Os pesquisadores ressaltaram que
esta comunidade desenvolveu estratégias sofisticadas para sobreviver em um
ambiente desafiador ao longo das gerações, repercute o The Guardian.
Durante quase uma década, o projeto buscou co-produzir
conhecimento ao integrar ciência genética com expertise ecológica e
antropológica. A agenda foi formulada com base em diálogos com anciãos turkanas
e outros membros da comunidade sobre saúde e mudança social.
O Dr. Sospeter Ngoci Njeru, co-investigador e diretor
adjunto do Kemri’s Centre for Community Driven Research, ressaltou: “Trabalhar
com os Turkana foi transformador para este estudo; seus insights sobre o
ambiente, o estilo de vida e a saúde deles foram essenciais para conectar
nossas descobertas genéticas à biologia do mundo real e às estratégias de
sobrevivência.”
Além disso, o Dr. Dino Martins, diretor do TBI, apontou como
essa conexão ecológica profunda evidencia como as mudanças climáticas continuam
a moldar a biologia humana e a saúde pública: “A descoberta acrescenta mais um
conhecimento importante à nossa compreensão mais ampla da evolução humana.”
Os pesquisadores acreditam que outras comunidades pastorais
em ambientes semelhantes na África Oriental também compartilham dessas
adaptações. Para disseminar as descobertas do estudo na língua local, está
previsto o lançamento de um podcast voltado aos turkanas juntamente com
considerações práticas sobre saúde diante das mudanças rápidas nos estilos de
vida.
Éric Moreira
Éric Moreira é jornalista, formado pelo Centro Universitário
Belas Artes de São Paulo. Passa a maior parte do tempo vendo filmes e séries,
interessado em jornalismo cultural e grande amante de Arte e História.
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